COACH LITERÁRIO

O ORIENTADOR LITERÁRIO é um profissional que acompanha, ensina e participa de todo processo de criação de um livro. Um profissional técnico, especializado em criação, um professor de escrita e um parceiro, ao mesmo tempo. Experimente, é terapêutico e libertador. Perpetue as histórias que só você tem para contar.
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SAINDO DA DEPRESSÃO


De repente, ele se deu conta que as coisas começavam a entrar num sincronismo que há muito não existia. Pequenos detalhes se encaixando no momento certo.

O sabonete, que acabava no meio do banho, agora tem outro novinho à mão. A toalha, que ele não se esquecera de pegar, a mesma que só se lembrava de não tê-la pego quando estava fechando o chuveiro. O banho, que sempre lhe trouxe bem estar, ainda mais no verão carioca. A depressão havia lhe tirado todos os prazeres, até o da higiene.

De repente, o encadeamento dos eventos rotineiros parecia entrar em sintonia, um acontecimento não atrapalha mais o outro, agora, todos parecem se complementar.  Ele começou a perceber um aumento na capacidade de tomar pequenas decisões, como a que o fez comprar o sabonete antes que o outro acabasse, como era comum acontecer. A depressão lhe tirara a capacidade de decidir sobre tudo e qualquer coisa.

Seu cérebro estava se curando, buscando a estabilidade, a homeostase, se consertando.

Ele sabe que se não atrapalhar seu cérebro, tudo vai continuar a entrar, cada vez mais, em sintonia.

Sintonia com o quê ou quem?  Consigo mesmo. Com a sensação de se bastar, de não precisar de nada além da água caindo sobre seu corpo para ter aquela sensação de plenitude que sentia naquele agora.

Percebeu que estava fora do inferno. Um profundo alívio, do qual sobreveio uma leveza indescritível.  Perdeu o sentido de urgência, a ansiedade se dissipou.

Não foi mágica, foi ajuda, pedira socorro. Sozinho, teria morrido. Foi terapia, foi neuropsicologia. Foi a ciência que ajudou seu cérebro a se curar, deixando-o ser maravilhosamente fantástico como o de todos os seres humanos, permitindo que se reprocessasse e arrumasse toda a bagunça. A ciência fora capaz de lhe curar, intercedendo, efetivamente, na desensibilização e reprocessamento de traumas que lhe afetavam muito mais do que supunha sua vã filosofia.

Até aquele momento, ele não acreditava que sairia daquele mundo de horror chamado depressão. Ninguém que esteja passando por ela acredita que possa vencê-la, faz parte da doença.

Naquele momento, a água, o sabonete e a toalha lhe mostraram que ele estava de volta à vida.

Sobrevivera.

– Edmir Saint-Clair

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MOLECAGEM


 

- Bom dia, “Seu” Tatá! Saudou o porteiro.

- Bom dia, campeão!

        É assim que o Sr. Otávio é conhecido e cumprimentado por todos naquele quarteirão de Copacabana. Seu Tatá é conhecido por todos os comerciantes legais e ilegais daquela região. Depois da morte da esposa, a manifestação de solidariedade de todos o deixou ainda mais próximo e grato a todas aquelas pessoas que o adotaram. Graças ao apoio que recebeu, em vez de se trancar em casa, passou a circular pela região só para conversar com o pessoal. Após o luto, recuperou-se de tal forma que poucos poderiam imaginar.

 Não tinha filhos, morava sozinho e tinha uma aposentadoria que lhe bastava. Mas, o que mais colaborou para a recuperação do seu Tatá, depois da viuvez, foi o reencontro com os amigos da juventude que ainda estavam vivos, depois que a filha do vizinho o convenceu a comprar um notebook e abriu uma conta para ele em todas as mídias sociais.

Ele se deslumbrou. Passava horas e horas procurando antigos amigos, namoradas, conhecidos, recortes de jornais de época, vídeos antigos e tudo mais que fazia parte de sua memória afetiva. Em algumas tardes, voltava no tempo.

Segundo seu médico, ele vinha apresentando melhoras em todos os índices e marcadores que os exames podem mostrar. Seu estado de espírito parecia ter sido mergulhado na fonte da juventude. Para completar o quadro, encontrou 5 amigos que ainda estavam vivos, pelo facebook e, pasmem, que ainda moravam em Copacabana.

Passaram a se encontrar todos os dias na praça do Bairro Peixoto, onde se divertiam e partilhavam memórias e vivências.

Seu Tatá parecia ter voltado à juventude. Até o dia em que acordou com o barulho de máquinas bem embaixo de sua janela. Era no terreno ao lado, que estava sendo preparado para virar um galpão para estacionamento.

