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A ETERNIDADE DE CADA UM

 

“No fim, somos quem acreditamos ser.”

— Edmir Saint-Clair

Todos os dias, ao adormecer, cruzamos uma fronteira invisível entre o real e o imaginário — onde o tempo obedece a outras regras. Geralmente, a transpomos em milionésimos de segundos — um átimo entre estar desperto e adormecido. Uma região no limiar entre a vigília e o sono, outra dimensão, onde nossa consciência se altera; onde não há tempo, há apenas a eternidade. Uma distorção diária da lógica temporal.

Essa experiência cotidiana nos oferece um vislumbre do que proponho como hipótese central deste ensaio: e se, nos momentos finais da vida, nossa mente for capaz de criar sua própria eternidade? Uma realidade subjetiva onde o tempo, liberto das amarras físicas, se dilata até o infinito, permitindo que cada consciência vivencie uma eternidade moldada por suas crenças mais profundas. Esta é a jornada reflexiva que convido você a percorrer — uma investigação sobre como a mente humana, em seu último ato de criação, pode transcender os limites convencionais do tempo e da realidade.

Aquela sensação de estar caindo e despertar no susto é resultado de permanecer tempo demais nesse estado intermediário. É a presença densa de algo que nos puxa de volta e nos faz acordar como se tivéssemos nos perdido pelo caminho.

O sonho com quem já partiu é mais do que sonho: é um reencontro sem tempo, capaz de provocar uma emoção sentida no corpo físico.

A mente humana cria realidades com tal precisão que não podemos afirmar se o mundo como cada um de nós o percebe é real ou apenas uma construção moldada por crenças, memórias e por fatores individuais e imponderáveis.  Isso se torna evidente em fenômenos como alucinações em que pacientes com síndrome de Charles Bonnet podem ver padrões e figuras complexas que não existem; ou em experimentos de privação sensorial, onde após poucas horas em tanques de isolamento, voluntários começam a criar experiências sensoriais completas sem estímulos externos. Talvez o mundo seja apenas uma versão pessoal — moldada pelo conjunto de crenças de cada um. E é bem possível que seja exatamente assim.

É justamente esta extraordinária capacidade da mente de construir realidades alternativas que fundamenta minha teoria sobre os momentos finais da consciência, que propõe enfrentar o tema com a mente aberta. Essa hipótese parte do pressuposto de que a mente cria sua própria realidade — portanto, ela pode criar seu próprio infinito, sua própria eternidade, já que é capaz de criar um tempo próprio.

Nos sonhos, o tempo se comporta de maneira radicalmente distinta da realidade desperta. Sagas inteiras podem ser vividas em poucos minutos. Distâncias geográficas são transpostas sem qualquer lógica física — tudo isso com a nitidez de quem realmente está vivendo aquele universo surreal naquele momento. Essa vivência do tempo subjetivo indica que a mente, em estados alterados, escapa às leis convencionais da temporalidade.

Durante o sono REM, o cérebro cria narrativas não lineares, condensando experiências inteiras em períodos muito breves de tempo real. Esse fenômeno encontra eco na teoria da relatividade de Einstein, que afirma: o tempo não é absoluto, mas relativo ao observador. Dois relógios idênticos, expostos a campos gravitacionais ou velocidades diferentes, marcarão tempos distintos.

Um exemplo notável dessa dilatação temporal aparece no filme Interestelar (2014), em que astronautas visitam um planeta próximo a um buraco negro supermassivo: uma hora ali equivale a sete anos na Terra. A ciência por trás do roteiro, supervisionada pelo físico Kip Thorne, demonstra como o tempo pode ser drasticamente alterado por diferentes contextos físicos. Esta representação cinematográfica não é apenas um exercício de ficção científica, mas uma metáfora poderosa para compreendermos o que pode ocorrer em nossa própria mente nos momentos finais: assim como a gravidade extrema distorce o tempo físico próximo ao buraco negro, as condições neurológicas únicas do cérebro em seus últimos instantes de atividade podem criar uma dilatação subjetiva do tempo, transformando segundos objetivos em uma experiência de eternidade para a consciência que a vivencia.

Sob estresse extremo — como em acidentes graves ou experiências de quase-morte — o cérebro entra em estado de hiperprocessamento, e o tempo, sob a ótica do paciente, desacelera drasticamente. Segundos ganham densidade e podem ser percebidos como longos minutos.

Tudo isso sugere que o tempo, quando entregue exclusivamente ao nosso cérebro e sem referenciais externos, pode ser remodelado — e, nos instantes finais, talvez seja dilatado até se assemelhar a algo como uma eternidade subjetiva. Que só exista dentro da gente.

