ORIENTADOR LITERÁRIO

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VIDA EM MARTE?

 

Marte - Perseverance 

        Entre relatórios da NASA, anunciados cerimoniosamente há poucos dias, e a imaginação humana, surge novamente a pergunta que atravessa gerações: estamos sozinhos?

    Em 1976, duas sondas da NASA — as Viking 1 e 2 — tocaram o solo marciano carregando a expectativa de um planeta que talvez não fosse apenas deserto e poeira. Entre vários experimentos, um deles chamou atenção: a liberação de gases que só poderiam ser explicados por processos de origem biológica. A descoberta, porém, foi abafada pelo ceticismo da época. Classificou-se como “dado inconclusivo”, e a humanidade seguiu em frente, de olhos voltados para outras promessas.

Quase cinquenta anos depois, essa chama esquecida volta a acender. Pesquisadores revisitaram os mesmos dados, desta vez com ferramentas que não existiam no século passado: modelos de inteligência artificial e simulações de alta precisão. Os sinais de vida estão muito mais claros agora com o avanço da tecnologia e das IAs, tão impossíveis de ignorar que provocaram um comunicado oficial da NASA, lido pelo próprio administrador master da agência espacial americana.

        A prudência científica exige cuidado: não se trata de formas de vida complexas, mas da possibilidade de micro-organismos resistentes, guardados no subsolo marciano. A mera hipótese, contudo, já é suficiente para incendiar a imaginação. Afinal, se a vida não é privilégio da Terra, talvez seja tendência natural do universo.

A repercussão transcende laboratórios. Para alguns, seria a maior descoberta da história humana. Para outros, apenas um passo no longo caminho da dúvida. A comunidade científica prefere esperar: a missão Mars Sample Return (MSR), programada para trazer à Terra fragmentos de Marte, promete respostas mais definitivas.

Até lá, restam perguntas. O que muda em nós se confirmarmos que a vida floresceu em mais de um canto do cosmos? Como nos enxergaremos no espelho da história onde sempre nos colocamos como “os únicos”?

        Entre ceticismo e entusiasmo, a notícia reacende algo que a humanidade nunca deixou de carregar: o fascínio pela possibilidade de não estarmos sós. Ao mesmo tempo em que o planeta vermelho, com seu silêncio mineral e horizonte sem fim, segue como palco de uma de nossas mais antigas fantasias científicas: a existência de vida em Marte.

Edmir Saint-Clair 


A DOIS

 


            Não é preciso muito para que o mundo se acomode. Um, mergulhado nas páginas de um livro, o outro viajando pela internet, sem pressa. Não há cobrança, apenas um silêncio que não pesa. Um silêncio amigo, tecido de respirações, de olhares cúmplices que se encontram sem pedir licença e se dizem mais do que qualquer frase feita.

O bem-estar verdadeiro de um casal não nasce apenas das grandes viagens ou dos planos elaborados, mas de um cotidiano manso que nos devolve a sensação de pertencimento, de lar, de aconchego. Um domingo à tarde, quando o tempo se estica preguiçoso, pode ser mais pleno que uma festa. Porque há cumplicidade no simples ato de estar juntos sob o mesmo teto.

E quando a noite chega e as palavras e as ideias resolvem brincar de madrugada, não há quem queira dormir cedo. A conversa corre solta, vai e volta, tropeça em lembranças, inventa futuros e acha graça de tudo. O coração se enche dessa leveza rara: a de saber que, entre risadas e confidências, ou mesmo no silêncio, a vida encontra sentido.

Não é o que se diz, é o que se sente. Não é a festa, é a casa. Não é o barulho, é o eco de duas almas que se aconchegam para descansar uma na outra.

Edmir Saint-Clair

O VERDADEIRO SENTIDO DAS PALAVRAS

        Nos tempos atuais, muitas palavras perdem seu significado original por uso descuidado ou manipulação intencional. Um exemplo claro é a confusão entre "evolução" e "progresso". Embora pareçam sinônimos, seus sentidos são bem diferentes.

Evolução significa mudança ao longo do tempo, sem qualquer conotação de valor. Como Darwin explicou em "A Origem das Espécies": "Não são os mais fortes que sobrevivem, nem os mais inteligentes, mas os que melhor se adaptam às mudanças." 