Ele aguentou o barulho por vários dias, apesar daquilo o irritar profundamente. 

Mas, fazer o quê? Pelo menos durava só até umas 5 horas da tarde.

Até o dia, ou melhor a noite, em que a obra do piso cimentado estava no final e três máquinas semelhantes a grandes enceradoras domésticas antigas, do seu tempo, invadiram a noite com seus barulhos não muito altos, mas extremamente irritantes.

Quando Seu Tatá acordou de um cochilo, às 8 horas da noite, as máquinas ainda estavam trabalhando e aquilo o irritou ainda mais. Com certeza, aqueles infelizes iriam até às 10 da noite com aquele barulho. Se não parassem ele ligaria para a polícia, afinal é para isso que existe a Lei do silêncio, pelo menos na época dele existia e as pessoas e as obras respeitavam certas convenções de boa vizinhança.

Às 10:30 da noite não havia nem sinal de que as máquinas iriam parar. À essa altura, Seu Tatá já estava bastante irritado e sentia-se enraivecido como há tanto tempo que nem se lembrava mais. Pegou o telefone para ligar para a polícia e pensou que de nada adiantaria. Iria demorar tanto até a polícia chegar, se chegasse, que os operários já teriam parado e de nada teria adiantado sua irritação e o chamado telefônico.

Mas, ele precisava fazer alguma coisa.

Foi até a geladeira se lembrando de como era bom ter sido um moleque bicho solto...Só de pensar no que iria fazer sua pressão arterial diminuiu, sua glicose baixou e quase teve uma ereção.

Pegou uma caixa de ovos, apagou as luzes do apartamento, fechou as cortinas, mas não as janelas. E começou a jogar os ovos nos três homens que operavam as máquinas e em mais um que fiscalizava. Jogava e se escondia, rindo sem parar. Cada ovo jogado era uma sessão de risadas. E o velho tinha uma excelente mira...

O que lhe causou uma crise de riso impagável.

Não precisou mais do que meia dúzia de ovos para que a primeira máquina fosse desligada e em seguida as outras.

Naquela noite Seu Tatá dormiu com um anjinho.

Edmir Saint-Clair




COMO ENCONTRAR SEU ANJO – GUIA PRÁTICO




        Todos gostaríamos de ter nosso próprio anjo, exclusivo, nos protegendo, nos acompanhando e fazendo nossa guarda dia e noite.

Com este guia prático você vai ver que isto é possível, basta vencer a barreira do absurdo. Isso é muito fácil, já que ela não existe mesmo.

Para começar a procurar seu anjo faça o oposto, identifique seu demônio particular. Esses dias estressantes facilitam bastante essa tarefa, e a toda hora ele se manifesta. Primeiro, perceba que seu principal antagonista é você mesmo. Somos nossos piores e mais implacáveis sabotadores e críticos. Se a gente pudesse quebrar a própria cara, de vez em quando, não seríamos assim.

Por isso, se não podemos vencê-lo, juntemo-nos a ele, no caso, a nós mesmos. Às vezes, transformamos nossas próprias vidas num verdadeiro inferno, como se estivéssemos com o diabo no corpo, nesses momentos, não vacile, atraque-se com seu capeta e mostre quem manda na porra toda.

A primeira providência é, numa ocasião propícia, convidar seu crítico para conversar. Ofereça-lhe um chazinho, todo crítico adora um chazinho. Durante a conversa, faça-o ver que ele o está se criticando muito severamente e revele a grande verdade, ele é você. No começo ele pode relutar um pouco, mas depois, fatalmente terá que concordar. Ou então, se interne logo porque seu caso está perdido. E, não adianta partir para a agressão, eu garanto que você vai apanhar.

Passada esta fase meio insana, vamos para a segunda etapa.

Que é, ainda, mais insana.

Essa prática seguinte tem suas vantagens. Você pode praticá-la em casa, sozinho, não paga dízimo e não tem sermão de ninguém, nem tem que ler nada. E não precisa ver programa de pastor gritando em canal de televisão.

O incenso é opcional, não é necessário.

Agora vamos lá; na sua sala ou quarto, fique o mais relaxado que puder, sente-se no chão e assuma a posição de Lótus. 

Pode ser também a posição de Ferrari ou McLaren.

Essas posições importadas geralmente são bastante confortáveis. Mas, tem gente que se arranja bem até com a posição Fiat Uno. Tem que ter muito mais flexibilidade, é claro.