Há quem afirme que estados alterados de consciência possam acontecer com pessoas que conseguem permanecer nesse espaço entre estados de realidade, onde os contornos do tempo e do eu já não são claros. Nessa outra dimensão onde não existe tempo como o conhecemos. Onde a mente é o último resquício da vida. Onde as conexões neurais criam realidades alternativas.

Se a mente é capaz de gerar uma ilusão tão real a ponto de transgredir a noção de tempo, não seria improvável que pudesse criar sua própria eternidade. Estudos científicos recentes indicam que o cérebro humano pode continuar ativo por um tempo significativo após a morte clínica. Em um caso documentado pela Universidade de Western Ontário, no Canadá, foi detectada atividade cerebral persistente por cerca de dez minutos após a declaração oficial de morte. Nesse intervalo, foram registradas ondas delta — as mesmas que ocorrem durante o sono profundo.

É possível que, sem o apoio dos cinco sentidos e liberta de estímulos externos, a mente proceda uma distorção daqueles últimos dez minutos, transformando-os em uma experiência de “tempo sem fim” — onde suas projeções mais profundas possam, ao menos subjetivamente, parecer absolutamente reais. Trata-se de uma hipótese coerente com o que já sabemos sobre a percepção temporal em estados alterados de consciência.

Estudos sobre experiências de quase-morte (EQMs) revelam que pacientes frequentemente relatam uma “revisão da história de vida” — na qual assistem às próprias cenas, revivem acontecimentos e até os experimentam sob a perspectiva de outras pessoas envolvidas. Essa revisão, que parece abranger uma vida inteira, ocorre em frações mínimas de tempo real. Em pesquisa da Universidade de São Paulo com 350 brasileiros, 51% dos que estiveram em risco de morte relataram EQMs, muitas vezes com intensa distorção da percepção temporal.

Alguns estudos sugerem que, pouco antes da morte, o cérebro entra em um estado de hiperconectividade, onde redes neurais relacionadas à memória e à consciência ficam extremamente ativas. Nesse momento, circuitos neurais que normalmente funcionam de forma isolada começam a interagir de maneiras incomuns, gerando experiências mentais únicas — muitas delas ainda pouco entendidas pela ciência — nas quais a percepção do tempo pode mudar bastante.

 Quando estamos privados de estímulos externos e focados apenas nas nossas experiências internas, é possível que o cérebro vivencie seus últimos minutos como um tempo subjetivamente expandido. Talvez, nesse momento, a pessoa experimente uma espécie de eternidade pessoal, algo único e totalmente particular.

Se, em sua mente, você for fiel ao que acredita — de acordo com suas crenças mais profundas — ela moldará sua eternidade com base nessa visão íntima de si mesmo. Esse será o seu julgamento final — e o juiz será você.

O que mais me encanta nesta hipótese é sua capacidade de acolher a todos. Não importa se a mente for moldada por fé religiosa, por tradições culturais, por dúvidas agnósticas ou pelo ceticismo ateu — todas as crenças encontram nela um lugar legítimo. É uma hipótese inclusiva por essência: cada um viverá a eternidade que foi capaz de imaginar.

Com base nos fenômenos neurológicos pesquisados, proponho a hipótese filosófica de que, se acreditar verdadeiramente que reencontrará um ente querido após a morte, sua mente poderá criar essa experiência subjetiva nos momentos finais de atividade cerebral. E você os reencontrará.

Por isso, é sensato cuidarmos de nossas mentes — das percepções que cultivamos e da autoestima que nos sustenta. É ela quem irá moldar nosso inferno ou nosso paraíso, onde viveremos essa última etapa: a experiência final. O que a mente acredita, as crenças mais enraizadas sobre si mesmo, a forma como avaliamos nossas próprias atitudes ao longo da vida e a coerência com que nos conduzimos pelos diversos aspectos da existência — tudo isso será a matéria-prima da eternidade que cada um experimentará.

Preparar a mente para que, no instante decisivo, ela seja capaz de criar uma realidade subjetiva — íntima, pessoal e intransferível — que nos revele a visão do nosso paraíso ideal talvez seja o mais profundo dos desafios humanos. Esse ‘trabalho’ diário e incansável para nos tornarmos seres humanos melhores, por fim, poderá ser recompensado. Por nós mesmos.

No último momento de vida, será nossa mente que construirá a eternidade que cada um criou para si. Esta hipótese, além de oferecer uma perspectiva sobre os momentos finais da consciência, carrega profundas implicações para como vivemos hoje. Se existir uma experiência post mortem subjetiva, ela será moldada por nossas crenças mais enraizadas e pela forma como avaliamos nossas próprias ações, então cada escolha cotidiana ganha uma dimensão transcendente.

