COACH LITERÁRIO

O ORIENTADOR LITERÁRIO é um profissional que acompanha, ensina e participa de todo processo de criação de um livro. Um profissional técnico, especializado em criação, um professor de escrita e um parceiro, ao mesmo tempo. Experimente, é terapêutico e libertador. Perpetue as histórias que só você tem para contar.
Mostrando postagens com marcador EDMIR SAINT-CLAIR. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador EDMIR SAINT-CLAIR. Mostrar todas as postagens

IDENTIDADE - Poesia

 

Tudo que já fui, sou

Sou também o que desejei ser,

                               E não fui

De outro jeito não seria eu

De outro jeito não sou, nem eu, nem outro,

        Nem o que pensei ser, nem o que fui

Para estar aqui precisei ser tudo que já fui,

E o que precisei não ser,

                        Tanto para mim como para os outros,

Porque o outro é o limite do eu

                                               Um não existe sem o outro

Para ter ontem é preciso que seja hoje

                               O único que realmente existe

Porque amanhã é tudo que não sei,

E precisa de mim para acontecer,

Porque meu amanhã não existirá se eu me perder

de quem sou.

                                                      

 – Edmir Saint-Clair

Gostou?  👇  Compartilhe com seus amigos

SIMONE BILES

Qualquer atleta que chega a disputar uma olimpíada (exceções sempre existem) tem por trás e sobre si o trabalho e a expectativa de um sem numero de profissionais e familiares. Ela é a ponta de um projeto sobre a qual pairam expectativas superlativas.

No começo, o atleta já se torna a oportunidade que a família vê para ascender financeira e socialmente. Passando, assim, a ser focalizada como a esperança de todo seu círculo familiar.

Desde pequenos, as crianças que demonstram aptidões extraordinárias passam por esse processo de deixar de serem apenas elas próprias para passar a “representar” seu grupo. Em atletas do nível de Simone Biles, que despontam ainda muito precocemente, o peso de cada conquista vai se acumulando, não como alegrias, mas como obrigação de corresponder ao que esperam dela. Cada vez mais. E pelo caminho essa pressão só vai aumentando. Além da família, entram nessa história empresas patrocinadoras, comitês esportivos, agremiações, confederações e mais um enorme contingente de entidades e pessoas que irão explorar aquele talento de todas as formas possíveis e imagináveis.

Até chegar ao nível de um superatleta, não é difícil imaginar o tamanho das expectativas e dos interesses depositados sobre esses ombros, ainda adolescentes, durante anos e anos. Agora, multiplique essa pressão, já absurda, por 10 e teremos o peso sofrido pela maior estrela da Olimpíada de Tókio.

A meu ver, o que Simone Biles fez foi de uma humanidade comovente.

Num evento onde todos desejam ser super, ela quebrou as regras e desejou ser apenas humana.    

Com todas as contradições e incertezas que faz cada um de nós ser quem é.

Num tempo onde lutamos por direitos iguais para todos, independente de raça, gênero, religião e todos os tipos de discriminação, a atitude de Simone Biles resume todos esses movimentos num só: o direito de ser humano.

Porque o ser humano é tudo isso.

E o super-homem não existe.

 – Edmir Saint-Clair

Gostou?  👇  Compartilhe com seus amigos

O HOMEM QUE MATOU O MINISTRO

Ele desligou a TV do bangalô do resort, deu um soco na mesa de cabeceira e balbuciou:

- Tua hora tá chegando!  Filho da puta!

 O local era extremamente luxuoso, ele nunca havia estado num resort de padrão tão alto. Planejara aquele fim de semana com todo o cuidado e o mais detalhadamente possível. Era seu último ato.

O tempo amanheceu nublado, mas a previsão era de sol no final de semana. Ele saiu para caminhar e fazer um reconhecimento do local. Seus planos haviam sido feitos levando em conta a visualização virtual em 3D que havia no site do resort. Precisava checar com mais precisão, in  loco.

Caminhou até o píer e certificou-se que o iate que seu alvo irá usar está sendo preparado por meia dúzia de funcionários. Essa marina é utilizada pelos proprietários de iates e embarcações de passeio da região. Um local de magnatas, celebridades, profissionais muito bem sucedidos e políticos, juízes e ministros corruptos da suprema corte. Alguns acumulavam mais de uma dessas ocupações.

