COACH LITERÁRIO
OS LACERDINHAS (O INCÊNDIO DA PRAIA DO PINTO)
Pensando bem, faz muitos anos que nem sequer ouço falar. O Lacerdinha tinha
poucos milímetros e não voava. E o Lacerdinha não transmitia doenças.
Era pretinho e infestava o Leblon, principalmente as transversais, numa
certa época do ano. Minhas lembranças com relação a eles estão ligadas à época
em que eu morava na Rua José Linhares.
No final da tarde, eram cigarras cantando e Lacerdinhas caindo das
árvores. Às vezes nos olhos. Ardia e coçava muito!
Deixava os olhos inchados e nossas mães preocupadas.
Eles eram atraídos por roupa clara, principalmente as amarelas. Por vezes,
atingiam os olhos e provocavam irritação e ardência intensas.
Esses minúsculos insetos eram chamados de Lacerdinhas em referência a um
antigo político carioca, Carlos Lacerda, que fora governador no tempo do estado
da Guanabara.
Descobrimos que os lacerdinhas depositavam suas larvas nas folhas das
árvores, que ainda estavam enroladas e cheias de água da chuva. A gente as
desenrolava e surgiam um monte de Lacerdinhas pequenos em seu interior.
Para mim, os Lacerdinhas despertam uma lembrança muito marcante.
Uma história que me provoca um sentimento muito incômodo até hoje. Eu
tinha uns seis anos de idade e era acostumado a brincar na nossa rua, mas só no
quarteirão, sem atravessar a rua. Havia muitas crianças, tanto no meu prédio
quanto nos prédios vizinhos que faziam parte daquela turminha de meninos da
mesma idade.
Naquele tempo no Leblon, a maioria
das casas tinha uma empregada que morava na favela Praia do Pinto ou na Cruzada
São Sebastião.
Quando, por algum motivo, a empregada da minha mãe levava o filho para o
trabalho, no caso a minha casa, ele se tornava um amigo a mais, que passaria o
dia brincando comigo, meu irmão e nossos outros amigos. No período das férias
escolares isso era bem frequente e, às vezes, a Dona Celestina voltava para a
casa deles na favela da Praia do Pinto e ele ficava e dormia lá em casa com a
gente. Eu e meu irmão adorávamos a presença dele. Era um menino doce, risonho e
engraçado.
Seu apelido era Bilico, o nome era Bernardo, o dia era sábado, dez de
maio de mil novecentos e sessenta e nove, véspera do Dia das Mães.
Dona Celestina e minha mãe estariam ocupadas o dia inteiro preparando o
almoço comemorativo do dia seguinte.
Bilico era mais novo que eu, um ano e mais velho que meu irmão apenas
alguns meses. Era negro com os dentes grandes e muito brancos. Era tímido, mas
engraçado, falava de uma maneira diferente que eu achava legal. Quando Bilico
passava o dia lá em casa fazia tudo junto comigo e meu irmão; assumia a nossa
rotina, almoçava, tomava banho, brincava, lanchava, descia para brincar conosco
e era sempre muito divertido.
Nesse dia, Bilico chegou cedo, tomou café conosco e descemos pra rua pra
brincar. Era época de Lacerdinha.
Dentre os garotos que brincavam na rua, tinha um que era especialmente
assustador para mim e meu irmão. O Arlindo era mais velho, mas não andava com
os garotos da idade dele. Andava conosco, que tínhamos uns dois anos a menos.
Nessa idade, isso faz uma grande diferença.
Gostava de nos intimidar e bater. Ninguém ficava com pena quando o pai
dele aparecia chamando-o, sempre gritando e batendo nele.
Nós também tínhamos medo do pai dele.
Nessa tarde, estávamos catando Lacerdinhas nas árvores. Abríamos as
folhas e ficávamos observando os Lacerdinhas se mexendo lá dentro.
De repente, o Arlindo pega uns Lacerdinhas com o dedo e enfia com
violência no olho do Bilíco, que observava bem de pertinho.
− Tá com fome? Come neguinho
esfomeado!
Arlindo falou aquilo com mais raiva do que lhe era peculiar, todos nós
tomamos um susto. E ele nem conhecia o Bilíco...
Bilíco começa a coçar o olho e a chorar com a ardência intensa.
Todos os meninos começaram a rir. Menos eu, meu irmão e o Bilíco, que
saiu andando e chorando na direção da portaria do nosso prédio.
Lembro que me veio um sentimento estranho e desconfortável que eu nunca
havia experimentado antes - anos mais tarde eu saberia que aquilo se chama
constrangimento - e que nunca me saiu da memória. Eu senti vergonha. Vergonha
de não ter defendido o Bilíco, ele era meu amigo.
Bilíco não subiu para nossa casa, ficou num canto da portaria chorando
baixinho. Falou que se chegasse lá em cima chorando e com o olho inchado sua
mãe iria brigar com ele. Ela recomendava-lhe sempre que não queria que ele arrumasse
confusão com os "filhos das madames".