Viver com autenticidade e integridade não seria apenas uma questão de ética social ou realização pessoal, mas um investimento na qualidade da nossa própria eternidade subjetiva. A empatia que demonstramos, as conexões verdadeiras e profundas que estabelecemos, e a honestidade com que enfrentamos nossas falhas – tudo isso está tecendo, fio a fio, o tecido da realidade que iremos viver em nossos momentos finais.

Esta perspectiva representa uma profunda revolução existencial: o julgamento que historicamente sempre veio "de fora" – de deuses, instituições ou da sociedade – passa a ser realizado pelo próprio indivíduo que, para si mesmo, é onipresente e onisciente. Somos, simultaneamente, réus e juízes de nossa própria existência, com acesso privilegiado não apenas aos nossos atos, mas às intenções e circunstâncias que os motivaram.

Esta forma de conceber nossos momentos finais nos convida a viver nosso dia a dia de maneira mais responsável, consciente e plena, e a cultivar tanto a paz interior quanto exterior, assim como a autoaceitação. E se transforma não somente num caminho para uma vida mais significativa, mas numa preparação para a eternidade subjetiva de cada um.

 Se o juiz final de nossas ações seremos nós mesmos, talvez, o verdadeiro desafio não será temer um julgamento externo, mas viver de maneira verdadeiramente digna aos nossos próprios olhos, para que possamos, no final, rever nossa história e encontrar nela nossa essência e motivos para termos orgulho da vida que construímos.

A eternidade de cada um começa muito antes do momento final - ela se constrói em cada instante de consciência, em cada escolha, em cada ato de amor e empatia. E talvez esta seja a sabedoria mais profunda que podemos tirar de tal hipótese: a eternidade não será somente um destino duvidoso, será a hora de cada um colher o que plantou dentro de si mesmo. 

 Edmir Saint-Clair

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BIBLIOGRAFIA

 Estas são as referências (pesquisas, estudos e obras) nas quais minha teoria está ancorada. Abrangem estudos sobre experiências de quase-morte, percepção temporal distorcida, atividade cerebral nos momentos finais, estados de sonho REM e conceitos de física relacionados à relatividade do tempo.

1. Greyson, B. (2007). Experiências de quase-morte: implicações clínicas. Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), 34(supl 1), 116-125.

2. Carunchio, B. F. (2024). Experiências de quase morte (EQM) traumáticas: consequências psicológicas e ruptura de certezas existenciais. Revista Rever, PUC-SP.

3. van Lommel, P., van Wees, R., Meyers, V., & Elfferich, I. (2001). Near-death experience in survivors of cardiac arrest: a prospective study in the Netherlands. The Lancet, 358(9298), 2039-2045.

4. Parnia, S., Waller, D. G., Yeates, R., & Fenwick, P. (2001). A qualitative and quantitative study of the incidence, features and aetiology of near death experiences in cardiac arrest survivors. Resuscitation, 48(2), 149-156.

5. Thorne, K. S. (2014). The Science of Interstellar. W. W. Norton & Company.

6. Eagleman, D. (2008). Human time perception and its illusions. Current Opinion in Neurobiology, 18(2), 131-136.

7. Arstila, V. (2012). Time slows down during accidents. Frontiers in Psychology, 3, 196.

8. Borjigin, J., Lee, U., Liu, T., Pal, D., Huff, S., Klarr, D., ... & Mashour, G. A. (2013). Surge of neurophysiological coherence and connectivity in the dying brain. Proceedings of the National Academy of Sciences, 110(35), 14432-14437.

9. Norton, L., Gibson, R. M., Gofton, T., Benson, C., Dhanani, S., Shemie, S. D., ... & Young, G. B. (2017). Electroencephalographic recordings during withdrawal of life-sustaining therapy until 30 minutes after declaration of death. Canadian Journal of Neurological Sciences, 44(2), 139-145.

10. Hobson, J. A., & Pace-Schott, E. F. (2002). The cognitive neuroscience of sleep: neuronal systems, consciousness and learning. Nature Reviews Neuroscience, 3(9), 679-693.

 

1985 - MEU ROCK IN RIO

 Janeiro de 1985. Verão quente, ano novinho em folha e o maior festival de Rock de todos os tempos há pouco mais de uma hora de distância de pular do meu mais improvável sonho para o maior palco que eu já havia visto na minha frente.

Uma linha especial de ônibus foi criada, exclusivamente, para levar o público do festival, coletando-o a partir de vários pontos determinados do Rio de Janeiro.

