ORIENTADOR LITERÁRIO

O ORIENTADOR LITERÁRIO é um profissional que acompanha, ensina e participa de todo processo de criação de um livro. - - - - -- UM PROFISSIONAL EXPERIENTE, especializado em redação criativa, capaz de despertar toda a sua criatividade potencial escondida. = - - - - - - UM PROFESSOR que vai transformar a sua forma de criar e escrever; - - - - - - Experimente, é terapêutico e libertador. - - - - - - AS HISTÓRIAS QUE SÓ VOCÊ TEM PARA CONTAR VÃO FICAR PARA SEMPRE.

UMA FÁBULA DE ANO NOVO


Era uma vez um planeta triste no qual morava um homem muito alegre  que adorava inventar coisas. Numa certa manhã, sem motivo algum, ele resolveu inventar que dali a 7 dias, a partir daquele dia, tudo ia mudar à meia-noite.

- Por quê? perguntaram todos.
 - Porque mudar é sempre bom, respondeu ele

E conseguia convencer mais gente a cada esquina, pessoas que não só passavam a acreditar, como começavam a falar para todos que encontravam,  que uma grande festa tinha que acontecer para que todos no planeta resgatassem a alegria perdida.

Porque não? Pensavam todos. Verdade ou não, mal não faria.

E a ideia foi se disseminando de uma forma viral, crescendo em progressão exponencial, como nunca se vira antes naquele mundo triste.
As comunicações digitais sem fronteiras daquela civilização altamente desenvolvida, logo incluíram todo planeta triste na divulgação daquela ideiaque, àquela altura, já havia se transformado num movimento planetário.
A coisa toda era muito simples: a partir do final do por do sol, e durante toda a noite até o nascer do sol seguinte, todas as pessoas do planete deveriam sair de casa com suas melhores roupas, deveriam cumprimentar todos que cruzassem seus caminhos. Mesmo que nunca tivesse visto aquela pessoa antes. E assim foi feito.
E, durante toda a noite, cada ser daquele planeta triste ofereceu e recebeu sorrisos e cumprimentos de quem nunca havia visto antes.
 As consequências imediatas foram as gentilezas

mútuas que se seguiram. Com o passar das horas ninguém se contentava mais em dar apenas um sorriso ou fazer apenas uma gentileza. E toda a população daquele planeta triste se embriagou de sorrisos, gentilezas, elogios, agradecimentos e de tudo que provocasse o sorriso e a felicidade alheia.  Se embriagaram de bondades, cada um mais sorridente e gentil que o outro. E extrapolaram no melhor sentido possível, incluindo espontaneamente parentes, amigos, conhecidos e todos que lhes cruzassem o caminho.

Foi a maior festa que já havia acontecido na história daquela civilização.
A noite acabou e o dia seguinte nasceu diferente de todos os anteriores na história daqueles seres.
Aquela invenção havia gerado uma explosão de alegria e de empatia que  jamais acontecera e fez cada indivíduo dar um

sorriso que não daria e ser mais gentil do que, normalmente, seria.  E as consequências foram todas.

 A partir daquela noite, e em todos os dias que se seguiram, a vida naquele planeta não foi mais triste.

 E, desde então, no dia exato em que o planeta completa mais uma volta em torno de sua estrela, eles repetem aquele mesmo ritual.

- Edmir Saint-Clair




SE AFOGAR COMPLETAMENTE

 

Apesar de estar vivo, não sou guerreiro, Nunca quis lutar batalhas, nunca quis estar em guerras, Para mim, todas são vãs... e burras. Carrego sorrisos porque nunca quis vencer companheiros de estrada, Nunca quis competir, não preciso da derrota, nem da tristeza de ninguém, Para me sentir feliz. Para mim, a única luta saudável é para ser melhor
do que já fui. Ando em muitas companhias, Não me importa de onde venha o amor, Do amigo, da paixão, do filho, Só quero me oferecer em troca, Me emprestar por inteiro, ...me prestar, trocar amor. A plena liberdade para ir...
torna maior o significado do ficar. Nada é garantido, nada é possuído, Ninguém é obrigado a fazer o meu sentido. E Assim, a mágica de amar e ser amado acontece, Sem regras, sem leis; um acaso, Com toda liquidez da acontecência, Com toda fluidez do imponderável, Sem nada que oriente, sem nada que limite, Como um rio correndo sem margens, Profundo... Para se mergulhar inteiro, ser envolvido pela vida .... ... ... e se afogar, completamente.
 