Ah, antes coloque um som instrumental que você goste, porque se deixar para colocar depois de fazer a posição escolhida, vai dar o dobro do trabalho.

Comece a pensar em quantos Eus existem em você.

Acesse as memórias de você quando criança, imagine que está se encontrando com ela, com a criança cheia de sonhos que você foi, convide ela para brincar, pergunte o que ela sente, o que ela precisa, o que lhe falta.

Chame seu autocrítico, também, e apresente-o a ele mesmo.  Perceba toda a abrangência de sua própria pluralidade.

Desculpe seus erros, faça um pacto de amizade consigo. Faça a paz entre todos os seus Eus.

Grande parte das pessoas esconde sentimentos de si mesma. Ou seja, nem amigos confidenciais de si mesmos são.

Essa é a pior solidão, a ausência de si mesmo.

Temos que nos aceitar, ficar do nosso lado, isso é fundamental. Mesmo quando não compreendemos por que fizemos aquela merda colossal! Quanto mais difícil é uma situação, mais fortemente precisamos contar com nosso próprio apoio. Sem o acolhimento e a amizade de si mesmo, não há santo, nem anjo, que aguente viver.

Seu anjo da guarda existe e está esperando por esse encontro, há tanto tempo quanto você.

Agora, levante-se e fique bem em frente ao espelho. 

Se olhe com toda a atenção, sem pensar em nada, apenas se olhe, sem pressa, vá se reconhecendo, lentamente, em cada mínimo detalhe, até se enxergar profundamente, com os olhos de sua própria alma.

E, então sorria.

Imediatamente, você verá o seu anjo lhe sorrindo de volta.

- Edmir Saint-Clair


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MEU AMIGO QUE VOAVA




Um cara engraçado, que sabia rir de si próprio como só as boas pessoas sabem.  Uma combinação incomum, que misturava coragem com um jeito atrapalhado. Se a sorte não tivesse se juntado nesse tempero, teria ido mais cedo para o outro lado.

Uma pessoa aberta a novos pensamentos. Adorava uma novidade. Um desbravador. Sempre que ouvia falar em algum lugar novo, fora do “circuito descolado”, punha-se a caminho para conhecer. De moto, de Kombi ou de Brucutu, um carro equivalente a um Off Road, adaptado por ele nos anos 90 do século 20. 

Morador do Leblon, depois Ipanema, curiosamente era a montanha e não a praia, que o seduzia. Não era morar na montanha, a onda dele era saltar lá de cima. E Lá em cima ele encontrou sua praia. E decidiu passar o resto da vida voando. E passou.

Quando descobriu que podia ter asas, demitiu-se do cargo de engenheiro civil no funcionalismo público, que lhe remunerava muito bem e lhe oferecia estabilidade, para fazer vôos duplos de parapente, em São Conrado, no Rio de Janeiro que tanto amava.

Foi feliz. Viajou e se aventurou, como gostava, para voar em lugares inusitados. Coisas do Bode. Bode não, Carlinhos. Que Carlinhos? O Bode. 

Teve a vida cheia de altos vôos e soube fazer suas escolhas valerem à pena. Conservou, até o fim, a mesma curiosidade adolescente, a mesma alegria ingênua e espontânea. Era capaz de rir e de fazer piadas nos momentos mais difíceis que enfrentou.

Um aventureiro, corajoso por natureza. Amigo por vocação. Sempre teve muitos porque sabia ser um amigo dos grandes. Daqueles que a gente pode contar e ligar no meio da madrugada, fosse para chorar ou para comemorar. 

No imaginário popular, não devemos contar nossas expectativas antes que se realizem, para não despertar olho gordo. Mas, para mim, ele dava sorte. Todas as vezes que estava esperando o desfecho de alguma situação, uma resposta importante, contava para ele. Sempre me deu sorte.

As muitas décadas que convivemos, me deram a honra conhecer um ser humano autêntico e admirável. Um dos momentos mais significativos de nossa amizade, é a satisfação de ter podido expressar, com todas as letras, pessoalmente, o meu amor e a minha admiração para com esse irmão que cativou minha alma com sua essência cheia de bondade.

A ausência já não machuca tanto depois de tantos anos. Mas, nunca vou deixar de sentir saudades. 

Ao mesmo tempo, tenho muita alegria de ter convivido com esse amigo que me ensinou que era possível voar.


- Edmir Saint-Clair

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OS LACERDINHAS (O INCÊNDIO DA PRAIA DO PINTO)

 Nunca mais vi um Lacerdinha.

Pensando bem, faz muitos anos que nem sequer ouço falar. O Lacerdinha tinha poucos milímetros e não voava. E o Lacerdinha não transmitia doenças.