O ódio não o abandonava, nem quando sentiu o sabor combinado de vinho branco com camarões bem graúdos. A tristeza sobrevinha a qualquer possibilidade de um sorriso. Suas perdas haviam acabado com qualquer possibilidade de que isso ocorresse. De que qualquer coisa boa viesse a ocorrer. A única possibilidade de ainda conseguir sentir algum prazer na vida era através da vingança.

Terminou a taça de vinho e caminhou até um pequeno e charmoso prédio de pedras aparentes com detalhes em madeira rústica, onde se certifica como funcionam as saunas, duchas e salas de massagens.

- Se houver muitas pessoas circulando, aqui não é possível. Pensou.

O restaurante no final do píer principal, debruçado sobre a baía de águas transparentes, só tem uma entrada e saída. Nada feito.

Transmitir ao vivo sua missão era um dos objetivos. Um celular no bolso da camisa faria a transmissão. Ele já havia testado várias maneiras, mas o teste que faria in loco era o mais importante.

Continuou caminhando pelo enorme e luxuoso resort. Foi até as cavalariças, sempre gostou de cavalos.  No píer de pequenos barcos, o hóspede tem à sua disposição Jet-skis, caiaques, pequenos barcos à vela e lanchas menores.

Vários profissionais de cada especialidade são oferecidos para os iniciantes. Seu filho mais velho iria se esbaldar aqui...O ódio só aumentava se misturando com a dor de um vazio  lancinante e intransponível. 

Em qualquer lugar do resort o hóspede pode pedir qualquer coisa que deseje que lhe será servido.

Segunda garrafa de vinho branco. Nada vai tirar seu foco.

Segue até chegar a um pequeno bosque à beira da lagoa,  onde uma pista de terra batida está sinalizada para corridas e caminhadas. A pista toda tem uns 800 metros, em formato oval. Em todo trajeto, muito arborizado, existem bancos e bebedouros. O local é perfeito, como esperava. Existem diversos pontos cegos. O crápula gosta de caminhar e não vai perder a oportunidade de fazê-lo num local tão bucólico e reservado.

Nesse fim de semana não há qualquer motivo facilitador que indique que o resort terá grande movimentação. O preço altíssimo e a situação caótica na qual o país foi lançado, depois que a Suprema Corte começou a emitir sentenças estapafúrdias e inconstitucionais, tornavam aquele local um privilégio para muito poucos, que não tinham vergonha alguma dos atos que praticavam para pagar aquele luxo nababesco.

Foco.

Não podia se deixar levar por pensamentos pouco práticos. Aquele local se confirmou perfeito, mas tem que haver uma segunda opção. Pode chover ou ele pode simplesmente resolver não caminhar.

Voltando até a sede, resolveu que se o ministro não fosse caminhar ele atiraria na oportunidade que tivesse. Não era sua intenção sair vivo dali mesmo. Só queria se certificar de que tinha transmitido a Live dos últimos segundos de vida daquele filho da puta que lhe causara tanta dor. Pensou nos entes que perdera, incluindo a si mesmo e a sua fé. Ele devia aquilo à muita gente querida que não teve chance alguma diante daquela horda corrupta que tomara conta de tudo.

Todos os pensamentos convergiam para o mesmo ponto e alimentavam sua certeza. Percebeu que finalmente sentiria algum alívio na alma atormentada.

No dia seguinte, não acordou com o toque do celular. Era muito mais garantido antigamente, quando as telefonistas dos hotéis faziam o papel do despertador. Olhou a hora e levantou-se assustado. Em segundos, sua adrenalina elevou-se a ponto de ver seu coração pulsando sob a pele. Colocou uma bermuda e a camisa já preparadas, certificou-se que a arma estava carregada e a colocou no espaço entre o cós da bermuda e suas costas. A camisa larga disfarçava perfeitamente. Calçou o tênis e saiu. Antes que chegasse ao restaurante viu o ministro já se encaminhando para a pista de jogging.  Atrasou um pouco o passo para não se cruzarem. Estava suando, mas não estava calor.

Quando chegou à pista o ministro já estava sumindo ao fundo do pequeno bosque, o local estava tranqüilo, sem outros corredores. Não havia seguranças no local. Realmente, pensou, ele se acha acima do bem e do mal. Faz o que bem entende, passa na cara do país e não está nem um pouco interessado em quem sofre as consequências. Não teme nada.

Na pista, tomou o sentido oposto ao do ministro e iniciou sua caminhada final.

