Ele
desligou a TV do bangalô do resort, deu um soco na mesa de cabeceira e
balbuciou:
-
Tua hora tá chegando! Filho da puta!
O local era extremamente luxuoso, ele nunca
havia estado num resort de padrão tão alto. Planejara aquele fim de semana com
todo o cuidado e o mais detalhadamente possível. Era seu último ato.
O
tempo amanheceu nublado, mas a previsão era de sol no final de semana. Ele saiu
para caminhar e fazer um reconhecimento do local. Seus planos haviam sido
feitos levando em conta a visualização virtual em 3D que havia no site do resort.
Precisava checar com mais precisão, in loco.
Caminhou
até o píer e certificou-se que o iate que seu alvo irá usar está sendo
preparado por meia dúzia de funcionários. Essa marina é utilizada pelos
proprietários de iates e embarcações de passeio da região. Um local de
magnatas, celebridades, profissionais muito bem sucedidos e políticos, juízes e
ministros corruptos da suprema corte. Alguns acumulavam mais de uma dessas ocupações.
O
ódio não o abandonava, nem quando sentiu o sabor combinado de vinho branco com
camarões bem graúdos. A tristeza sobrevinha a
qualquer possibilidade de um sorriso. Suas perdas haviam acabado com qualquer
possibilidade de que isso ocorresse. De que qualquer coisa boa viesse a
ocorrer. A única possibilidade de ainda conseguir sentir algum prazer na vida
era através da vingança.
Terminou
a taça de vinho e caminhou até um pequeno e charmoso prédio de pedras aparentes
com detalhes em madeira rústica, onde se certifica como funcionam as saunas, duchas e salas
de massagens.
-
Se houver muitas pessoas circulando, aqui não é possível. Pensou.
O
restaurante no final do píer principal, debruçado sobre a baía de águas
transparentes, só tem uma entrada e saída. Nada feito.
Transmitir
ao vivo sua missão era um dos objetivos. Um celular no bolso da camisa faria a
transmissão. Ele já havia testado várias maneiras, mas o teste que faria in
loco era o mais importante.
Continuou
caminhando pelo enorme e luxuoso resort. Foi até as cavalariças, sempre gostou
de cavalos. No píer de pequenos barcos,
o hóspede tem à sua disposição Jet-skis, caiaques, pequenos barcos à vela e
lanchas menores.
Vários
profissionais de cada especialidade são oferecidos para os iniciantes. Seu
filho mais velho iria se esbaldar aqui...O ódio só aumentava se misturando com a dor de um vazio lancinante e intransponível.
Em
qualquer lugar do resort o hóspede pode pedir qualquer coisa que deseje que lhe
será servido.
Segunda
garrafa de vinho branco. Nada vai tirar seu foco.
Segue
até chegar a um pequeno bosque à beira da lagoa, onde uma pista de terra batida está
sinalizada para corridas e caminhadas. A pista toda tem uns 800 metros, em
formato oval. Em todo trajeto, muito arborizado, existem bancos e bebedouros. O
local é perfeito, como esperava. Existem diversos pontos cegos. O crápula gosta
de caminhar e não vai perder a oportunidade de fazê-lo num local tão bucólico e
reservado.
Nesse
fim de semana não há qualquer motivo facilitador que indique que o resort terá
grande movimentação. O preço altíssimo e a situação caótica na qual o país foi
lançado, depois que a Suprema Corte começou a emitir sentenças estapafúrdias e inconstitucionais, tornavam aquele local um privilégio para muito poucos, que não
tinham vergonha alguma dos atos que praticavam para pagar aquele luxo
nababesco.
Foco.
Não
podia se deixar levar por pensamentos pouco práticos. Aquele local se confirmou
perfeito, mas tem que haver uma segunda opção. Pode chover ou ele pode
simplesmente resolver não caminhar.
Voltando
até a sede, resolveu que se o ministro não fosse caminhar ele atiraria na
oportunidade que tivesse. Não era sua intenção sair vivo dali mesmo. Só queria
se certificar de que tinha transmitido a Live dos últimos segundos de vida
daquele filho da puta que lhe causara tanta dor. Pensou nos entes que perdera,
incluindo a si mesmo e a sua fé. Ele devia aquilo à muita gente querida que não
teve chance alguma diante daquela horda corrupta que tomara conta de tudo.
Todos
os pensamentos convergiam para o mesmo ponto e alimentavam sua certeza.
Percebeu que finalmente sentiria algum alívio na alma atormentada.
No
dia seguinte, não acordou com o toque do celular. Era muito mais garantido
antigamente, quando as telefonistas dos hotéis faziam o papel do despertador.
Olhou a hora e levantou-se assustado. Em segundos, sua adrenalina elevou-se a
ponto de ver seu coração pulsando sob a pele. Colocou uma bermuda e a camisa já
preparadas, certificou-se que a arma estava carregada e a colocou no espaço
entre o cós da bermuda e suas costas. A camisa larga disfarçava perfeitamente.
Calçou o tênis e saiu. Antes que chegasse ao restaurante viu o ministro já se
encaminhando para a pista de jogging.
Atrasou um pouco o passo para não se cruzarem. Estava suando, mas não
estava calor.
Quando
chegou à pista o ministro já estava sumindo ao fundo do pequeno bosque, o local
estava tranqüilo, sem outros corredores. Não havia seguranças no local.
Realmente, pensou, ele se acha acima do bem e do mal. Faz o que bem entende,
passa na cara do país e não está nem um pouco interessado em quem sofre as
consequências. Não teme nada.
Na
pista, tomou o sentido oposto ao do ministro e iniciou sua caminhada final.
Havia
meses, que esperava por esse momento que, finalmente, chegara. Caminhou até que não pudesse mais
ser visto da entrada do bosque, tirou o celular, ligou a câmera de vídeo,
colocou-a on-line para transmissão da live pelo Facebook, ajustou no bolso
preparado e sentou-se.
Não
encostou sequer as costas no banco quando o ministro e seu amigo aparecerem
saindo da curva. Pensou nos entes queridos e falou, já transmitindo ao vivo:
-
Ele se acha um Deus. Vou provar que ele não é.
Quando
o ministro estava a cerca de 5 metros ele levantou-se, sacou a pistola, chegou
bem perto, olhou fundo nos olhos aterrorizados do ministro e falou:
-
É ministro, vamos ver se você é Deus mesmo...
O
ministro balbuciou algo ininteligível e babou. Ainda babando e com os olhos
arregalados, ficou parecendo ainda mais com um sapo, implorando pela vida.
Chorando, urinou-se copiosamente. Tudo mostrado ao vivo naquela live que se
tornaria famosa no mundo inteiro.
Ele
não falou mais nada. Apenas sorriu como há muito não o fazia e atirou entre os
olhos.
O
país inteiro comemorou como se fosse carnaval.