É difícil acreditar que essa
“Teoria” da Terra Plana
possa ser levada a sério
por alguém com um pingo de
capacidade mental.
O ser humano é, sem dúvida, um animal com uma característica muito peculiar: é o único que consegue desaprender.
Uma onça, por exemplo, que atacar um porco-espinho adulto, via de regra, terá dolorosas lembranças espetadas em sua boca e focinho. A probabilidade desta mesma onça atacar novamente um porco-espinho é mínima ou nula dali pra frente. Essa lição nunca será esquecida durante toda a vida do felino. Ela jamais vai duvidar ou questionar o que aprendeu através de sua experiência prática. Após o evento, será muito pouco provável que volte a se arriscar.
O ser humano é diferente, parece sofrer de uma triste capacidade de retroceder em seu processo evolutivo, de involuir, de desaprender. Parece não se importar em jogar fora conquistas importantes e fundamentais para sua própria segurança, para que sua vida seja potencialmente melhor.
O recrudescimento da ignorância é o mais preocupante sintoma da desorientação mental pela qual nossa sociedade parece padecer atualmente. A Terra plana é um desses sintomas. Para que alguém acredite que a terra é plana tem que, necessariamente, desacreditar de todo o progresso conquistado pela ciência nos últimos séculos. Praticamente tudo desde Galileu Galilei até hoje. E, pior, tem que acreditar numa imensa e colossal Teoria da Conspiração, claramente doentia e psicótica.
Não hesito em apontar que a pior crise que o Brasil vive hoje é a intelectual. A decadência de nosso sistema de ensino tem se refletido de forma trágica nas escolhas realizadas por nossos cidadãos quando votam para escolher seus representantes, demonstrando como são facilmente enganados, ludibriados e conduzidos como um "admirável gado novo" de Zé Ramalho.
A ignorância é sempre terreno fértil para que emerja o que há de pior numa sociedade. Por isso, mantê-los nessa situação de incapacidade intelectual é tão interessante para políticos e religiosos. É fácil controlar quem acredita em qualquer coisa. Qualquer mentira um pouco mais elaborada ganha ares de verdade para quem não tem preparo nem capacidade crítica.
O Sarampo que já havia sido erradicado há anos volta a preocupar bastante nosso país. O caso é sério e grave. Um absurdo, uma abominação. E, não só os não vacinados estão em risco, toda a população está.
Não sem motivos, essa onda de ignorância que parece estar aumentando de forma galopante, deixa claro um aspecto sobre o qual não vejo comentários ou preocupações manifestadas: o abismo da desigualdade intelectual.
Sob esse prisma as projeções são dignas das piores distopias imaginadas, por enquanto, como ficção.
É muito mais difícil presenciarmos alguém questionar a importância de uma vacina quando ela tem o mínimo de conhecimento formalmente adquirido de fonte com competência reconhecida.
O pior aspecto da desigualdade intelectual é que ela cria um abismo onde deveria haver uma ponte.
Ela impossibilita o entendimento entre as pessoas no seu dia a dia. Chega a criar barreiras linguísticas entre indivíduos que falam a mesma língua, dada a diferença de capacidade de entendimento recíproco. Gera antipatia onde deveria haver empatia. Abre espaço para todo tipo de crenças, superstições e teorias estapafúrdias, desagregadoras e perniciosas.
Um paraíso para mentiras, agora rebatizadas como fake News.
O desconhecido sempre foi o pior dos fantasmas para o ser
humano. E, ele sempre tenta preencher esse buraco, provocado pela ignorância,
com qualquer coisa que aplaque seu medo. Mesmo que seja a mais insana e absurda
das explicações.
A aproximação do estado com a religião sempre causou grandes
tragédias e retrocessos de séculos para os povos que experimentaram esse tipo
de aventura insana e maléfica.
Nesse panorama, abre-se espaço para o sarampo, poliomielite, febre amarela, falsos profetas (aqui, uma nítida redundância), políticos hipócritas (também redundante), ladrões, criminosos e canalhas de todos os tipos em todos os segmentos da atividade humana.
Abre espaço para o retrocesso. A ignorância abre espaço para o desentendimento, para a mentira, para o mau-caratismo, violência, racismo, homofobia, doenças, misoginia e para tudo que há de pior na natureza humana. Se temos alguma missão na vida, com certeza uma delas é conseguir evoluir a ponto de erradicar esses piores aspectos de nossas mentes e personalidades.
Por isso, a solução nunca estará no passado, porque a única solução é evoluir. E, para isso, a expansão do conhecimento deve ser ininterrupta. Temos que fazer diferente do que sempre fizemos para alcançar resultados que nunca alcançamos.
Que resultados? Viver com menos aflições, com menos medo e com menos doenças, para que cada um possa ser o mais feliz que conseguir. Parece simples e é.
Dentre outras coisas, o conhecimento nos faz acreditar no futuro, no surgimento dessas novas possibilidades.
Não tenho a menor dúvida de que só o conhecimento, advindo da ciência, poderá nos salvar desse delicado momento que a civilização humana atravessa.
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Esse
texto foi publicado originalmente em 09 de julho de 2019.