Eu e uma galera gigante do Leblon, terminamos de lotar um dos ônibus logo no primeiro ponto. A tensão, a expectativa e a proximidade de algo tão especial gerava o tipo de ansiedade mais saudável que existe, aquela que nos faz entender totalmente a expressão "rindo à toa".  No ônibus cheio, os sorrisos à mostra eram tão evidentes, que a impressão é que alguém contou uma hilária e interminável piada. Qualquer movimento virava motivo para uma gargalhada.

Chegamos ao local do festival ainda dia claro, poucos minutos antes dos portões serem abertos. Todos os dias o ritual era o mesmo. Os portões se abriam, passávamos pelas roletas e pela revista da segurança, que só estava interessada em coibir armas e objetos metálicos.

Cigarros podiam, de todos os tipos.

O pôr do sol foi deslumbrante, com ultraleves voando por sobre um público jovem e absolutamente extasiado diante da grandiosidade de tudo em volta. A paisagem, o sol se pondo nas montanhas da cidade maravilhosa e os primeiros acordes da música tema do festival tocando numa altura e qualidade de som que o Brasil nunca havia ouvido.

"Todos numa direção, numa só voz, numa canção

Todos num só coração, num céu de estrelas...

Se a vida começasse agora, se o mundo fosse nosso de vez,

Se a gente não parasse mais de sonhar...de cantar....de viver."

E todos cantavam com a propriedade contagiante e autêntica dos jovens dos anos 1970 e 80, que viviam numa cidade que desejava Paz e Amor e acreditava nisso, por mais ingênuo que, hoje, isso possa parecer.

E, foi nesse clima que assisti a um show mágico e maravilhoso do cantor James Taylor, num sábado ainda sem chuva, num céu completa e absurdamente estrelado, sentado ao lado de dezenas de amigos que ouviram aquelas mesmas músicas, comigo, nas festinhas de adolescentes.

Foi um dos shows mais emocionantes que já presenciei.

Aquela noite, houve uma catarse gigante entre o público e um James Taylor extasiado diante de 250 mil pessoas que cantavam junto suas músicas. Ele estava vindo de um período de declínio acentuado na carreira, e naquela noite, aconteceu sua redenção.

 O sucesso daquela apresentação teve uma repercussão tão grande e impressionante que impulsionou novamente sua carreira, e ele sentiu isso ainda no palco, durante a apresentação.

E externou essa emoção através da sua arte, presenteando o público com uma apresentação emocionada, emocionante e perfeita, e muito mais longa do que o que estava previsto.

Tocou e cantou com o entusiasmo de um iniciante, todos os seus grandes sucessos, não faltou nenhum.

 O que se passou foi sublime, uma poesia em forma de vida.

Público e artista vivendo, durante mais de duas horas e meia, a mesma intensidade de emoções que ficaria, para sempre, na história de ambos.

O primeiro Rock in Rio me presenteou, ainda, com um show inesquecível da banda inglesa QUEEN, onde foi feita a histórica filmagem do coro de mais de trezentas mil pessoas cantando a música “Love of My Life”, perpetuando aquele como um dos grandes momentos da carreira da Banda e do lendário Fred Mercury.

Presenciei ele, e todos os músicos da banda QUEEN, ficarem em absoluto estado de graça e completamente extasiados com o que estavam assistindo. A emoção deles era visível. 

Eu vi, estava lá e cantei junto.

E, no último dia, assisti, pela primeira vez, a banda que mais toca a minha alma: a lendária banda inglesa YES.

A emoção mágica que senti vendo aquela apresentação incrível e deslumbrante, permanece até hoje.

Foi perfeito para fechar o último dia do maior festival de Rock de Todos os Tempos.

Essa é a minha parte da história de um Festival que ficou para a história de muitas e muitas gerações e virou uma lenda no mundo inteiro.

Edmir Saint-Clair

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            Recebi várias manifestações com relação a crônica "Meu Rock in Rio - 1985",

todas tão cheias de lembranças intensas quanto as minhas.

Aqui, uma edição com imagens da época e a música tema.

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PREDADOR

 

O tempo vai  arrancando pedaços,

Imperceptíveis, ou que fazem mancar para sempre,

Quando não tira de si, tira de outro,

E leva junto nacos de almas,

Perdidas, descoloridas, insípidas,

Pedaços abandonados no caminho,

Do mundo grande, que diminui, consumido,  

                                                              que se definha,

Deserto de tudo que acolhe, 

Pedaços em memórias duvidosas,

Do que um dia foi todo o universo.


