COACH LITERÁRIO
CADA UM LÊ O QUE QUER, NÃO O QUE ESTÁ ESCRITO
CENAS DESCONCERTANTES
Edmir Saint-Clair
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QUEM É FIEL?
Marília
entrou no templo exalando felicidade e gratidão por todos os poros. A altura da nave e a
vastidão do vão livre que a abóboda abarca provocam uma imediata sensação de pequeneza. Essa é a intenção. Ínfima e invisível, esse é um sentimento que sempre a acompanha, e a todos a sua volta, aquele local apenas reafirmava isso. Todo em mármore branco, a iluminação sofisticada é a mesma de um teatro moderno, com todo o maquinário necessário para
transformar o culto em diversos ambientes sugestivos, do céu ao inferno,
literalmente. Os pastores sabem que a tecnologia, se apresentada com má intenção para quem não a compreende, provoca o mesmo efeito factóide que as supostas magias e manifestações sobrenaturais encenadas incutem nas mentes dos desesperados e ignorantes.
Aquele
dia era muito especial para Marília, o mais de toda sua vida. Ela acabara de
receber as duas notícias que pelas quais mais orou: o empréstimo que ela e o
marido haviam pedido ao banco para iniciar o próprio negócio acabara de ser
creditado em sua conta e, para completar a graça alcançada, o teste confirmou a gravidez pela qual Gregório e ela tanto esperavam.
Estava
absorta em suas orações quando percebeu o pastor adentrando a sala no fundo do
recinto. Dirigiu-se até lá, enquanto passava um zap para Gregório, contando-lhe
que estava indo pagar o dízimo prometido pela graça do empréstimo. A notícia da
gravidez tão ansiada ela queria dar pessoalmente.
Aguardou
ansiosa sua vez de ser atendida pelo pastor. Estava nas nuvens, nunca tivera
tanta satisfação e certeza de que, desde que começaram a pagar seus dízimos,
ela e o marido haviam conseguido muitas coisas importantes. Quando entrou na
sala, postou-se de joelhos diante daquele pastor que não lhe sabia sequer o
nome.
-
Em que posso lhe ajudar minha filha? Falou o pastor sem abaixar a cabeça na
direção onde a pobre se postara.
-
Consegui o empréstimo no banco, pastor, tudo que a gente pediu. Uma graça sem tamanho. Como o Sr. nos
orientou, pedimos um pouco mais do que precisamos para poder honrar nosso
dízimo com a sua igreja.
-
Nossa igreja irmã... nada é meu. Você vai fazer o PIX com o valor do dízimo como
o combinado com o Nosso Senhor?
-
Claro pastor, vim aqui para cumprir minha obrigação com toda a gratidão da
minha alma.
-
Irmã, preencha tudo junto com o irmão Raulino aqui ao lado. Ele vai lhe ensinar
a lidar com o aplicativo.
-
Muito obrigado pastor, nunca usei e não sei direito como fazer.
Em
momento algum o pastor olhou para o seu rosto. Se precisasse, não saberia
descrever nem a cor de sua pele.
Ela
estava muito feliz quando saiu do templo e começou a caminhar na direção da
subida do morro quando uma bala perdida despedaçou sua cabeça.
Edmir Saint-Clair
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É MUITO MAIOR O VAZIO ONDE NÃO EXISTE SAUDADE
- Edmir Saint-Clair
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UMA LÁGRIMA SÓ NÃO BASTA - Poesia
Por todos os amores perdidos
Por
todos os sonhos abandonados
Por
todas as manhãs desperdiçadas
Por
todas as noites mal dormidas
Por
todos os risos que não demos
Por
toda essa saudade que me mata
Por
todo esse deserto que me resta
Por
toda essa gente que faz falta
Porque
nunca mais é muito tempo.
- Edmir Saint-Clair
IDENTIDADE - Poesia
Tudo que já fui, sou
Sou também o que desejei ser,
E não fui
De outro jeito não seria eu
De outro jeito não sou, nem eu, nem outro,
Nem o que pensei ser, nem o que fui
Para estar aqui precisei ser tudo que já fui,
E o que precisei não ser,
Tanto para mim como para os outros,
Porque o outro é o limite do eu
Um não existe sem o outro
Para ter ontem é preciso que seja hoje
O único que realmente existe
Porque amanhã é tudo que não sei,
E precisa de mim para acontecer,
Porque meu amanhã não existirá se eu me perder
de quem sou.