Portanto, evoluir não significa necessariamente melhorar, mas apenas se ajustar às condições do momento

Progresso, por outro lado, traz a ideia de avanço, de conquista e aperfeiçoamento. Hoje, quando se diz que uma sociedade "evoluiu", a maioria das vezes se quer dizer que ela "progrediu". No entanto, nem toda evolução é uma melhora, um progresso. Existe uma expressão muito usada por hospitais em comunicados a mídia: “ O paciente evoluiu a óbito”.  Convenhamos que isso não significa melhora em nenhum sentido.

Existe evolução sem progresso. Um sistema político pode evoluir para algo ainda mais repressivo; uma tecnologia pode evoluir e ser usada para fins escusos. No entanto, não há progresso sem evolução. Todo avanço, para ser considerado progresso, precisa antes transformar o status quo no qual brotou.

Como Nietzsche alertou: "Palavras são símbolos que a multidão manipula à sua maneira." 

Se não tomarmos cuidado, acabamos aceitando ideias distorcidas sem questionamento. Resgatar o verdadeiro sentido das palavras não é apenas uma questão de precisão, é uma forma de preservar a clareza na comunicação de ideias, objetivos e ações.

Edmir Saint-Clair 


 

SEXTA-FEIRA: TÕ ACHANDO QUE É HOJE

 

        Sexta-feira não começa na sexta. 

Começa na quarta, quando alguém manda no grupo: “Sexta vai rolar ou vai flopar?”. E ali já brota, feito espinha em adolescente, a ansiedade do amor em potencial.

Homens ajeitam a barba como quem afia esperanças. Mulheres fazem a unha como quem desenha destino. Uns puxam ferro na academia com mais fé do quem joga na mega sena acumulada. Outras passam creme no cabelo com a mesma devoção de quem prepara oferenda pra Iemanjá.

Todos disponíveis, todos à espera do épico: um beijo de cinema, uma troca de olhares que pare o tempo, ou — no mínimo — alguém que saiba usar vírgula e não diga “menas”.

Chega a noite. Os copos tilintam, os corpos se aproximam, os celulares somem nos bolsos e o coração vira bússola: será aqui? Será hoje?

E se não for, tudo bem. Amanhã é sábado. E sábado, no fundo, é só a sexta com ressaca emocional e mais fé ainda no acaso.

Edmir St-Clair


LIVRE-ARBÍTRIO — SIM, NÃO… OU TALVEZ?

        Os neurocientistas dizem que nossas decisões são tomadas milissegundos antes de acharmos que decidimos. Ou seja: o cérebro escolhe primeiro, e depois a gente inventa uma justificativa bonitinha para parecer autor da história. Livre-arbítrio ou marketing pessoal do córtex pré-frontal?

Os filósofos, por sua vez, se dividem entre os que acreditam que somos senhores do nosso destino e os que acham que estamos apenas cumprindo o roteiro de um universo irônico e com péssimo senso de humor.

Com certeza, o livre-arbítrio não é um botão "liga/desliga". Depende do pensamento, do trabalho do cérebro. Envolve genética pessoal, ambiente cultural e mais todas as crenças que formam um indivíduo.

Compartilho da desconfiança de que seja uma espécie de músculo da consciência, que a gente vai desenvolvendo — ou atrofiando — ao longo da vida. Um viés evolutivo que nos torna cada vez mais humanos.

Talvez, em vez de perguntar "existe ou não?", a pergunta mais importante deva ser:
Quanto você já conquistou de autonomia sobre si mesmo?

Porque todo mundo quer liberdade. Mas poucos topam pagar o preço: autoconhecimento, responsabilidade e aquele silêncio incômodo de quando você para de culpar o mundo e se depara com a responsabilidade sobre as próprias decisões.

Penso que, talvez, o livre-arbítrio não seja simplesmente um dom humano e, sim, uma possibilidade. Uma conquista árdua e gigante.

A resposta a essa pergunta tem consequências muito profundas — e bem mais determinantes do que podemos supor à primeira vista.

Edmir Saint-Clair 


O SEGREDO DO MARKETING

 

   Diz a lenda que certa grife mundial, cansada de vender bolsas que custavam mais que apartamentos, resolveu testar um limite ainda não explorado: o da estupidez vaidosa da humanidade.

O plano era simples — tão simples que beirava a genialidade. Criaram um produto chamado A CAIXA. Só isso. Nenhuma descrição, nenhuma promessa além da propaganda oficial:

“Nada menos do que muito poucos merecem.”