 – Edmir Saint-Clair

UMA LÁGRIMA SÓ NÃO BASTA

 

Por todos os amores perdidos

Por todos os sonhos abandonados

Por todas as manhãs desperdiçadas

Por todas as noites mal dormidas

Por todos os risos que não demos

Por toda essa saudade que me mata

Por todo esse deserto que me resta

Por toda essa gente que faz falta

Porque nunca mais é muito tempo,

E uma lágrima só não basta.

- Edmir Saint-Clair


NOITE FELIZ


             O espírito do Natal chegava no dia de armar a árvore. Eu tinha uns 4 para 5 anos. Não me lembro direito se era a mesma árvore ou se a cada ano era uma diferente. Mas, todas eram a árvore de Natal da minha casa, que eu, meus irmãos e minha mãe tínhamos montado juntos. Às vezes, meu pai estava também, outras ele vinha para a parte final, que era ligar o pisca-pisca "do jeito certo”. Minha mãe sempre colocava algodão em cada "galho” da árvore para parecer neve. A cada ano, surgiam enfeites novos que se juntavam aos que tinham sobrevivido nos anos anteriores. Lembro claramente de alguns. Era excitante, alegre e divertido.

Tinha o dia certo de escrever cartinha para o Papai Noel. Hoje, penso como minha mãe era hábil. Sempre escolhíamos os presentes que eles poderiam nos dar. Não porque pensássemos neste aspecto econômico, mas porque ela ia, aos poucos, nos induzindo. Incrível, quanta habilidade. Eles não tinham dinheiro para nos dar o que quiséssemos ou o que as propagandas sugeriam, meu pai era muito novo, militar do exército, capitão ainda. Mas, sempre davam o que pedíamos. O que mostra a capacidade de influência que minha mãe tinha sobre nós.

Eram Natais felizes, plenos. Fazíamos listinha com nomes de alguns amiguinhos que gostaríamos de dar presente. Cada uma tinha direito de escolher uns tantos. Eram só lembrancinhas, como dizia minha mãe.

Um dos Natais que mais me marcou foi quando ganhei minha primeira bicicleta. Era o meu maior sonho, na época. Sonhei com ela desde que havia passado de ano por média no colégio e minha mãe e meu pai me sugeriram que pedisse uma bicicleta para o Papai Noel, porque eles achavam que eu merecia e que Papai Noel saberia disso.

Fiquei confiante e escrevi a carta com a certeza de que meus pais tinham algum conhecimento lá com Papai Noel. Quando eu perguntava para minha mãe o que ela achava, se Papai Noel ia me dar ou não, ela piscava o olho e não dizia nada. Mas dizia tudo. Aquele piscar de olhos, para mim, era como se ela falasse claramente que tinha lá sua influência com o Bom Velhinho. E, quando a gente é criança acredita mesmo que mãe seja o ser que chega mais perto dos "seres encantados”.

Foram dias de ansiedade. Quando a gente é criança o tempo demora demais a passar. Perto de aniversário ou natal então chega a ser torturante. Não chega nunca.

Na noite de Natal, chegaram meus tios e primos, a ceia posta. E nada de dar meia-noite. Meu pai, mãe, tios, primos, irmãos e eu. Eles conversando com a porta do apartamento aberta, por onde entravam e saiam vizinhos, que também deixavam suas portas abertas e nos recebiam em algum momento da noite.