– Edmir Saint-Clair
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SIMONE BILES
Qualquer
atleta que chega a disputar uma olimpíada (exceções sempre existem) tem por
trás e sobre si o trabalho e a expectativa de um sem numero de profissionais e
familiares. Ela é a ponta de um projeto sobre a qual pairam expectativas
superlativas.
No começo,
o atleta já se torna a oportunidade que a família vê para ascender financeira e
socialmente. Passando, assim, a ser focalizada como a esperança de todo seu
círculo familiar.
Desde
pequenos, as crianças que demonstram aptidões extraordinárias passam por esse
processo de deixar de serem apenas elas próprias para passar a “representar” seu
grupo. Em atletas do nível de Simone Biles, que despontam ainda muito
precocemente, o peso de cada conquista vai se acumulando, não como alegrias,
mas como obrigação de corresponder ao que esperam dela. Cada vez mais. E pelo
caminho essa pressão só vai aumentando. Além da família, entram nessa história empresas
patrocinadoras, comitês esportivos, agremiações, confederações e mais um enorme
contingente de entidades e pessoas que irão explorar aquele talento de todas as
formas possíveis e imagináveis.
Até
chegar ao nível de um superatleta, não é difícil imaginar o tamanho das expectativas
e dos interesses depositados sobre esses ombros, ainda adolescentes, durante
anos e anos. Agora, multiplique essa pressão, já absurda, por 10 e teremos o
peso sofrido pela maior estrela da Olimpíada de Tókio.
A
meu ver, o que Simone Biles fez foi de uma humanidade comovente.
Num evento onde todos desejam ser super, ela quebrou as regras e desejou ser apenas humana.
Com todas as contradições e
incertezas que faz cada um de nós ser quem é.
Num
tempo onde lutamos por direitos iguais para todos, independente de raça,
gênero, religião e todos os tipos de discriminação, a atitude de Simone Biles resume
todos esses movimentos num só: o direito de ser humano.
Porque
o ser humano é tudo isso.
E o super-homem
não existe.
– Edmir Saint-Clair
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O HOMEM QUE MATOU O MINISTRO
Ele desligou a TV do bangalô do resort, deu um soco na mesa de cabeceira e balbuciou:
- Tua hora tá chegando! Filho da puta!
O local era extremamente luxuoso, ele nunca havia estado num resort de padrão tão alto. Planejara aquele fim de semana com todo o cuidado e o mais detalhadamente possível. Era seu último ato.
O tempo amanheceu nublado, mas a previsão era de sol no final de semana. Ele saiu para caminhar e fazer um reconhecimento do local. Seus planos haviam sido feitos levando em conta a visualização virtual em 3D que havia no site do resort. Precisava checar com mais precisão, in loco.
Caminhou até o píer e certificou-se que o iate que seu alvo irá usar está sendo preparado por meia dúzia de funcionários. Essa marina é utilizada pelos proprietários de iates e embarcações de passeio da região. Um local de magnatas, celebridades, profissionais muito bem sucedidos e políticos, juízes e ministros corruptos da suprema corte. Alguns acumulavam mais de uma dessas ocupações.
O ódio não o abandonava, nem quando sentiu o sabor combinado de vinho branco com camarões bem graúdos. A tristeza sobrevinha a qualquer possibilidade de um sorriso. Suas perdas haviam acabado com qualquer possibilidade de que isso ocorresse. De que qualquer coisa boa viesse a ocorrer. A única possibilidade de ainda conseguir sentir algum prazer na vida era através da vingança.
Terminou a taça de vinho e caminhou até um pequeno e charmoso prédio de pedras aparentes com detalhes em madeira rústica, onde se certifica como funcionam as saunas, duchas e salas de massagens.
- Se houver muitas pessoas circulando, aqui não é possível. Pensou.
O restaurante no final do píer principal, debruçado sobre a baía de águas transparentes, só tem uma entrada e saída. Nada feito.
Transmitir ao vivo sua missão era um dos objetivos. Um celular no bolso da camisa faria a transmissão. Ele já havia testado várias maneiras, mas o teste que faria in loco era o mais importante.
Continuou caminhando pelo enorme e luxuoso resort. Foi até as cavalariças, sempre gostou de cavalos. No píer de pequenos barcos, o hóspede tem à sua disposição Jet-skis, caiaques, pequenos barcos à vela e lanchas menores.