Havia meses, que esperava por esse momento que, finalmente,  chegara. Caminhou até que não pudesse mais ser visto da entrada do bosque, tirou o celular, ligou a câmera de vídeo, colocou-a on-line para transmissão da live pelo Facebook, ajustou no bolso preparado e sentou-se.

Não encostou sequer as costas no banco quando o ministro e seu amigo aparecerem saindo da curva. Pensou nos entes queridos e falou, já transmitindo ao vivo:

- Ele se acha um Deus. Vou provar que ele não é.

Quando o ministro estava a cerca de 5 metros ele levantou-se, sacou a pistola, chegou bem perto, olhou fundo nos olhos aterrorizados do ministro e falou:

- É ministro, vamos ver se você é Deus mesmo...

O ministro balbuciou algo ininteligível e babou. Ainda babando e com os olhos arregalados, ficou parecendo ainda mais com um sapo, implorando pela vida. Chorando, urinou-se copiosamente. Tudo mostrado ao vivo naquela live que se tornaria famosa no mundo inteiro.

Ele não falou mais nada. Apenas sorriu como há muito não o fazia e atirou entre os olhos.

O país inteiro comemorou como se fosse carnaval.

- Edmir Saint-Clair

Gostou?  👇  Compartilhe com seus amigos

PAÍS LAICO. E SÉRIO?

A simples citação, não só da orientação religiosa evangélica, como também, de uma pré-disposição declarada de submeter decisões jurídicas máximas do país a esses princípios religiosos, num país constitucionalmente laico, já deveria se caracterizar como impedimento legal intransponível contra uma indicação a Ministro da Suprema Corte de qualquer país que se diz laico.

E sério.

MEU AMIGO QUE VOAVA

Um cara engraçado, que sabia rir de si próprio como só as boas pessoas sabem.  Uma combinação incomum, que misturava coragem com um jeito atrapalhado. Se a sorte não tivesse se juntado nesse tempero, teria ido mais cedo para o outro lado.

Uma pessoa aberta a novos pensamentos. Adorava uma novidade. Um desbravador. Sempre que ouvia falar em algum lugar novo, fora do “circuito descolado”, punha-se a caminho para conhecer. De moto, de Kombi ou de Brucutu, um carro equivalente a um Off Road, adaptado por ele. 

Morador do Leblon, depois Ipanema, curiosamente era a montanha e não a praia, que o seduzia. Não era morar na montanha, a onda dele era saltar lá de cima. E Lá em cima ele encontrou sua praia. E decidiu passar o resto da vida voando. E passou.

Quando descobriu que podia ter asas, demitiu-se do cargo de engenheiro civil no funcionalismo público, que lhe remunerava muito bem e lhe oferecia estabilidade, para fazer vôos duplos de para-pente, em São Conrado.

Foi feliz. Viajou e se aventurou, como gostava, para voar em lugares inusitados. Coisas do Bode. Bode não, Carlinhos. Que Carlinhos? O Bode. 

Teve a vida cheia de altos vôos e soube fazer suas escolhas valerem à pena. Conservou, até o fim, a mesma curiosidade adolescente, a mesma alegria ingênua e espontânea. Era capaz de rir e de fazer piadas nos momentos mais difíceis que enfrentou.

Um aventureiro corajoso por natureza. Amigo por vocação. Sempre teve muitos porque sabia ser um amigo dos grandes. Daqueles que a gente pode contar e ligar no meio da madrugada, fosse para chorar ou para comemorar. No imaginário popular, não devemos contar nossas expectativas antes que se realizem, para não despertar olho gordo. Mas, para mim, ele dava sorte. Todas as vezes que estava esperando o desfecho de alguma situação, uma resposta importante, contava para ele. Sempre me deu sorte.

As muitas décadas que convivemos, me deram a honra conhecer um ser humano autêntico e admirável. Um dos momentos mais significativos de nossa amizade, é a satisfação de ter podido expressar, com todas as letras, pessoalmente, o meu amor e a minha admiração para com esse irmão que cativou minha alma com sua essência cheia de bondade.

A ausência já não machuca tanto depois de alguns anos. Mas, nunca vou deixar de sentir saudades. Ao mesmo tempo, tenho muita alegria de ter convivido com esse amigo que me ensinou que era possível voar.

- Edmir Saint-Clair

Gostou?  👇  Compartilhe com seus amigos

FÉ NO MEDO? - Poesia

De quem é essa culpa pairando sobre todos,

O tempo todo,

Esse medo que transcende a vida,

Pronto para esmagar ao primeiro sinal da cruz

 Que tristeza é essa?