Era pretinho e infestava o Leblon, principalmente as transversais, numa certa época do ano. Minhas lembranças com relação a eles estão ligadas à época em que eu morava na Rua José Linhares.

No final da tarde, eram cigarras cantando e Lacerdinhas caindo das árvores. Às vezes nos olhos. Ardia e coçava muito!

Deixava os olhos inchados e nossas mães preocupadas.

Eles eram atraídos por roupa clara, principalmente as amarelas. Por vezes, atingiam os olhos e provocavam irritação e ardência intensas.

Esses minúsculos insetos eram chamados de Lacerdinhas em referência a um antigo político carioca, Carlos Lacerda, que fora governador no tempo do estado da Guanabara.

Descobrimos que os lacerdinhas depositavam suas larvas nas folhas das árvores, que ainda estavam enroladas e cheias de água da chuva. A gente as desenrolava e surgiam um monte de Lacerdinhas pequenos em seu interior.

Para mim, os Lacerdinhas despertam uma lembrança muito marcante.

Uma história que me provoca um sentimento muito incômodo até hoje. Eu tinha uns seis anos de idade e era acostumado a brincar na nossa rua, mas só no quarteirão, sem atravessar a rua. Havia muitas crianças, tanto no meu prédio quanto nos prédios vizinhos que faziam parte daquela turminha de meninos da mesma idade.

 Naquele tempo no Leblon, a maioria das casas tinha uma empregada que morava na favela Praia do Pinto ou na Cruzada São Sebastião.

Quando, por algum motivo, a empregada da minha mãe levava o filho para o trabalho, no caso a minha casa, ele se tornava um amigo a mais, que passaria o dia brincando comigo, meu irmão e nossos outros amigos. No período das férias escolares isso era bem frequente e, às vezes, a Dona Celestina voltava para a casa deles na favela da Praia do Pinto e ele ficava e dormia lá em casa com a gente. Eu e meu irmão adorávamos a presença dele. Era um menino doce, risonho e engraçado.

Seu apelido era Bilico, o nome era Bernardo, o dia era sábado, dez de maio de mil novecentos e sessenta e nove, véspera do Dia das Mães.

Dona Celestina e minha mãe estariam ocupadas o dia inteiro preparando o almoço comemorativo do dia seguinte.

Bilico era mais novo que eu, um ano e mais velho que meu irmão apenas alguns meses. Era negro com os dentes grandes e muito brancos. Era tímido, mas engraçado, falava de uma maneira diferente que eu achava legal. Quando Bilico passava o dia lá em casa fazia tudo junto comigo e meu irmão; assumia a nossa rotina, almoçava, tomava banho, brincava, lanchava, descia para brincar conosco e era sempre muito divertido.

Nesse dia, Bilico chegou cedo, tomou café conosco e descemos pra rua pra brincar. Era época de Lacerdinha.

Dentre os garotos que brincavam na rua, tinha um que era especialmente assustador para mim e meu irmão. O Arlindo era mais velho, mas não andava com os garotos da idade dele. Andava conosco, que tínhamos uns dois anos a menos. Nessa idade, isso faz uma grande diferença.  Gostava de nos intimidar e bater. Ninguém ficava com pena quando o pai dele aparecia chamando-o, sempre gritando e batendo nele.

Nós também tínhamos medo do pai dele.

Nessa tarde, estávamos catando Lacerdinhas nas árvores. Abríamos as folhas e ficávamos observando os Lacerdinhas se mexendo lá dentro.

De repente, o Arlindo pega uns Lacerdinhas com o dedo e enfia com violência no olho do Bilíco, que observava bem de pertinho.

−  Tá com fome? Come neguinho esfomeado!

Arlindo falou aquilo com mais raiva do que lhe era peculiar, todos nós tomamos um susto. E ele nem conhecia o Bilíco...

Bilíco começa a coçar o olho e a chorar com a ardência intensa.

Todos os meninos começaram a rir. Menos eu, meu irmão e o Bilíco, que saiu andando e chorando na direção da portaria do nosso prédio.

Lembro que me veio um sentimento estranho e desconfortável que eu nunca havia experimentado antes - anos mais tarde eu saberia que aquilo se chama constrangimento - e que nunca me saiu da memória. Eu senti vergonha. Vergonha de não ter defendido o Bilíco, ele era meu amigo.

Bilíco não subiu para nossa casa, ficou num canto da portaria chorando baixinho. Falou que se chegasse lá em cima chorando e com o olho inchado sua mãe iria brigar com ele. Ela recomendava-lhe sempre que não queria que ele arrumasse confusão com os "filhos das madames".