No Leblon, nas noites de Natal da minha infância, as portas dos apartamentos sempre ficavam abertas e os vizinhos faziam visitinhas rápidas só para dar Feliz Natal e comer uma rabanada.

Criança não liga para as comidas deliciosas que se faz no Natal. E, pior, ainda são obrigadas a comê-las... Estava tão ansioso que não cabia nem uma ervilha no meu estômago. Minha mãe entendeu e me dispensou daquele martírio.

De repente, algum adulto dá um alarme de que está vendo Papai Noel na janela do quarto, lá dentro.

As crianças correm que nem loucas, mas, não chegamos a tempo de ver, ele tinha acabado de passar na direção da janela da sala. Ouvimos o barulho.

Corre todo mundo de novo de volta para a sala e lá estava a minha primeira bicicleta: uma Monark verde, aro 12, freio contrapedal.

A emoção foi tão forte e a felicidade foi tão grande, que tive certeza que a sentiria para sempre, em todos os Natais que viriam depois.


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MISTÉRIO NO LEBLON

 
 Rio de Janeiro - Bairro do Leblon,
início do outono, 20h55m.

Eu acabara de sair da academia Lucinha & Cláudio, atravessara a Rua Humberto de Campos, na direção da Rua José Linhares, que fica a menos de 50 metros. Estava dobrando a esquina, quando vi uma senhora idosa vindo na direção contrária. Ela dá uma topada na calçada, se desequilibra e começa a acelerar o passo descontroladamente. Ela vai cair.
Corro em sua direção para tentar ampará-la mas, antes que chegasse perto o suficiente, surge do nada uma mulher muito esguia de cabelos pretos, curtos, e a segura, colocando-a de pé e sumindo novamente.

Tudo não durou mais do que fugazes 3 segundos.

Fiquei petrificado com a cena. Senti-me muito estranho, um desconforto cerebral extremamente desagradável, como se tivesse levado uma pancada forte na cabeça. Senti uma confusão agoniante, uma perda da noção do que era ou não realidade. Como uma pane inexplicável no meu sistema mental...

Como alguém aparece e desaparece do nada? Sim. Ela não surgiu e foi embora correndo ou sumindo de forma gradual, como é natural acontecer. Ela apareceu e desapareceu, como um flash fotográfico.

A Senhora Idosa estava atônita e tão perplexa quanto eu. Quando conseguimos trocar olhares, foram de puro espanto!

Aproximei-me dela um pouco mais e perguntei-lhe o que tinha acontecido. Ela me relatou, exatamente, a mesma coisa que eu havia visto. Utilizando, inclusive, as mesmas expressões como “apareceu do nada" e “Desapareceu do nada”.
Ela relatou o que eu tinha presenciado com a mesma precisão de detalhes que eu percebera. Ou seja, quase nenhum, já que a velocidade do evento, foi como se alguém tivesse colocado um vídeo em câmera acelerada.

Logo percebemos que havia uma prova física e inequívoca do ocorrido: a Sra. Idosa estava usando uma blusa branca de mangas compridas e, nela, estavam estampadas visivelmente, duas marcas de mãos onde o “ser” a segurara. Perfeitamente visíveis e brilhantes.
Nós dois olhamos para as marcas e, em seguida, um para o outro, ainda com expressões de absoluta incredulidade.

Percebi que havia testemunhado algo fantástico e extraordinário, e que não haviam palavras que pudessem descrever aquele flash inacreditável.
Ficamos em silêncio, eu e a Senhora Idosa, tomando fôlego e reiniciando os pensamentos. Pouco depois, seguimos caminhando, lentamente, até a entrada do prédio para onde ela estava indo. Ambos no mais absoluto silêncio, em choque.
Despedimo-nos pelo olhar, sem trocar mais nenhuma palavra, ainda visivelmente desconcertados. Não havia nada o que falar. Nossos olhares se acenaram, confirmando a cumplicidade que havia acabado de nascer. Nunca mais a vi e nunca soubemos o nome um do outro. E Nunca entendi o que havia acontecido.