Por trás da beleza de todo por do sol

De uma música mais linda

De onde vem essa melancolia transcedental,

 Que precisa de um carnaval para não ser

Mas, que morre a cada quarta-feira, em cinzas.

Fé no medo...

_ Edmir Saint-Clair

ANOITECEU

 

    Seus últimos vínculos familiares haviam acabado de se quebrar. Em frente ao laptop, ouvindo o tema de Cinema Paradiso, sentiu o peso de suas dores. Eram muitas, eram todas que nunca esperou sentir, que lutou a vida inteira para não sentir, que chegou a desistir de sentir coisa alguma para não senti-las.

A música tinha esse poder sobre ele, abrir suas comportas transbordantes, fazendo-o cair diante de suas tristezas e chorá-las. De nada adiantava a raiva com que tentava ocultá-las de si. A raiva que sentia da dor e a raiva que sentia de si por senti-las.

Não é mais, há muito, o amante de corpo e alma se deliciando com a vida, com os encontros e com as manhãs cheias de sol.

Não gosta mais das manhãs, sabe o que pode vir depois delas. Gosta de acordar após o meio do dia, se possível bem depois, longe das manhãs. É entardecer, anoitecer, não manhãs. Há muito, nada nasce nele.

A noite o fascina, o breu, o silêncio, o nada.  Não há mais mistérios nas suas noites, só descanso. Não há mais o que esperar das manhãs.

Anoitecera.

– Edmir Saint-Clair
Gostou?  👇  Compartilhe com seus amigos

REFLETIR

Os benefícios da meditação estão provados e comprovados por vários ramos de pesquisas científicas reconhecidamente qualificadas e competentes. Benefícios inquestionáveis para o corpo e para a mente.

São um sem número de práticas que utilizam técnicas igualmente bastante diversas, que tem na meditação sua espinha dorsal e a partir de sua prática discorrem suas diferentes correntes de pensamentos filosóficos.

Sem questionamentos, não é esse o sentido dessa crônica, desse pensar publicamente.

Ocorre, que nesse contexto me dei conta de que nunca mais ouvi ou li ninguém discorrer a respeito de uma prática que tem um conceito simples, pessoal e intransferível; a reflexão.

Refletir, olhar-se, espelhar-se, examinar-se para se entender ou não. Aí está o exercício mais vital para não perdermos o contato com nossa essência individual e única.

A reflexão é a concentração da mente sobre si própria, suas representações, ideias, sentimentos e atitudes. É prestar contas a si mesmo sobre seus pensamentos, motivações e ações.

Os católicos romanos utilizam uma expressão bastante feliz para essa prática: exame de consciência.

O momento em que somos tanto o psicólogo quanto o paciente. Ou seja, a responsabilidade é grande.

A reflexão é o diálogo interno, é conversar consigo mesmo, reavaliando nossas regras internas, limites, desejos e valores. É aferir se nossas ações correspondem ao conjunto de princípios no qual acreditamos e apoiamos nossas crenças pessoais.  É o auge do exercício do livre arbítrio. 

Porque se fala tão pouco, para não dizer que não se fala, sobre essa prática tão necessária? Porque não existem tutoriais no YouTube ensinando a refletir? Ensinando a fazer um exame de consciência.

A reflexão transformada em um ritual tal como a meditação na Yoga, pode ser um exercício extremamente transformador. Um momento de prestar contas a si mesmo sobre seus pensamentos e atitudes. É não nos distanciarmos demais de nossa natureza. Perder-se de si, de seus valores e princípios, geralmente, tem um preço psíquico bastante alto, não raro, impeditivo para quem busca o equilíbrio psicológico.

Meditar é tirar todos os pensamentos da mente. Refletir é prestar contas a si mesmo. São práticas complementares, pode-se praticar uma após a outra. Primeiro a conversa consigo e depois o descanso da mente. Perfeito.

Refletir é refazer mentalmente os passos que nos trouxeram até aqui, o quanto isso nos custou e se é aqui mesmo que desejamos estar. É focar em si, avaliar as próprias  atitudes, com o objetivo de perceber onde e como podemos ser melhores para nós mesmos, para os outros e para o mundo. 