UM MINUTO

 

De silêncio, de paixão, de prazer. O minuto anterior ao gozo, o gozo, um minuto de êxtase, de felicidade, sem saber onde termina meu corpo e começa o seu. O olhar que muda a vida em um minuto. O minuto feito de sessenta eternidades, mas a eternidade terá sempre o último minuto. Cabe-nos viver intensamente todas as nossas eternidades. Tudo que torna a vida maravilhosa não dura mais que um minuto. Mas a dor é longa, e consome quase todos os nossos minutos. O presente é sempre o minuto seguinte, mas só percebemos depois, não sabemos ser eternos. Mas haverá sempre o minuto seguinte.

O minuto de paz nos teus olhos, no silêncio da noite, no sorriso que brotou espontâneo. O minuto feito de sessenta eternidades. A eternidade antes do primeiro beijo, antes de desvendar teu corpo, antes de poder dizer que te amo, antes de sentir teu amor.

A eternidade depois do último beijo, depois de me acostumar com teu corpo, depois de descobrir que ainda te amo, depois de sentir tua ausência. A eternidade de chorar sozinho, o vazio profundo após a última lágrima.

O último minuto com você, e o desejo desesperado de retornar ao primeiro. Passamos a vida inteira atrás desses minutos, dessas sessenta eternidades, que farão o resto valer a pena. Mas, só percebemos o valor do primeiro quando chegamos ao último, e então já haverão se passado muitas eternidades.

O último minuto em que nos amamos foi feito de sessenta despedidas, todas sem que soubéssemos. E a dor, com o poder que só a dor tem, multiplicou sessenta por sessenta por sessenta eternidades, e ainda estou a espera do último.

Em que minuto te perdi?

- Edmir Saint-Clair

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O ROUBO QUE NUNCA ACONTECEU

 

    Tudo dentro do planejado. Com alguma folga. Dá tempo de tomar um coco apreciando esse maravilhoso pôr do sol.

- A meditação tem me feito bem, pensou Jair.

Ele avista seu alvo a uma distância ideal. Levanta-se e mistura-se entre os corredores que passam. Regula seus passos no ritmo dos mais lentos. Quando percebe a aproximação esperada, reduz  mais um pouco seu ritmo, de modo que durante a ultrapassagem pelo alvo possa forçar alguma troca de olhares. Após a ultrapassagem bem sucedida, a distância aumenta apenas um pouco, o suficiente para não despertar suspeitas. E assim, foram e voltaram até o arpoador. Na volta, a distância ficara maior,  ficar muito próximo poderia despertar suspeitas. Jair sabe onde o alvo vai parar. Havia estudado minuciosamente a rotina do jovem deputado estadual.

Nos últimos metros, acelera a marcha e quando para no quiosque está ofegante, como deveria. Não foi difícil surgir assunto entre os dois enquanto tomam água de coco. Quando o alvo se despede, já existe uma certa camaradagem tipicamente carioca entre corredores de praia.

A partir daquele momento, tudo tinha que ter acertividade e rapidez. Assim que o alvo atravessa as duas pistas da praia, na direção da Rua Cupertino Durão, Jair apressa o passo e rapidamente alcança o outro lado da rua, onde o alvo tem de passar, obrigatoriamente. Encosta-se numa das árvores, entre dois carros estacionados, e aguarda. Ninguém vindo de nenhum dos lados.

O alvo passa e é abordado de forma agressiva, não deixando margem para reação alguma.

 - Sérgio, isso aqui é uma arma. Fique quieto e preste atenção. Vamos até a sua casa, andando devagar e conversando como dois velhos amigos. Se você fizer qualquer coisa errada morre. Ouviu? Responde! Ouviu?!

Jair foi bastante agressivo na aproximação, não deixando espaço para argumentações. Sérgio estava paralisado e apenas balbuciou um sim quase inaudível. Sempre foi uma pessoa muito medrosa.

Jair continua.

- Quanto mais nervoso você ficar mais perigoso fica para nós dois. Então fique calmo e tudo vai dar certo. Prometo pra você.

Com a arma dentro do agasalho, mas já devidamente apresentada a Sérgio, os dois continuam a andar na direção do elegante prédio do jovem deputado.

Sobem direto, sem parar na portaria. Morador não precisa se identificar. E, na maioria, nesses prédios, não se dá boa noite a porteiros.

Sérgio mora sozinho.

Na ampla sala, Sérgio não sabe o que estava realmente acontecendo, mas já percebe que um assalto comum não é.

Sérgio nunca fora dos mais corajosos, por isso estava acostumado a ser submisso sem questionar. Jair o manda sentar-se no sofá da sala.

À essa altura, por todo o contexto percebido, Sérgio começa a desconfiar porque Jair está ali. Ainda bastante nervoso tenta amenizar o clima.

- Fique tranqüilo, pode levar tudo o que você quiser. Não vou causar nenhum problema. Só quero não quero violências, por favor.