- Edmir Saint-Clair





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SEM EXPLICAÇÃO

 

        A depressão o havia consumido por meses, transformando seu mundo em uma névoa cinza e opressiva. Tudo mudou naquela noite em que sonhou com Clarinha, sua primeira paixão, a menina de cabelos cacheados e sorriso contagiante que o fazia sorrir até nos dias mais sombrios de sua infância.

No dia seguinte, ele acordou com uma sensação diferente. A campainha tocou, e quando Noah abriu a porta, seu coração quase parou. Era Clarinha, tão linda quanto ele se lembrava, apesar de terem se conhecido aos 9 anos, ela conservava o mesmo sorriso e os olhos puxadinhos.

Pouco conversaram, a despeito dos vinte anos que separava a remota lembrança, a paixão que os invadiu foi tão intensa e mútua que a partir daquele momento se jogaram em um relacionamento tão intenso que beirava a irracionalidade. A partir do momento em que ela entrara naquele apartamento, simplesmente não saíra mais de sua vida. E Noah desejava que ela nunca mais saísse. No entanto, Clarinha impôs uma condição: ninguém poderia saber sobre ela e o relacionamento deles.

Clarinha sempre cheirava a algo suave e inebriante, um perfume que parecia flutuar pelo apartamento de Noah, mesmo quando ela não estava presente. Staël, sua irmã, notou isso imediatamente quando visitou seu apartamento. O cheiro era tão forte que ela não pôde deixar de perguntar a Noah se ele havia começado a namorar alguém.

Ele não respondeu.

Quando estava indo embora, andando pelo corredor até o elevador, ela encontrou um chaveiro com o nome do irmão e uma chave, que parecia ser do apartamento de Noah. Para não incomodar mais o irmão e decidida a não fazer perguntas, ela guardou a chave em sua bolsa, sem dar muita atenção ao fato. No próximo encontro devolveria a chave.

Noah começou a desconfiar dos sumiços de Clarinha, que passava os dias fora de casa, só retornando à noite, sempre deixando claro que não admitia perguntas.

Staël estava cada vez mais preocupada com o comportamento errático do irmão. Era óbvio que ele estava se relacionando com alguém que o estava absorvendo cada vez mais.

A tensão entre Noah e Staël aumentou até que ele finalmente revelou a existência de Clarinha.

Staël lembrou-se da menina que haviam conhecido na infância, uma menina mais velha que sempre demonstrava uma afeição exagerada por Noah, e se mudara quando eles tinham por volta de uns 11/12 anos. Ela se lembrava de como os dois eram fofos juntos, mas não fazia ideia de como eles haviam se reencontrado depois de tantos anos. Achou muito estranho quando soube que ela tinha simplesmente tocado a campainha do apartamento do irmão ressurgindo do passado sem mais explicações.

Quando Noah contou a Clarinha que havia revelado seu segredo a Staël, a reação dela foi inesperada e desproporcional. Ela saiu correndo, desaparecendo pelo corredor como se fosse uma sombra. A partir daquela noite, Clarinha não apareceu mais, deixando Noah mergulhado em uma profunda depressão.

Staël, cada vez mais preocupada com o irmão, decidiu ajudá-lo a encontrar Clarinha.

Através das mídias sociais, conseguiu entrar em contato com uma amiga daquela época que lhe conseguiu o contato da irmã mais nova de Clarinha, ressaltando que não tinha contato e nem notícias de como estariam atualmente. Staël passou à noite inteira no notebook pesquisando todas as pistas possíveis. 

Enquanto isso, em sua casa, Noah sentiu o celular vibrar. Era Clarinha, falando objetivamente e sem rodeios:

- Se você quiser ficar comigo, deve deixar tudo para trás e vir me encontrar.