Depois de algum tempo, ele parou de chorar e subimos. Pela escada. Naquela época, os empregados e pessoas negras de cor" só podiam subir pelo elevador de serviço.

Mas o Bilíco só subia pela escada, tinha medo de elevadores.

  Quando chegamos em casa, a primeira coisa que Dona Celestina viu foi o olho do filho inchado e muito vermelho. Não falou nada, mas fechou a cara. Chamou o Bilíco para a cozinha e de lá só o vimos de novo quando eles foram embora, bem mais tarde. Lembro-me bem da expressão de choro dele quando se despediu da gente.

Aquele sábado me marcou para sempre.

Naquela mesma noite, um misterioso e devastador incêndio irrompeu e tomou conta da favela onde eles moravam. Queimou por toda a madrugada e por muitas horas seguintes, consumindo tudo e deixando centenas e centenas de famílias sem teto e sem nada. Era dia onze de maio de mil novecentos e sessenta e nove, Dia das Mães.

A casa da Dona Celestina e do Bilíco pegou fogo e virou cinzas, junto com toda a favela da Praia do Pinto, que queimou inteira.

         Não sobrou nenhum barraco de pé.

Dona Celestina nunca mais voltou, e o Bilíco nunca mais veio passar o dia conosco.

Nunca mais soubemos deles.

-  Edmir Saint-Clair


A favela banida


A história sobre o incêndio da favela Praia do Pinto.

EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR


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A CARA DO BRASIL

 


O Brasil é um país de mal-educados, não temos boas escolas nem um bom modelo educacional, as que temos não dão conta da demanda e, consequentemente, a multidão de ignorantes e analfabetos funcionais aumenta diariamente há décadas. Somos um povo que, por esses motivos, é muito fácil de ser enganado e conduzido por qualquer charlatão um pouco mais articulado.

Nada disso que vemos hoje é novidade. Nada.

A diferença atualmente é que, graças à internet, estamos descobrindo que a sujeira é ainda muito maior do que qualquer um poderia imaginar. Alastrou-se por todos os cantos do país. Capilarizou por todo e qualquer aspecto da vida nacional, todo brasileiro se tornou um corrupto ou um corruptor em potencial.

O descaramento dos políticos, de todos os partidos, é uma coisa inacreditável!

A população está atordoada sem saber o que pensar a respeito da quantidade enorme de denúncias que se sucedem diariamente há décadas, Ininterruptamente. É a mais indecorosa prova de como o mau pode se banalizar.

Mais ainda naqueles que não tem o esclarecimento básico mínimo nem para compreender onde aqueles fatos impactam na sua vida diária.

Nosso povo não tem mais a capacidade de entender onde, quando, como e por quem e está sendo roubado.

 Enquanto a desonestidade se sofisticou e se informatizou com as modernas tecnologias aplicadas para desviar verbas, lavar de dinheiro e etecetera, o nosso povo está emburrecendo em igual proporção ladeira abaixo. Um completo paraíso para corruptos e desonestos de todas as classes, todas as etnias e todas religiões.

O déficit educacional do país é gigantesco. A dívida social, nesse setor, que todos os mandatários, em todos os níveis e em todos os tempos, têm com o povo brasileiro, é impagável!

Hoje, choramos por não termos dado ouvidos às grandes mentes nacionais que sempre afirmaram que só uma educação de qualidade tiraria o país de um destino de república de bananas. Hoje, somos formados e diplomados em bananices.

As redes sociais são um desfile de imbecilidades e absurdos sobre todos os assuntos imagináveis.

Se tivéssemos dado a devida importância às palavras de Darcy Ribeiro, Rubem Alves e tantos outros educadores brasileiros que tanto nos alertaram para essa tragédia anunciada, não estaríamos pagando o alto preço que a ignorância demanda.

É triste constatar como custou, custa e continuará custando caro, ao país, negar aos jovens uma educação com uma qualidade mínima que os permita entender a própria vida e o funcionamento de seu país.

É tanta mentira, tanta desonestidade, tanta falta de ética e de compaixão em nossa vida pública cotidiana que não é exagero dizer que o povo brasileiro perdeu a esperança.

Fica claro que a banalidade do mal se alastrou para todas as camadas da população, indistintamente. Entra e sai eleição e continuamos envergonhados e pagando caro por quem elegemos para nos representar.

Estamos envergonhados do que nos tornamos como povo. Uma nação que dá um passo para frente e dois para trás. Estamos exaustos de tanto sermos feitos de palhaços e passados para trás.

