COACH LITERÁRIO

O ORIENTADOR LITERÁRIO é um profissional que acompanha, ensina e participa de todo processo de criação de um livro. Um profissional técnico, especializado em criação, um professor de escrita e um parceiro, ao mesmo tempo. Experimente, é terapêutico e libertador. Perpetue as histórias que só você tem para contar.
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ANJOS DO FUTURO – 1 - CLARA

       Finalmente ele saiu.

Clara não dormira nem um segundo durante a noite, não mexeu sequer um músculo para que Gustavo não percebesse. Ficou imóvel, até que ouviu a porta da rua bater, já de manhã. Ele, finalmente, saiu.

Sentiu-se aliviada e tudo o que pensava era sair o mais rapidamente possível dali. Foi até o banheiro e, em frente ao espelho, chorou quando viu seu reflexo. Todo o lado esquerdo de seu rosto estava inchado e com um hematoma que quase não a permitia abrir o olho. A primeira coisa em que pensou foi no que falaria para seu filho quando chegasse em casa. O horror diante da própria imagem a deformava ainda mais. Sentou-se no vaso sanitário e chorou, compulsivamente, até cansar. O salgado das lágrimas ardeu-lhe nos olhos e lábios. Tomou um banho, foi até a cozinha, pegou gelo e aplicou no rosto. Sentada no sofá da sala, começou a tentar concatenar seus pensamentos.

Não conseguia parar de pensar no filho, sentia pena dele por ter uma mãe que se deixou chegar aquele ponto. O choro voltou. Mas, ela precisava pensar enquanto o filho ainda estaria no colégio, o que lhe dava algumas horas.

 Pensou na Lei Maria da Penha e sentiu, a princípio, haver uma saída, entretanto, sobreveio-lhe o pavor das repercussões. Se denunciasse não haveria mais como esconder aquilo de sua mãe.  Não era novidade, e ela havia prometido que da próxima vez denunciaria o filho da puta. Tirou a opção da denúncia da cabeça, naquele momento, não tinha estrutura psicológica para suportar o que sobreviria.

Clara ainda tinha três longas horas para pensar no que faria até o horário de saída do colégio do filho, e ficou mais calma.

 Com certeza Gustavo não a encontraria mais ali, aquela era a última vez que ele a havia agredido.

 Pensou de novo no filho. Andou pela casa procurando, mas, além de um biquíni e um despertador, nada mais ali ela queria levar.

              Ligou para a mãe e inventou uma viagem a negócios para São Paulo e que ficaria o resto da semana por lá, e pediu para que a avó pegasse o neto na saída do colégio. Era comum ele passar dias com os avós, eles moravam a 1 quarteirão de sua casa, não haveria problema. Ela só voltaria quando seu rosto estivesse desinchado. Seu filho não a veria naquele estado, esta resolução lhe provocou um grande alívio. Nada era mais importante do que poupar seu filho. A Lei Maria da Penha podia esperar até que ela pensasse um pouco melhor.

 A alegria de não causar um trauma no filho deu-lhe forças para continuar a fuga. Ela precisava arrumar um jeito de ficar sozinha.

 Júlia, era sempre a primeira quando precisava de uma amiga. Quase desistiu quando lembrou que, necessariamente, teria de encontrar-se com ela, que a veria machucada.

Teve muita vergonha.

 Mas afinal, eram amigas. Tomou coragem e ligou para o escritório. A amiga atendeu-a com a mesma alegria de sempre. Clara mal conseguia falar segurando o choro.  Júlia, prontamente, colocou-se, e a sua casa em São Pedro da Serra, à disposição da amiga. Não perguntou nada, não precisava, nada era novidade. Clara ligou para a confecção e deixou instruções para que sua gerente, Carla, cuidasse de tudo. Ela tinha sorte pelo menos com sócias e gerentes.

              Pegou a bolsa e mais uma sacola com poucas coisas e saiu sem olhar para trás. Trancou a porta e jogou a chave por debaixo, disposta a nunca mais voltar.

                                                **************

         São Pedro da Serra fica a 6 Km de Lumiar. A estrada toda é deslumbrante. Principalmente, o trecho de acesso a Lumiar.  Às 5 horas da tarde o clima é sempre ameno na serra de Nova Friburgo, bem diferente do calorão do Rio de Janeiro. Clara sente pena de estar chegando, queria viajar mais, faz muito bem à sua alma ver a estrada ficando para trás, a sensação de estar indo cada vez mais para longe de tudo. Ver o mundo ficando para trás, pelo espelho retrovisor.