Vários profissionais de cada especialidade são oferecidos para os iniciantes. Seu filho mais velho iria se esbaldar aqui...O ódio só aumentava se misturando com a dor de um vazio lancinante e intransponível.
Em qualquer lugar do resort o hóspede pode pedir qualquer coisa que deseje que lhe será servido.
Segunda garrafa de vinho branco. Nada vai tirar seu foco.
Segue até chegar a um pequeno bosque à beira da lagoa, onde uma pista de terra batida está sinalizada para corridas e caminhadas. A pista toda tem uns 800 metros, em formato oval. Em todo trajeto, muito arborizado, existem bancos e bebedouros. O local é perfeito, como esperava. Existem diversos pontos cegos. O crápula gosta de caminhar e não vai perder a oportunidade de fazê-lo num local tão bucólico e reservado.
Nesse fim de semana não há qualquer motivo facilitador que indique que o resort terá grande movimentação. O preço altíssimo e a situação caótica na qual o país foi lançado, depois que a Suprema Corte começou a emitir sentenças estapafúrdias e inconstitucionais, tornavam aquele local um privilégio para muito poucos, que não tinham vergonha alguma dos atos que praticavam para pagar aquele luxo nababesco.
Foco.
Não podia se deixar levar por pensamentos pouco práticos. Aquele local se confirmou perfeito, mas tem que haver uma segunda opção. Pode chover ou ele pode simplesmente resolver não caminhar.
Voltando até a sede, resolveu que se o ministro não fosse caminhar ele atiraria na oportunidade que tivesse. Não era sua intenção sair vivo dali mesmo. Só queria se certificar de que tinha transmitido a Live dos últimos segundos de vida daquele filho da puta que lhe causara tanta dor. Pensou nos entes que perdera, incluindo a si mesmo e a sua fé. Ele devia aquilo à muita gente querida que não teve chance alguma diante daquela horda corrupta que tomara conta de tudo.
Todos os pensamentos convergiam para o mesmo ponto e alimentavam sua certeza. Percebeu que finalmente sentiria algum alívio na alma atormentada.
No dia seguinte, não acordou com o toque do celular. Era muito mais garantido antigamente, quando as telefonistas dos hotéis faziam o papel do despertador. Olhou a hora e levantou-se assustado. Em segundos, sua adrenalina elevou-se a ponto de ver seu coração pulsando sob a pele. Colocou uma bermuda e a camisa já preparadas, certificou-se que a arma estava carregada e a colocou no espaço entre o cós da bermuda e suas costas. A camisa larga disfarçava perfeitamente. Calçou o tênis e saiu. Antes que chegasse ao restaurante viu o ministro já se encaminhando para a pista de jogging. Atrasou um pouco o passo para não se cruzarem. Estava suando, mas não estava calor.
Quando chegou à pista o ministro já estava sumindo ao fundo do pequeno bosque, o local estava tranqüilo, sem outros corredores. Não havia seguranças no local. Realmente, pensou, ele se acha acima do bem e do mal. Faz o que bem entende, passa na cara do país e não está nem um pouco interessado em quem sofre as consequências. Não teme nada.
Na pista, tomou o sentido oposto ao do ministro e iniciou sua caminhada final.
Havia meses, que esperava por esse momento que, finalmente, chegara. Caminhou até que não pudesse mais ser visto da entrada do bosque, tirou o celular, ligou a câmera de vídeo, colocou-a on-line para transmissão da live pelo Facebook, ajustou no bolso preparado e sentou-se.
Não encostou sequer as costas no banco quando o ministro e seu amigo aparecerem saindo da curva. Pensou nos entes queridos e falou, já transmitindo ao vivo:
- Ele se acha um Deus. Vou provar que ele não é.
Quando o ministro estava a cerca de 5 metros ele levantou-se, sacou a pistola, chegou bem perto, olhou fundo nos olhos aterrorizados do ministro e falou:
- É ministro, vamos ver se você é Deus mesmo...
O ministro balbuciou algo ininteligível e babou. Ainda babando e com os olhos arregalados, ficou parecendo ainda mais com um sapo, implorando pela vida. Chorando, urinou-se copiosamente. Tudo mostrado ao vivo naquela live que se tornaria famosa no mundo inteiro.
Ele não falou mais nada. Apenas sorriu como há muito não o fazia e atirou entre os olhos.
O país inteiro comemorou como se fosse carnaval.
- Edmir Saint-Clair
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