Mas não estamos acostumados a lutar pelo que desejamos e achamos justo. Não lutamos por nossa independência, não lutamos para libertar os escravos, não lutamos para impor nossa república. 

Agora, estamos vendo como é difícil se construir um país digno e justo esperando que tudo nos seja concedido como benevolência de uma instância superior.

Queremos tudo de mão beijada, expressão que, tristemente, serve como uma luva ainda nos dias de hoje.

A expressão “receber de mão beijada”, tem origem no império, onde quem beijasse a mão e adulasse a nobreza, garantia bons negócios. Desde então, o puxa-saquismo foi institucionalizado no estado brasileiro. Nunca evoluímos.

Um povo com todo esse histórico tão pouco favorável é um prato farto para políticos e toda sorte de desonestos, sempre mais escolarizados e ardilosos, que impõe suas vontades se utilizando de toda forma de artimanhas inescrupulosas.

E, quando não conseguem às claras, nos vencem pelo cansaço ou pelas votações do nosso parlamento no meio das madrugadas, enquanto o país inteiro está com sua atenção voltada para um jogo de futebol. Um ardil digno de bandidos.

No Brasil não existem partidos políticos, existem quadrilhas que atuam na política para roubar e saciar uma sede doentia de poder e dinheiro.

Nesse ambiente completamente prostituído e corrompido quem não entra na dança não participa da festa...

Essas práticas se repetem em todos os níveis da vida brasileira. Uns achacando outros quando podem.

Todos achacando e despejando seus recalques em quem vem logo abaixo hierarquicamente.

Estamos nos tornando um povo feio demais para essa terra tão linda que a natureza nos deu.

- Edmir Saint-Clair

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CONTO CURTO


Ele estava bem desanimado, apesar de ter a vida inteira para ficar desanimado. Depois de mais um dia procurando trabalho, chegou em casa cansado e com fome.

Ligou a televisão e foi esquentar café para tomar com o pão que, se ainda não era dormido, já estava bem descansado...fora comprado pela manhã. Uma reportagem chamou sua atenção para o telejornal. Na saída do turno de uma empresa o empregado respondia ao repórter:

- A situação está difícil, nossos salários estão muito defasados. Estamos tendo que tirar leite de pedra.

Enquanto acabava de requentar o café e o pão, resmungou para a televisão:

- E eu, que ainda nem encontrei a pedra?? 

CONVIDADO DE HONRA

 

O avanço da tecnologia, já nos permite observar o cérebro funcionando em tempo real, respondendo a estímulos provocados intencionalmente e alçando as pesquisas neurológicas até patamares impensáveis há apenas poucas décadas.

Através dessas pesquisas, foram desenvolvidas ferramentas como o EMDR, Brainspoting e uma série de  novas técnicas terapêuticas que tornaram os tratamentos psicológicos incomparavelmente mais rápidos e eficientes.  

Com todos esses recursos, “a coisa toda funciona muito mais rápido” e os resultados são, verdadeiramente, surpreendentes e animadores.

Uma das coisas que considero mais difíceis, no processo terapêutico, é identificar o que realmente sentimos com relação a tudo que faz parte do nosso universo pessoal, onde cada um está enredado até a alma. Essas teias que nos envolvem e, por vezes, nos paralisam, são como nós cegos muito difíceis de desatar.

Nas ocasiões em que afloram, essas marcas traumáticas tem a capacidade de nos tirar o chão, de nos desestabilizar e de causar grande sofrimento.

Através das técnicas psicoterapêuticas, é possível tornar todo o processo de cura mais eficiente quando conseguimos identificar, com objetividade, cada sentimento despertado por aquele gatinho.

Nomeá-los em voz alta é uma forma eficiente de encará-los e, a partir daí, promover uma dessensibilização e um reprocessamento das reações e emoções advindas daquele nó.

Para isso, desenvolvi uma forma pessoal de pegar minhas defesas psicológicas desprevenidas e, assim, conseguir respostas mais profundas.  

Um diálogo interno em voz alta, disfarçado de brincadeira de criança: um programa de entrevista, comigo mesmo...

 

Pode parecer infantil, mas isso é um valor a mais, já que nossa criança esconde muitas respostas.

Brincar sempre traz leveza a qualquer ação, ainda mais quando lidamos com nossos espaços obscuros.

Começo a brincadeira elaborando as perguntas o mais objetivamente que conseguir, com foco total no assunto escolhido, no nó, específico, que desejo desatar.

Crio Perguntas diretas, incisivas, íntimas, pessoais e intransferíveis.