O preço? Astronômico, naturalmente. Acessível apenas para quem já não sabia mais onde gastar dinheiro.

O anúncio de que seriam produzidas apenas mil unidades desencadeou uma corrida insana. Iniciou-se a venda no escuro: ninguém sabia o que estava comprando, mas todos estavam dispostos a pagar. A fila de pretendentes atravessava continentes. Bancos suíços receberam transferências milionárias antes mesmo de confirmarem os nomes. Políticos, artistas, donos das maiores hi-techs, sheiks do petróleo e magnatas de todas as nacionalidades apelaram a todas as conexões possíveis para garantir um lugar entre os compradores eleitos.

Em pouco tempo, instalaram-se negociações discretas nos bastidores: convites trocados por favores, promessas de influência, silenciosos acordos de conveniência. O privilégio de estar entre os mil compradores passou a valer tanto quanto — ou até mais do que — a própria Caixa.

Em poucas horas, a lista de espera foi totalmente preenchida. E o mercado negro por um lugar na fila explodiu, atingindo valores indecentes.

O lançamento aconteceu em Nova York, no Madison Square Garden, transformado em templo da futilidade moderna. Sheiks árabes com turbantes cravejados de ouro, nobres europeus entediados, bilionários de todos os continentes: todos lá, ansiosos para botar as mãos naquilo que não sabiam o que era.

Mil compradores, mil caixas personalizadas. Segundo a grife, cada uma conteria um produto único, personalizado e exclusivo que representaria exatamente o valor de cada comprador para o mundo.

Luzes, drones, fogos de artifício. Um mestre de cerimônias, com voz de trovão, anunciou:

— Senhoras e senhores, eis o reflexo de quem vocês são!

Um batalhão de homens vestidos com smoking negro e postura solene entrou no enorme salão e passou a entregar cada caixa ao seu proprietário. A CAIXA era de madeira de lei escura, solene, e entalhada com o nome de cada comprador aplicado em ouro puro. Em cada mesa havia um pequeno biombo, para que cada magnata tivesse privacidade ao verificar o que havia dentro de sua caixa.

No instante da revelação, cada um dos mil compradores abriu sua caixa dourada personalizada, com o nome encrustado em pedras de rubi finamente lapidadas e elegantemente dispostas na tampa, acima da logomarca famosa, com a respiração suspensa.

O que encontraram lá dentro não foi uma joia, nem um artefato exclusivo, tampouco algum segredo da eternidade.

Dentro de cada caixa havia apenas uma folha de papel timbrado. Nela, em letras grandes e solenes, lia-se:

Você vale a mesma coisa que qualquer outra pessoa.

A surpresa foi grande — um choque íntimo, quase uma bofetada filosófica. Mas nenhum deles ousou demonstrar. Afinal, quem pagaria milhões para admitir em público que não valia mais do que qualquer outro?

Mais abaixo, em letras menores, uma instrução irrefutável:

“Não conte a ninguém o que você recebeu, nem pergunte o que os outros receberam. Nos comprometemos a nunca revelar o que você mereceu ganhar.”

Após o choque inicial, cada um dos compradores começou a encenar sua explosão de alegria diante da Caixa. O que se seguiu foi um espetáculo de hipocrisia: atuações dignas de Oscar. Cada qual tentava exibir mais felicidade, mais encantamento, mais êxtase que o outro. Sorrisos falsos, lágrimas de emoção forçada, abraços teatrais.

A plateia, composta de convidados e jornalistas, aplaudia com fervor, convencida de presenciar um momento histórico. As câmeras captaram lágrimas cintilantes e gestos de êxtase, transformando a farsa em verdade televisiva. Enquanto isso, os compradores seguiam à risca as instruções de sigilo, cada um se achando o maior idiota do mundo — mas sem deixar transparecer. E, claro, certos de que todos os outros haviam recebido algo muito mais valioso.

E assim, todos calaram-se envergonhados. Cumpriram à risca a ordem impressa, protegendo o segredo que os envergonhava.

No dia seguinte, jornais noticiaram o lançamento como o “espetáculo de marketing da década”. E a grife, naturalmente, anunciou um novo lote de caixas — agora pelo dobro do preço.

Ninguém jamais ousou romper o silêncio.

 

Edmir Saint-Clair