Sérgio tem a voz trêmula. Seu medo é visível e patético.

- Sérgio, sei que você tem 500 mil dólares em cédulas e cheques de viagem aqui no seu apartamento. Sei a que horas, onde, e a mando de quem você pegou esse dinheiro. Sei que ninguém pode saber que esse dinheiro existe e muito menos que está aqui na sua casa.

Sérgio ficou completamente branco. Pensou que seria roubado, mas aquilo era bem mais do que isso. Definitivamente, não era um simples assalto. Havia algo por trás.

- Você é policial federal? Perguntou Sérgio.

- Sorte sua que não!! Se fosse teria que matá-lo. Respondeu Jair soltando um riso.

Ainda sem entender, Sérgio percebe que Jair já não parece tão violento quanto no início, mesmo assim não consegue parar de tremer. Sempre fora medroso. Era óbvio que não estava lidando com um ladrãozinho pé de chinelo. Pelo linguajar e pela postura, Jair é profissional. Talvez, das forças de segurança. Na verdade, não fazia idéia de quem se tratava e de onde surgira aquele homem.

Jair pega seu celular e começa a filmar Sérgio.

- Você vai gravar? Por quê?! Pergunta Sérgio.

- Se levanta e vai pegar a mala com o dinheiro. Diz Jair apontando o celular.

Sérgio hesita:

- Não está mais aqui... o secretário do senador já pegou...

A voz de Sérgio falha e irrita Jair, que rapidamente troca o celular pela pistola, engatilha e aponta para ele.

O corajoso deputado se transfigura apavorado, e imediatamente revela que a mala está dentro do armário no quarto.

Jair não segura o riso. Os dois se recompõe, Jair volta a falar manso e nota que o deputado havia mijado nas calças.

Sérgio entra em seu quarto, abre o armário, pega a mala, coloca-a sobre a cama e a abre. Jair grava tudo ininterruptamente com o celular. Enquadrando o quarto inteiro, alternando com closes da mala e dos retratos de família no quarto do deputado, para caracterizar, com detalhes, onde estão naquele momento.

A seguir, voltam para a sala e Jair continua gravando a mala aberta sobre a mesa de jantar e a sala inteira ao fundo.

Pronto, aquele vídeo não deixa dúvidas de que aquele dinheiro esteve com o deputado dentro de sua casa.

Jair recolhe a mala cheia de dólares. Diante do atônito e medroso deputado mijado, recoloca seu agasalho esportivo, guarda o celular e a pistola no bolso.

- Sérgio, agora vai ser o seguinte. Daqui a duas horas vou enviar para você, pelo seu whatsApp, o vídeo que fizemos agora. Ou seja, eu tenho a prova de que você estava com 500 mil dólares em dinheiro vivo, e que, obviamente, não tem como explicar porque vieram parar aqui sem comprometer muita gente graúda. 

Mostre esse vídeo para o seu "pessoal”, porque ele também garante que você não pode ser preso para não delatar. Ou seja, não ter acontecido nada aqui, será melhor para todo mundo. 

Se eu souber que tem alguém atrás de mim, jogo esse vídeo na internet na hora, os jornalistas vão adorar e isso vai virar o próximo escândalo nacional da semana.

Sérgio ouviu calado, e calado permaneceu. 

Afinal, oficialmente, aquele dinheiro nunca existiu e ninguém poderia reclamá-lo sem se incriminar. Não tinha nada a dizer. Não podia fazer nada. A não ser aguardar o vídeo para garantir que continuaria vivo e interessante para o poder que representava.

Jair saiu do prédio tranquilamente, não sem antes perguntar ao simpático porteiro quanto estava o jogo do Flamengo contra o Botafogo no Maracanã:

- 4 a Zero pro Mengão, doutor! E ainda tá no primeiro tempo...

Era o que faltava para coroar aquela noite dourada para Jair. Afinal, como diz a sabedoria popular:

- Ladrão...que rouba ladrão...Tá perdoado!

  - Edmir Saint-Clair

Este conto faz parte do Livro "A Casa Encantada - Contos do Leblon"


 

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MUITO ALÉM DO PRÓPRIO UMBIGO

 

     “Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus.” Albert Einstein

        Além da Rússia, dos Estados Unidos e de todas as potências europeias, a China também está no cenário bélico atual de maneira cada vez mais insidiosa — o que pode levar o mundo a um ponto ainda mais crítico na tensão em torno de uma guerra atômica. Ou evoluímos, ou, não sei não... pode dar merd4.