Sem pensar, Noah escreveu uma longa carta para Staël explicando tudo e saiu, determinado a seguir Clarinha.

No dia seguinte, Staël tocou a campainha do apartamento de Noah, mas não obteve resposta. Preocupada, ela usou a chave que encontrara anteriormente no corredor e entrou. No quarto, encontrou a carta de Noah, que detalhava todo o relacionamento com Clarinha e sua decisão de ir embora com ela.

Conforme ia lendo a carta, Staël ia ficando cada vez mais gelada.

Na bolsa, ela tinha uma impressão de um jornal antigo, fruto de sua pesquisa na noite anterior, datado de 20 anos atrás, cuja manchete dizia: "Menina de 12 anos é encontrada morta em escola pública. "

Staël leu a carta novamente, os olhos arregalados de horror. Clarinha havia morrido quando era criança ainda. Como Noah poderia estar num relacionamento tão intenso e avassalador com uma pessoa que não deveria existir mais.  

A chave que servia na porta do apartamento de Noah, o perfume constante, a insistência de Clarinha em manter o relacionamento em segredo conforme o irmão lhe contara... Staël não via lógica nenhuma naquilo. Será que Noah estava num surto psicótico e imaginara tudo aquilo?

Mas havia algo ainda mais perturbador. Quando Staël voltou para o apartamento, ela encontrou outra carta, escondida entre os pertences de Noah. Essa era de alguém com letra de criança que assinara Clarinha, e dizia:

"Eu sempre estive mais perto do que você podia imaginar, Noah. Eu nunca deixei de amá-lo, mesmo depois de partir. Nosso amor sempre foi eterno, você sempre foi meu. Agora, é hora de você me seguir."

Staël teve um pressentimento muito forte de que algo muito errado estava acontecendo e não era de agora.

Foi até o porteiro do prédio, que era bem antigo no serviço e conhecia muito bem tanto Noah quanto ela. Perguntou se ele conhecia a nova namorada de Noah. O porteiro lhe respondeu que havia muitos meses que não o via com ninguém e que ninguém o procurava fazia tempo, confirmando o isolamento no qual o irmão vivia. Ela teve a ideia de ver as gravações das câmeras de segurança do prédio. Qualquer imagem que registrasse a saída ou entrada do irmão acompanhado de Clarinha bastaria para aliviá-la de tantas dúvidas e angústias.

Após rever as imagens dos últimos dez dias, o que durou horas mesmo em velocidade triplicada, ela confirmou que nenhuma mulher, ou qualquer outra pessoa, havia sequer passado pela porta do apartamento de Noah. Na última gravação em que o irmão aparece, é saindo sozinho do apartamento, entrando no elevador onde desce igualmente sozinho até a câmera do lado de fora do prédio registrar sua imagem afastando-se do edifício.

Desde esse dia, ela nunca mais soube do paradeiro do irmão.

 Edmir Saint-Clair

DIVINA PROVIDÊNCIA

Tudo que Neyla pensava naquele momento é o que falaria para o filho mais velho quando ele a visse com o olho e os lábios inchados.

Ela sabia o estado em que Maicon ficaria quando visse o que seu pai fizera com ela novamente. Ele crescera presenciando e sofrendo a mesma violência que a mãe desde que se entendia como gente, e não aguentava mais. Desde a última sessão de pancadas, ele prometera a mãe que daria um jeito naquele inferno.

Neyla lembrou-se de cada uma das palavras do filho, e um calafrio percorreu sua espinha de cima a baixo, como se alguém houvesse passado sobre seu túmulo, como diziam na comunidade. A caçulinha Raylane ainda estava com o gesso na perna como consequência da última vez em que Julião estivera na casa deles.

Ele vinha e ia embora quando bem entendia, sem dar satisfação sobre o tempo que passara ausente.