- Edmir Saint-Clair

Gostou?  👇  Compartilhe com seus amigos


O SOLITÁRIO

 

O conheci apenas por bebermos cerveja no Clipper, na Rua Carlos Góes, nos fins de tarde após o trabalho. Sempre calado, falando o necessário ou apenas respondendo. Não se alongava nas conversas ou emitia opiniões muito pessoais, sempre esquivo. Mas, era simpático.  Morava na mesma rua e nunca o víamos acompanhado.  Ninguém sabia nada a seu respeito a não ser que tinha um filho, que só via nas férias. O molequinho era bem simpático, bem mais extrovertido que o pai. Nas poucas vezes em que o vi, estava sempre rindo e solícito com todos os amigos do Clipper, que davam atenção especial a ele.

Ele era contador e trabalhava num escritório no centro da cidade, o que não colaborava em nada para que conseguíssemos formar um quadro mais profundo sobre a personalidade do nosso amigo tímido. Recusava sistematicamente os convites para festas ou qualquer outro evento. A princípio, pensávamos que tinha amigos em outro lugar, mas com o tempo percebemos que nunca estava sequer arrumado para sair. Sempre só. Vestia-se discretamente e sempre que chegava ao bar, o fazia de forma tímida. Encostava-se no balcão e pedia uma cerveja. Sempre esperava que alguém o chamasse não se chegava por livre iniciativa.

Ante véspera de natal. Estava na fila dos correios para despachar alguns cartões quando o vi na fila de encomendas com uma caixa grande. Acenei e ele retribuiu, logo que a despachou veio fazer-me companhia.

− Tudo bem? Mandando presentes?   Perguntei.

− Para meu filho. Ele está morando em São Paulo. Respondeu.

− Paizão hein? Falei.

Ele sorriu e tornou a olhar para o chão.

− Aonde você vai passar o natal? Perguntei.

− Por aí, não gosto dessas datas...

Aproveitei para convidá-lo.

− Vai um pessoal passar lá em casa. Todos os solteiros, separados e largados em geral. Vai passar lá com a gente. A gente tinha mesmo ficado de te convidar, o convite é da galera toda. Quem te encontrasse primeiro convidaria.

Ele agradeceu, baixando novamente a cabeça, me pareceu ter gostado do convite. Só achei. Voltamos caminhando juntos pelo Leblon, da Praça Antero de Quental até a Rua Carlos Góes, e poucas vezes em minha vida, lembro-me de ter percebido tanta solidão em uma pessoa quanto a que percebi nele durante este curto trajeto. A solidão estava estampada em sua forma de caminhar, na sua maneira de falar de futebol ou no desânimo de suas tentativas de risos. E, principalmente no olhar. Uma pessoa tão fechada que não sabia como dizer-lhe que após esses anos todos de chopp no Clipper, sentia-me seu amigo. Não falei. Ao passarmos pelo Clipper, o chamei para tomarmos uma cerveja, mas ele disse que tinha de ir. Parou um pouco adiante e me chamou:

− Quero te agradecer pelo convite para o Natal. Muito obrigado.

Desta vez, sua a emoção não foi imperceptível, deu-me um forte aperto de mão e vi que seus olhos brilharam úmidos. Olhou para baixo seguiu seu caminho.

 Comentei com os amigos que havia feito o convite e a emoção de seu agradecimento. Todos se mostraram alegres por ele ter aceitado, e percebi que todos ali também gostavam dele.  Papo vai, papo vem, e decidimos dar um presente de Natal para ele. A Tininha se prontificou a escolher e comprar. Fizemos uma vaquinha ali mesmo.  Até o Seu Antonio, do Clipper, contribuiu fato raríssimo.

            Na noite véspera do natal, estávamos lá em casa, animados, como sempre que passamos com quem gostamos. Lá pelas duas da madrugada, percebemos que ele não viria. Lamentamos, mas isto em nada alterou nossa grande noite. Afinal, ele nunca vinha mesmo. Violões rolando até de manhã, e aqueles papos doidos que só acontece entre grandes e queridos amigos.

            Uma semana depois, a Tininha aparece no Clipper chorando:

− Estava descendo de casa e vi alguns móveis sendo colocados numa Kombi de mudança e perguntei, pro Seu João, porteiro, de quem era. Ele disse que eram do Ricardo e que ele havia morrido na noite de Natal, atropelado quando atravessava a avenida Borges de Medeiros, no Jardim de Alah.

Todos ali choraram a morte daquela pessoa solitária, que morreu sem saber que tinha amigos e que ganharia um presente de Natal.

Nunca soubemos se ele estava indo ou não cear com a gente naquela noite

- Edmir Saint-Clair


Gostou?  👇  Compartilhe com seus amigos

COMPARTILHE COM SEUS AMIGOS