As tensões internacionais têm aumentado de forma perigosa e, sem ser alarmista, de uma maneira assustadora e rápida, contrapondo, como nunca antes, forças atômicas capazes de aniquilar a vida no planeta. Todas as potências nucleares do mundo estão em rota de colisão — e algumas já colidindo.

Vem-me à cabeça um pensamento que me acompanha há décadas. Na verdade, é um raciocínio em que comparo o estágio evolutivo-civilizatório humano com as etapas da vida de um indivíduo comum.

É simples: tomo por base o surgimento do Homo sapiens, que corresponderia ao nascimento de um indivíduo, e as eras seguintes da evolução da espécie seriam os diferentes estágios do crescimento humano. Ou seja: primeiro aprende a se levantar e ficar ereto, depois a andar, a falar, a se comunicar; depois entra na primeira infância, adolescência, juventude, maturidade — até chegar ao estágio máximo de progresso intelectual possível ao tempo de vida de um ser humano.

Por isso, para alcançar a era da sabedoria — que corresponderia à fase madura da evolução de um indivíduo — só será possível se a humanidade a alcançar como um todo.

É preciso que todos a alcancem de forma universal, o que só é possível através das contribuições individuais — e que delas se beneficiem de forma integral, pessoal e social.

Como resultado de um progresso construído pela humanidade como um todo, ao longo de milhares de anos, por caminhos abertos por todas as gerações precedentes, que foram deixando seus legados para que as gerações seguintes agregassem suas contribuições individuais e, assim, garantissem a continuidade dos avanços e conquistas.

Para que isso aconteça, temos que resolver a intrincada — e, até agora, insolúvel — equação de satisfazer a todos e a cada um, ao mesmo tempo. Não só para os humanos, mas incluindo todo o planeta.

Na minha aleatória opinião, a humanidade ainda está no início da adolescência: medindo forças, tamanhos, pesos, testando limites e desafiando a morte — briguentos, inconsequentes, irresponsáveis e loucos. Governados pelos hormônios. Vivendo como se não houvesse nem amanhã nem gerações futuras que terão que arcar com as nossas inconsequências.

A lei do humano mais forte é ainda mais cruel e impiedosa que a da natureza. Porque, entre os homens, as armas modernas — ditas convencionais — multiplicaram covardemente seu poder de matar indiscriminadamente populações inteiras e de destruir países e seus povos. Isso sem falar no pesadelo das armas atômicas!

Mesmo vivendo cada vez mais, poucos conseguem chegar ao estágio da maturidade, por falta de conhecimento sobre si mesmos e sobre a vida.

Porque não se importaram com o que é mais importante.

A maioria só envelhece — sem nada ter aprendido ou acrescentado.

Sem ter contribuído para a evolução da espécie.

Submergem na mediocridade, sem questionamento algum, apenas seguindo o rebanho — sem nada de pessoal a acrescentar.

Todos nós fazemos parte dessa jornada rumo à era da sabedoria, e todos temos como tarefa dar nossa contribuição pessoal para que tudo continue caminhando... e a contribuição de cada um — só esse “um”, individualmente — poderá dar.

Cada um de nós é original e único, e carrega em si uma pequena, mas insubstituível, peça do complexo quebra-cabeça da existência.

Mas poucos conseguem entender que o sentido da vida vai muito além... do próprio umbigo.

Edmir Saint-Clair


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AMAR E SER FELIZ - (Felicidade, desesperadamente)



           Fruto do mais legítimo acaso, caiu-me nas mãos um livro particularmente necessário para mim, naquele momento.

Identifiquei-me profundamente com os pensamentos ali expressos. Trata-se da transcrição de uma palestra do filósofo francês contemporâneo André Comté- Sponville.

 O nome do livro é Felicidade, desesperdamente.

Ele faz um passeio pela história da filosofia, e através da ótica de várias escolas filosóficas, discorre sobre as emoções humanas e, mais particularmente, sobre como o sentimento que chamamos de amor afeta diretamente nossos pensamentos e ações.

O livro me fez compreender o que sempre pensei e nunca havia conseguido enunciar e entender de forma tão clara e objetiva.

A identificação com a condução do raciocínio em torno do tema proposto pelo escritor foi completa. A primeira coisa que me fez ver, é que eu havia, finalmente, compreendido o que é amar de verdade, para mim. Não no sentido de intensidade, mas, no sentido de profundidade e amplitude. E, principalmente, no sentido da ação.

O amor saudável é aquele que desperta, espontaneamente, nossas melhores características pessoais. O lado mais humano, amigo, parceiro. É o que provoca a atitude de fazer o outro feliz em cada interação. É o cuidado de utilizar a percepção, que a sintonia com a pessoa amada provoca, para chegar aos mais deliciosos, profundos e nobres requintes do amor. 