 Quando chegou a Lumiar quase parou num bar para comprar mais cigarros e tomar um refrigerante, mas, lembrou-se do rosto inchado e teve vergonha. Seguiu direto para São Pedro da Serra. Chegou em casa, cozinhou um macarrão, fez o prato e chorou quando, na primeira garfada, o sal do queijo parmesão fez arder o corte no lábio. Chorou mais um pouco e depois dormiu, sem jantar.

                                                *****************

      Clara acordou cedo, preparou o café e foi tomá-lo na varanda, sem pressa, sentada na rede.  A varanda da casa de Júlia era voltada para a montanha e uma pequena estrada de terra passava bem em frente.

 Deixou-se hipnotizar pela calma e tranquilidade daquela clara manhã. Ficou olhando fixamente por algum tempo, hipnotizada pela beleza campestre. A brisa soprava fraca e gostosa, e os sons da manhã soavam perfeitos. Fechou os olhos para ouvi-los mais atentamente. Com os olhos fechados reproduziu a paisagem em sua mente. Os sons dos pássaros e da manhã, ela os sentia mais intensamente com os olhos fechados e, ao mesmo tempo, reproduziu, em sua mente, a paisagem que acabara de ver para, em seguida, com os olhos abertos, checar a semelhança com a imagem real.

 A primeira coisa que notou, é que na paisagem com os olhos abertos as cores da manhã tinham mais brilho, mais vida. Fechou novamente os olhos, e a paisagem em sua mente continuava a mesma, sem brilho.

 Enquanto seus olhos estavam fechados, percebeu uma presença física ao seu lado e ouviu com absoluta clareza:

             - O brilho das duas deve ser igual.

 Assustou-se quando abriu os olhos e não havia ninguém.

             Clara ainda não sabia que podia ser eterna.

  A essência do todo tocara-lhe a face, mas ela, ainda, não era capaz de percebê-lo.

 Era o primeiro contato que estava tendo com algo muito maior do que poderia compreender naquele momento.

             Haveria outros sinais.

(Continua...)

Edmir Saint-Clair

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ANJOS DO FUTURO - 1 - DANIEL

 

O almoço com o amigo o deixara mais animado. Era a primeira vez que saía de casa depois da volta do hospital. Foram caminhando até a porta do prédio onde Daniel iria ter sua primeira sessão de psicanálise após a crise de pânico que o levara a ser internado.

Enquanto esperava ser chamado pelo psicanalista, Daniel ficou olhando aquela antessala escura, com móveis sem personalidade alguma e reproduções de obras surrealistas. A má impressão inicial deu lugar a uma simpatia imediata assim que o Dr. Luciano o recebeu. A sessão correu melhor do que esperava e, ao sair, ele tinha certeza de ter encontrado o profissional certo para tratá-lo.

Quando saiu do prédio onde fica o consultório, a Av. N.S. de Copacabana estava fervilhando. O burburinho de pessoas, carros, ônibus, transeuntes e camelôs era enervante. 

Ele se sentia profundamente triste e tudo o irritava de forma doentia. Caminhou até a praia, onde havia estacionado o carro, e diante do trânsito de 6 horas da tarde na Av. Atlântica, resolveu ver o pôr do sol na praia. Só então, percebeu que não havia sequer pensado em ligar para o escritório, isto o fez sentir-se menos neurótico. Caminhou até o arpoador e sentou-se na ponta da pedra que mais avança sobre o mar. A brisa sopra fraca e gostosa, e o barulho das ondas nas pedras é acolhedor. Estava deprimido como já era de costume, mas, pelo menos dessa vez, estava com vontade de não estar.

 O sol, as cores, as ilhas, a praia, tudo em seu lugar. Fechou os olhos para que o barulho das ondas se acentuasse e com os olhos fechados reproduziu a paisagem em sua mente, começou a repetir a brincadeira. A brisa e o barulho, ele sentia mais intensamente de olhos fechados, e tentava reproduzir exatamente a paisagem que estava vendo. Em seguida, abria os olhos para checar a semelhança com a imagem real. A primeira coisa que reparou é que na paisagem real as cores tinham mais brilho. Tudo tinha mais brilho. Fechou os olhos novamente, e o brilho continuava fraco, por mais que se esforçasse não conseguia reproduzir o brilho real em sua mente. Numa das várias vezes em que fechou os olhos, percebeu uma presença muito próxima, e ouviu claramente uma voz dizer:

            - O brilho das duas deve ser igual.

            Ele abriu os olhos rapidamente e procurou em volta, sem ver ninguém que estivesse a uma distância plausível de poder falar-lhe ao ouvido e se afastar com tanta rapidez.  Muito esquisito. Ele tinha certeza e ainda tinha, com clareza, a lembrança do som da voz que ouvira.

Daniel não sabia, mas a mudança estava apenas começando.

Haveria outros sinais.

 (Continua...)

Edmir Saint-Clair

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