Depois de algum tempo, ele parou de chorar e subimos. Pela escada. Naquela
época, os empregados e pessoas negras de cor" só podiam subir pelo
elevador de serviço.
Mas o Bilíco só subia pela escada, tinha medo de elevadores.
Quando chegamos em casa, a
primeira coisa que Dona Celestina viu foi o olho do filho inchado e muito
vermelho. Não falou nada, mas fechou a cara. Chamou o Bilíco para a cozinha e
de lá só o vimos de novo quando eles foram embora, bem mais tarde. Lembro-me
bem da expressão de choro dele quando se despediu da gente.
Aquele sábado me marcou para sempre.
Naquela mesma noite, um misterioso e devastador incêndio irrompeu e tomou
conta da favela onde eles moravam. Queimou por toda a madrugada e por muitas
horas seguintes, consumindo tudo e deixando centenas e centenas de famílias sem
teto e sem nada. Era dia onze de maio de mil novecentos e sessenta e nove, Dia
das Mães.
A casa da Dona Celestina e do Bilíco pegou fogo e virou cinzas, junto com
toda a favela da Praia do Pinto, que queimou inteira.
Não sobrou nenhum barraco
de pé.
Dona Celestina nunca mais voltou, e o Bilíco nunca mais veio passar o dia
conosco.
Nunca mais soubemos deles.
- Edmir Saint-Clair
EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR
COMO ENCONTRAR O SEU ANJO – GUIA PRÁTICO
Com
este guia prático você vai ver que isto é possível, basta vencer a barreira do
absurdo. Isso é muito fácil, já que ela não existe mesmo.
Para
começar a procurar seu anjo faça o oposto, identifique seu demônio particular. Esses dias estressantes facilitam bastante essa tarefa, e a toda hora ele se manifesta. Primeiro, perceba
que seu principal antagonista é você mesmo. Somos nossos piores e mais
implacáveis sabotadores e críticos. Se a gente pudesse quebrar a própria cara,
de vez em quando, não seríamos assim.
Por
isso, se não podemos vencê-lo, juntemo-nos a ele, no caso, a nós mesmos. Às vezes, transformamos nossas próprias vidas num verdadeiro inferno, como se estivéssemos com o diabo no corpo, nesses momentos, não vacile, atraque-se com seu capeta e mostre quem manda na porra toda.
A
primeira providência é, numa ocasião propícia, convidar seu crítico para
conversar. Ofereça-lhe um chazinho, todo crítico adora um chazinho. Durante a
conversa, faça-o ver que ele o está se criticando muito severamente e revele a
grande verdade, ele é você. No começo ele pode relutar um pouco, mas depois,
fatalmente terá que concordar. Ou então, se interne logo porque seu caso está
perdido. E, não adianta partir para a agressão, eu garanto que você vai
apanhar.
Passada
esta fase meio insana, vamos para a segunda etapa.
Que é,
ainda, mais insana.
Essa
prática seguinte tem suas vantagens. Você pode praticá-la em casa, sozinho, não
paga dízimo e não tem sermão de ninguém, nem tem que ler nada. E não precisa
ver programa de pastor gritando em canal de televisão.
O
incenso é opcional, não é necessário.
Agora
vamos lá; na sua sala ou quarto, fique o mais relaxado que puder, sente-se no
chão e assuma a posição de Lótus.
Pode
ser também a posição de Ferrari ou McLaren.
Essas
posições importadas geralmente são bastante confortáveis. Mas, tem gente que se
arranja bem até com a posição Fiat Uno. Tem que ter muito mais flexibilidade, é
claro.
Ah,
antes coloque um som instrumental que você goste, porque se deixar para colocar
depois de fazer a posição escolhida, vai dar o dobro do trabalho.
Comece
a pensar em quantos Eus existem em você.
Acesse
as memórias de você quando criança, imagine que está se encontrando com ela,
com a criança cheia de sonhos que você foi, convide ela para brincar, pergunte
o que ela sente, o que ela precisa, o que lhe falta.
Chame seu autocrítico, também, e apresente-o a ele mesmo. Perceba toda a abrangência de sua própria pluralidade.
Desculpe
seus erros, faça um pacto de amizade consigo. Faça a paz entre todos os seus
Eus.
Grande
parte das pessoas esconde sentimentos de si mesma. Ou seja, nem amigos
confidenciais de si mesmos são.
Essa é
a pior solidão, a ausência de si mesmo.
Temos que nos aceitar, ficar do nosso lado, isso é fundamental. Mesmo quando não compreendemos por que fizemos aquela merda colossal! Quanto mais difícil é uma situação, mais fortemente precisamos contar com nosso próprio apoio. Sem o acolhimento e a amizade de si mesmo, não há santo, nem anjo, que aguente viver.
Seu
anjo da guarda existe e está esperando por esse encontro, há tanto tempo quanto
você.
Agora, levante-se e fique bem em frente ao espelho.