 Perguntas tão invasivas que só poderíamos fazer a nós mesmos.

 

Quando formulo as perguntas, meu pensamento é unicamente impactar meu entrevistado, sendo invasivo e indiscreto, com crueza e malícia nas perguntas. Não penso nas respostas, penso só nas perguntas. O objetivo é claro e transparente: descobrir o que sinto sobre a lembrança em foco.

 

As respostas, por vezes, são de uma obviedade até sem graça, mas outras são surpreendentes, descubro coisas incríveis. Do choro ao riso, vou me descobrindo de uma forma cada vez mais leve e profunda.

É o meu programa do Jô, onde eu sou tudo, o Jô Soares, o Derico, o Bira e, principalmente, o maior astro daquela entrevista: eu mesmo.

 

Lembro de ter lido uma postagem no Facebook muito bem-humorada e inteligente, que tem muito a ver com esse meu programa do Jô: “Quando for falar mal de mim, me chame. Sei coisas terríveis a meu respeito. ”

É exatamente isso. Com a garantia extra de total confidencialidade, que só você pode se dar.

 

Experimente, se conhecer pode ser uma brincadeira deliciosa e, com certeza, vai mudar sua vida.

 - Edmir Saint-Clair

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O MOMENTO EM QUE A FELICIDADE ACONTECE

 

Uma relação leve e espontânea parecia estar surgindo e  Clara não queria acelerar aquela evolução que acontecia tão naturalmente.  

Era gostoso e divertido toda vez que se encontravam, o que estava se tornando  mais frequente.

Ela adora a liberdade que a solteirice lhe proporciona.

 

Já fizera a felicidade dos pais, da família, das amigas e a sua própria, realizando o casamento que todos esperavam, inclusive ela mesma.

Agora, sentia-se livre.

 A separação foi sem sobressaltos e bem menos tristeza do que ela imaginava.

De lá pra cá, pequenos namoros sazonais a satisfaziam plenamente, acordar ao lado de alguém tornara-se tão raro quanto indesejado, fazendo com que ela percebesse que novos sentimentos estavam nascendo naquele momento, depois de um delicioso café da manhã servido na cama.

 Clara deu-se conta que só conseguia sorver plenamente aquele momento, com a leveza da alma que acorda já descobrindo-se desperta, exatamente pela raridade da ocasião, por uma conjunção do improvável com o aleatório;

... um daqueles momentos que redimem a vida e justificam o caos.

Quando nada se espera e tudo acontece.

O momento onde o nosso desejo se encontra consigo e se realiza com a cumplicidade de alguém especial, numa comunhão harmônica... natural e espontânea.

  É preciso aprender a se deixar levar pela alegria de experimentar a vida dando certo e acertando em cheio.

 É preciso saber se sentir feliz, no momento em que a felicidade está acontecendo.

 E gravar, o mais profundamente possível, cada um desses raros momentos, no infinito da nossa alma eterna .

Edmir Saint-Clair


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O MONGE DE COPACABANA

Jorge havia passado sete anos no Tibet. Não porque fosse um espiritualista nato, mas para fugir de uma grave acusação envolvendo brigas de gangues que haviam culminado em homicídio. Ele não tivera participação direta no evento, mas fazia parte da turma que participou do crime e não tinha como provar que não estava no local no momento do ocorrido. Sem lhe restar esperança, sua família o sugeriu uma fuga para algum lugar onde não pudesse ser encontrado.

Jorge tinha um primo que se tornara, há pouco, monge no Tibet, que lhe ofereceu abrigo até que as coisas serenassem no Brasil. Para um praticante de lutas e frequentador assíduo de brigas de rua ou qualquer coisa parecida, seria uma mudança absoluta e, muitos apostaram, impossível.

Sem opção, Jorge partiu rumo ao Tibet. A caminho do mosteiro onde ficaria hospedado, teve acesso as últimas notícias sobre o julgamento de seu caso. Ele havia sido sentenciado há 8 anos de prisão, em regime fechado. Jorge deu graças a Deus por estar tão longe, não suportaria nem um mês numa penitenciária brasileira. Esse pensamento serenou sua alma.

Sete anos depois, Jorge aterrissa no galeão de volta a sua cidade natal e já resolvido com a justiça brasileira. É seu recomeço.

Sente-se um homem completamente diferente daquele valentão ridículo que fora um dia. Os ensinamentos que recebera o transportaram para outra dimensão dentro de si mesmo. No caminho até a casa dos pais, em Copacabana a primeira coisa que reconheceu foi a decadência do aeroporto, que já estava decadente há sete anos. A segunda, foi o cheiro da baía de guanabara saindo da ilha do governador. Nada mudara, mas, para ele, tudo mudara. Lembrou-se de um dos princípios básicos da sabedoria tibetana: quando você muda por dentro, tudo por fora muda junto.