Eles sabiam que eram a segunda família dele, a filial como os vizinhos a chamavam.  Mas, agia como se tudo aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.  Quando voltava era sempre a mesma história. Gastava todo dinheiro que encontrava, dormia quase o tempo inteiro e quando estava acordado bebia até começar a implicar com quem estivesse ao seu alcance, mas só em casa. Na rua era um frouxo.

Era o segundo mês de Maicon como caixa de supermercado. O segundo salário que recebia. O primeiro terminara nas mãos do pai, que achou e confiscou a quantia revirando as coisas da mãe.

Neyla passou o dia inteiro sendo consumida pelo medo do que aconteceria quando o filho chegasse, visse Julião dormindo no quarto e os machucados em seu rosto.

Maicon e a mãe tinham uma relação de amor e confiança profundos. Desde que a irmãzinha nascera, Maicon nunca mais havia se envolvido com o submundo que os rodeava. Tinha voltado aos estudos e, desde então, ajudava a mãe a sustentar a casa. Pagava integralmente a creche em que Raylane passava os dias, enquanto a mãe trabalhava como diarista em casas particulares.

Quando a noite chegou, Neyla deu graças a Deus quando Julião acordou, tomou banho e saiu sem falar nada.

 Ela teria tempo para tentar acalmar o filho e evitar uma tragédia doméstica.

Quando Maicon chegou e viu o rosto da mãe fechou as mãos e socou a própria cabeça com força. Neyla o envolveu num abraço e ambos choraram juntos. Não falaram nada. Maicon tirou a mochila das costas, colocou-a no sofá rasgado, deu um beijo no rosto da mãe e saiu sem dar-lhe o dinheiro do salário. Dessa vez, aquele dinheiro teria outro destino.

Neyla tentou impedir que o filho saísse pela porta naquele estado que ela não conhecia, mas pressentia. Calado, com o olhar crispado e o corpo todo endurecido. Ela sabia o que ele iria fazer e implorou, sem resultado. Ela perdera totalmente qualquer contato com ele, que saiu andando como um corpo sem alma.

Maicon rodou por todo o complexo do alemão, procurando os conhecidos dos tempos em que fora aviãozinho e fogueteiro do tráfico. Precisava de uma arma, qualquer uma, a qualquer preço dentro do dinheiro do salário, que não era muito. E ficou rodando pelas vielas meio desorientado, mas decidido.

Em casa, tudo que Neyla podia fazer era rezar, pedir, implorar, prometer e buscar no fundo de sua fé alguma providência que os livrasse da tragédia anunciada.

Ela rezou com toda a fé que sempre tivera desde muito pequena, acendeu uma vela e ficou ajoelhada durante as 4 horas em que Maicon ficou fora. E, cada minuto dessas horas, ela rezou sentido o pavor de que fosse o último. Ela temia por todo a vida que Maicon perderia fugindo ou preso numa penitenciária, ...caso se tornasse o assassino do pai.

Nem a pancada na porta, anunciando a volta de Julião, bêbado, a tirou de sua concentração santa. O crápula se jogou na cama de casal, sem dizer palavra alguma, apenas emitindo um grunhido animalesco.

Pronto, pensou ela, o cenário da tragédia está montado. A primeira coisa que ela fez foi trancar a porta da casa com todas as voltas que a fechadura podia dar.

 O único jeito era tentar manter Maicon do lado de fora e tentar demovê-lo da ideia de matar o pai. Ela guardou as chaves nos seios e voltou a concentrar-se em suas orações e promessas.

Santa Rita de Cássia não podia abandoná-la agora.

Ficou ajoelhada até ouvir o estrondo da porta sendo arrombada por um chute de Maicon que entrou e foi direto para o quarto empunhando a arma já engatilhada.

Neyla o interceptou na porta e quando os dois olharam para a cama viram o improvável: Julião jazia morto, com a boca e os olhos arregalados, quase fora das órbitas, com a expressão aterrorizada como se sua última visão, houvesse lhe arrancado a vida..

Edmir Saint-Clair

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