Há períodos em que nos vemos tomados por uma espécie de paralisia existencial. Agoniante e insuportável. Um estado em que a vastidão de possibilidades da vida, em vez de inspirar, parece esmagar, e a liberdade de escolha se converte no peso da responsabilidade por cada caminho não seguido.
É como naquela brincadeira de criança em que, de repente, alguém grita “estátua” — e todos congelam na posição exata em que estão. Ninguém se mexe. A gente pensa, mexe os olhos, respira — mas não pode se mover, senão perde o jogo.
São
muitas ideias, muitos projetos — e uma falta total de ação. Um turbilhão
interno de vontades e planos que não encontra a ponte para a concretização no
mundo.
Uma impossibilidade física de produzir, mesmo com toda a matéria-prima pronta, organizada na cabeça e energia saindo pelo ladrão. É como ter o mapa do tesouro, a bússola e a pá, mas sentir os pés cravados no chão, incapazes de dar o primeiro passo. A roda do carro roda, mas não consegue sair do atoleiro. Falta aquele clique que põe tudo em movimento. Mas não clicamos. Adiamos. Procrastinamos, não por preguiça, mas talvez por um temor profundo do que o movimento pode desencadear: o medo do erro, do julgamento, ou mesmo da transformação que a ação inevitavelmente traz. Não dá trabalho algum, mas não clicamos.
Não agimos. Não fazemos o que precisamos — nem o que queremos fazer. E cada não-ação alimenta um ciclo de frustração e autoquestionamento. A ansiedade aumenta, o bolo no peito sufoca, porque falta-nos a ação. A energia represada, que deveria fluir para produzir e realizar, volta-se contra nós, gerando um mal-estar crescente. Como se o nosso corpo não obedecesse ao comando. Uma desconexão entre o querer da mente e o poder do corpo, uma cisão que nos deixa reféns de nós mesmos.
É como
se estivéssemos conscientes dentro de um corpo em greve. A mente anseia por
agir, criar, mudar — mas os músculos, os gestos e as decisões permanecem inertes,
como se algo dentro de nós tivesse puxado o freio de mão da existência. Uma
agonia perturbadora, que pode chegar a extremos. A sensação de estar vivo, mas
não estar vivendo plenamente, pode ser uma das dores mais sutis e, ao mesmo tempo,
mais lancinantes da experiência humana.
Mais
do que a cobrança do mercado de trabalho, temos a nossa própria cobrança
interna — frequentemente ainda mais cruel. Um tribunal íntimo que julga cada
hesitação, cada adiamento, com uma severidade que raramente aplicaríamos aos
outros.
Esse
compromisso compulsório com algo que nem sabemos direito o que é, mas que está
presente o tempo inteiro, diariamente, em todos os campos de atuação, nos
fazendo adoecer e causando, muitas vezes, distúrbios incapacitantes. A
ansiedade paralisante é apenas uma delas. É a internalização de um ritmo
frenético que não respeita nossos ciclos internos, nossas necessidades de pausa
e reflexão.
O
burnout, uma síndrome que já ultrapassou os limites das corporações e se espalha
por todas as esferas da vida moderna, é o colapso emocional anunciado de uma
mente exaurida. Um sinal de que os recursos internos se esgotaram diante de uma
demanda incessante por performance.
O
número de casos cresce de forma assustadora, alcançando adolescentes e
profissionais das áreas mais diversas. Isso nos alerta para a urgência de
repensar os valores que sustentam nosso modo de vida social.
O
burnout, esse esgotamento generalizado, é um grito abafado de um indivíduo
acuado diante de um sistema que exige produtividade ininterrupta, mas nega
tempo, acolhimento e sentido. Um sistema que valoriza mais o ter e o fazer do
que o ser e o sentir. Gera uma inquietação constante e silenciosa, que acumula
sentimentos negativos sobre si mesmo — e subtrai porções significativas de
nossa qualidade de vida e saúde. É um desgaste que corrói a autoestima e a
alegria de viver. Não existe um motivo evidente que, por si só, justifique o
estado permanente de tensão. Mas ele está lá, atrapalhando, incomodando e, às
vezes, paralisando. Muitas vezes, essa tensão é o eco de expectativas não
realistas, de comparações infindáveis ou de uma busca por uma perfeição
inatingível.
Alguns
dizem que é medo do sucesso; outros, que é medo do fracasso. Ambos os medos, no
fundo, podem ser faces da mesma moeda: o receio de se expor, de ser vulnerável,
de não corresponder ao que se espera ou ao que se autoimpõe.
E, por
aí, se desenvolvem milhares de teorias que vendem como água no deserto, sob a
forma de literatura de autoajuda. Soluções rápidas para dores complexas — que
raramente tocam a raiz do problema: a forma como nos relacionamos conosco e com
o mundo. O compromisso com o desempenho — imposto por todos os lados, reais e
virtuais — é uma engrenagem cruel, que pode nos empurrar para uma vida pesada,
ansiosa e exaustiva. Uma corrida sem fim por metas externas que nos distanciam
de nossos propósitos mais íntimos.
Precisamos
deixar de lado essa cobrança desumana que a “sociedade” — essa entidade
fantasmagórica que age nas sombras dos nossos próprios pensamentos e que,
muitas vezes, somos nós mesmos a alimentar — nos impõe.
Quanto menor nosso autoconhecimento, maior será essa influência negativa, manifestando-se nas várias formas desse transtorno paralisante. Sem uma bússola interna bem calibrada, ficamos mais vulneráveis às tempestades externas. E, com isso, a ansiedade pode chegar a níveis literalmente insuportáveis. Às vezes, até respirar fica difícil — como se o corpo, em sua sabedoria, manifestasse o sufocamento da alma.
Quanto
maiores nosso autoconhecimento, nossa autoestima, as ferramentas psicológicas
aprendidas e nossa rede de apoio humano — construída sobre laços de confiança e
afeto genuíno —, menor será a influência desse condicionamento social cruel e
determinante. É o cultivo de um jardim interno que nos fortalece e nos permite
florescer, apesar das intempéries.
Cada
indivíduo tem sua originalidade única, capilarizada por todo o seu ser físico e
psíquico, gerando reações igualmente originais e únicas. Essa singularidade é
nossa maior riqueza e merece ser compreendida e respeitada, não moldada a
padrões externos.
Cada
um tem seu jeito de compreender e de agir diante dos trilhões de eventos que se
sucedem em nossas vidas. E cada jeito é uma expressão válida da experiência humana,
com seus próprios tempos e ritmos.
Isso
deixa claro que não só é impossível prever, como é mais difícil ainda
padronizar, regrar e arbitrar sobre qualquer aspecto que envolva a natureza
humana. Tentar encaixar a complexidade da vida em fórmulas rígidas é uma
violência contra a própria essência do ser.
O
indivíduo padrão simplesmente não existe. Não é humano, não é possível.
É uma criação cruel e fantasmagórica da mente humana.
Um
ideal inatingível que gera sofrimento e nos afasta de nossa essência
verdadeira. Insistir em nos moldar a esse ideal é negar nossa essência, nossa
originalidade. É viver como um rascunho de si mesmo, sempre em dívida com um
modelo de um ser idealizado, que não existe.
A
saída não é encontrar um caminho certo, porque não existe caminho certo — mas
voltar a ouvir a própria voz. Aquela que, mesmo abafada, ainda sussurra dentro
de você:
— Ei!
ainda estou aqui.