Se olhe com toda a atenção, sem
pensar em nada, apenas se olhe, sem pressa, vá se reconhecendo, lentamente, em
cada mínimo detalhe, até se enxergar profundamente, com os olhos de sua própria
alma.
E,
então sorria.
Imediatamente,
você verá o seu anjo lhe sorrindo de volta.
- Edmir Saint-Clair
1985 - MEU ROCK IN RIO
Janeiro de 1985. Verão quente, ano novinho em folha e o maior festival de Rock de todos os tempos há pouco mais de uma hora de distância de pular do meu mais improvável sonho para o maior palco que eu já havia visto na minha frente.
Uma linha especial de ônibus foi criada, exclusivamente,
para levar o público do festival, coletando-o a partir de vários pontos
determinados do Rio de Janeiro.
Eu e uma galera gigante do Leblon, terminamos de lotar um dos ônibus logo no primeiro ponto. A tensão, a expectativa e a proximidade de algo tão especial gerava o tipo de ansiedade mais saudável que existe, aquela que nos faz entender totalmente a expressão "rindo à toa". No ônibus cheio, os sorrisos à mostra eram tão evidentes, que a impressão é que alguém contou uma hilária e interminável piada. Qualquer movimento virava motivo para uma gargalhada.
Chegamos ao local do festival ainda dia claro, poucos
minutos antes dos portões serem abertos. Todos os dias o ritual era o mesmo. Os
portões se abriam, passávamos pelas roletas e pela revista da segurança, que só
estava interessada em coibir armas e objetos metálicos.
Cigarros podiam, de todos os tipos.
O pôr do sol foi deslumbrante, com ultraleves voando por
sobre um público jovem e absolutamente extasiado diante da grandiosidade de
tudo em volta. A paisagem, o sol se pondo nas montanhas da cidade maravilhosa e
os primeiros acordes da música tema do festival tocando numa altura e qualidade
de som que o Brasil nunca havia ouvido.
"Todos numa direção, numa só voz, numa canção
Todos num só coração, num céu de estrelas...
Se a vida começasse agora, se o mundo fosse nosso de vez,
Se a gente não parasse mais de sonhar...de cantar....de
viver."
E todos cantavam com a propriedade contagiante e autêntica
dos jovens dos anos 1970 e 80, que viviam numa cidade que desejava Paz e Amor e
acreditava nisso, por mais ingênuo que, hoje, isso possa parecer.
E, foi nesse clima que assisti a um show mágico e
maravilhoso do cantor James Taylor, num sábado ainda sem chuva, num céu
completa e absurdamente estrelado, sentado ao lado de dezenas de amigos que
ouviram aquelas mesmas músicas, comigo, nas festinhas de adolescentes.
Foi um dos shows mais emocionantes que já presenciei.
Aquela noite, houve uma catarse gigante entre o público e
um James Taylor extasiado diante de 250 mil pessoas que cantavam junto suas
músicas. Ele estava vindo de um período de declínio acentuado na carreira, e
naquela noite, aconteceu sua redenção.
O sucesso daquela
apresentação teve uma repercussão tão grande e impressionante que impulsionou
novamente sua carreira, e ele sentiu isso ainda no palco, durante a
apresentação.
E externou essa emoção através da sua arte, presenteando o
público com uma apresentação emocionada, emocionante e perfeita, e muito mais
longa do que o que estava previsto.
Tocou e cantou com o entusiasmo de um iniciante, todos os
seus grandes sucessos, não faltou nenhum.
O que se passou foi
sublime, uma poesia em forma de vida.
Público e artista vivendo, durante mais de duas horas e meia,
a mesma intensidade de emoções que ficaria, para sempre, na história de ambos.
O primeiro Rock in Rio me presenteou, ainda, com um show
inesquecível da banda inglesa QUEEN, onde foi feita a histórica filmagem do
coro de mais de trezentas mil pessoas cantando a música “Love of My Life”,
perpetuando aquele como um dos grandes momentos da carreira da Banda e do
lendário Fred Mercury.
Presenciei ele, e todos os músicos da banda QUEEN, ficarem
em absoluto estado de graça e completamente extasiados com o que estavam
assistindo. A emoção deles era visível.
Eu vi, estava lá e cantei junto.
E, no último dia, assisti, pela primeira vez, a banda que
mais toca a minha alma: a lendária banda inglesa YES.
A emoção mágica que senti vendo aquela apresentação incrível
e deslumbrante, permanece até hoje.
Foi perfeito para fechar o último dia do maior festival de
Rock de Todos os Tempos.
Essa é a minha parte da história de um Festival que ficou
para a história de muitas e muitas gerações e virou uma lenda no mundo inteiro.
Edmir Saint-Clair
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Recebi várias manifestações com relação a crônica "Meu Rock in Rio - 1985",
todas tão cheias de lembranças intensas quanto as minhas.
Resolvi fazer uma edição com imagens da época e a música tema.
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