Era verdade, nada do que via o incomodava mais.

Assim que terminou de tomar o café da manhã de boas-vindas que os pais lhe haviam preparado, resolveu ir até a praia de Copacabana, sua areia natal. Seus novos ares monásticos eram puro êxtase com tudo a sua volta. Os pais, o velho porteiro do prédio, a secretária doméstica que o viu crescer e todos que o viam exclamavam sobre a mudança impressionante que Jorge havia sofrido.

Jorge, a cada observação de alguém, pensava:

“A mudança interior, realmente, provoca muitas mudanças no mundo ao redor."

Chegou na praia, sentou-se, colocou seu celular e sua carteira ao lado e assumiu a postura tradicional de meditação. Havia poucas pessoas naquele dia nublado. Fechou os olhos e, ao som do barulho das ondas, meditou profundamente, Estava em paz.

Quando abriu os olhos, seu celular, sua carteira e toda calma e serenidade, que havia trazido do Tibet, haviam sumido.

Copacabana não é para amadores, nem para monges.

Depois disso, Jorge desistiu de fundar um templo para meditação e abriu mais uma academia de Jiu-Jitsu em Copacabana.

Edmir St-Clair

PARALISIA FUNCIONAL


Há períodos em que nos vemos tomados

por uma espécie de paralisia, agoniante e insuportável.


É como naquela brincadeira de criança que, de repente, alguém grita “estátua” e todo mundo tem que parar na posição que estiver. Ninguém se mexe. A gente pensa, mexe os olhos, respira, mas não se mexe.

São muitas idéias, muitos projetos e uma falta total de ação. Uma impossibilidade física de produzir, mesmo com toda a matéria prima pronta, organizada na cabeça e energia saindo pelo ladrão. Falta aquele clique que desencadeia o desenrolar dos acontecimentos. Mas, não clicamos. Adiamos. Não dá trabalho algum, mas não clicamos. Não agimos, não fazemos o que temos e queremos fazer.

A ansiedade aumenta, o bolo no peito sufoca, porque falta-nos a ação. Como se o nosso corpo não obedecesse ao comando. Uma agonia perturbadora que pode chegar a extremos.

O cobrança por alto desempenho tem nos levado a quadros de ansiedade capazes de nos tirar o impulso de agir até mesmo para buscar ajuda . Além da cobrança do mercado de trabalho temos, mais importante do que essa, a nossa própria cobrança interna, não raro, ainda mais cruel.

Esse compromisso compulsório com algo que nem sabemos direito o que é, está presente o tempo inteiro, diariamente, em todos os campos de atuação, nos fazendo adoecer e causando, muitas vezes, distúrbios incapacitantes. A ansiedade paralisante é apenas uma delas.

Gera uma inquietação onipresente e oculta, que sempre tem como subproduto cumulativo as crenças negativas sobre si mesmo, que subtraem porções significativas de nossa qualidade de vida e saúde, a cada minuto. 

Não existe um motivo evidente que, por si só, justifique o estado permanente de tensão. Mas, ele está lá, atrapalhando, incomodando e, às vezes, paralisando. Uns dizem que é medo do sucesso, outros que é medo do fracasso. E, por aí, se desenvolvem milhares de teorias que vendem como água no deserto, sob a forma de literatura de autoajuda.

O compromisso com o desempenho, em todos os aspectos, que nos é imposto por todos os lados reais e virtuais, é algo terrível que pode nos empurrar para uma vida muito pesada e difícil.

Precisamos deixar de lado essa cobrança cruel e desumana que a "sociedade", essa entidade fantasmagórica que age nas sombras dos nossos próprios pensamentos, nos impõe. 

Quanto menor nosso autoconhecimento maior será essa influência negativa, se manifestando nas várias formas desse transtorno paralisante. Ele pode chegar a níveis literalmente insuportáveis. Por vezes, até respirar fica difícil.

Quanto maior nosso autoconhecimento, autoestima,  ferramentas psicológicas aprendidas e nossa rede de apoio humano, menos esse condicionamento social cruel e determinante nos influenciará.

Ainda bem que vivemos em tempos onde as terapias oferecidas pela neuro-psicologia já nos oferecem recursos para transformar toda essa agonia e ansiedade em crescimento, evolução e qualidade de vida.

A boa notícia é que existe saída.


 - Edmir Saint-Clair

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