E, por causa dessas atitudes bonitas para com o ser amado, nos vemos mais bonitos, iniciando um ciclo muito saudável. Nossa autoestima aumenta, o que nos faz amar o amor que sentimos pela outra pessoa. E, esse ciclo se estende ao sermos retribuídos e, por isso, amamos ainda mais a pessoa que nos faz sentir todo esse prazer de viver. Isso aumenta e se fortalece a medida em que transformamos esse amor em novas atitudes, nos fazendo capazes de sentir felicidade pela felicidade do outro.  Isso vai aprofundando cada vez mais um aspecto extremamente acolhedor e compensador numa relação: cultuar as afinidades.

Cada um do seu jeito, com as suas verdades. Unidos apenas pela felicidade de estar juntos. Pela alegria e o prazer que o amor pode proporcionar. 

É preciso aprender a amar saudavelmente e isso leva tempo. E, na maioria das vezes, dói aprender.

 A felicidade não existe para o amor dos imaturos, do desejo egoísta que quer o objeto porque não o tem. Do que quer a posse, o controle, o poder de manipular o outro através dos sentimentos.

Estes estão condenados a infelicidade.

Acredito no amor saudável que traz consigo a possibilidade real de felicidade. Que nos faz sentir alegria apenas com o pensamento de que a pessoa amada existe, e também nos ama. A simples ideia da existência do outro já é razão de se sentir alegria.

No amor saudável não existe posse. Existe desejo.

Não existe obrigação. Existe vontade.

Cada encontro acontece porque o desejo impulsionou. Porque traz prazer e alegria. Resultado de elementos químicos secretados se combinando e produzindo sinapses que inundam o cérebro com sensações arrebatadoras e quase incontroláveis. É o impulso do desejo no seu estado mais primitivo.

Quando este estado é potencializado pela sensação de se sentir o objeto de desejo do nosso objeto de desejo o prazer é indescritível, é o momento mais mágico da vida.

O amor saudável é capaz de produzir a sensação de felicidade além da própria felicidade; é o sentir felicidade pelo felicidade do outro tornando-a parte integral da nossa própria e assim, duplicar as possibilidades e a intensidade das felicidades compartilhadas. 

Dito dessa forma parece simples. Mas, definitivamente não é.

Exige muito aprendizado e vontade de ser e fazer a nossa vida e a de quem amamos, ser uma caminhada que valha a pena ser compartilhada.

- Edmir Saint-Clair


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OUTRAS VIDAS

 

Um menino de seis anos nascido em Piracuruca, no Piauí, começou a descrever com precisão a vida de um alemão rico que morrera cinquenta anos antes na cidade de Punta del Este, no Uruguai.

O psicólogo Túlio Linhares, da Universidade de Campinas, investigou o caso com rigor científico, viajando três vezes ao local. Confirmou cada detalhe relatado: a casa de três andares à beira da água, a família Schmieden, os negócios de couro, a mala marrom e a morte nos anos 1940. A história tornou-se referência internacional porque desafia as fronteiras conhecidas da memória e da consciência.

A criança e as memórias impossíveis

4.680 quilômetros separam João Benício, uma criança de Piracuruca, no interior do Piauí, da cidade de Punta del Este, no Uruguai. Uma enorme distância geográfica, cultural e histórica. Mesmo assim, o menino começa a descrever com precisão a vida de um homem alemão rico, morto meio século antes de ele nascer, naquela cidade à beira do Rio da Prata.

Ele fala de uma casa de três andares construída sobre a água, com um píer onde barcos atracam. Atrás, haveria uma igreja. Ao lado, a propriedade de uma mulher famosa: Evita Dolores, conhecida na América do Sul e marcada por escândalos judiciais.

O detalhe mais intrigante surge quando o menino menciona a família Schmieden — donos da casa, ligados ao comércio de artigos de couro. João diz que o patriarca carregava sempre uma mala de couro marrom e só passava os verões naquela residência.

O olhar cético da ciência

Nada fazia sentido para seus pais, trabalhadores simples e católicos dedicados, cuja crença não inclui nada parecido com reencarnação. Como uma criança do sertão poderia inventar tais detalhes sobre um lugar que jamais visitara?

Em 1997, o psicólogo Túlio Linhares, da Universidade de Campinas, decide investigar. Cético por natureza, viaja até Piracuruca e entrevista o menino. Com um gravador de mão, anota e grava cada informação: a casa à beira da água, a igreja atrás, a vizinhança de Evita Dolores, a família Schmieden, a mala marrom, a morte entre 1940 e 1941.

Ao retornar ao gabinete, Túlio enfrenta a escolha: arquivar o caso como fantasia infantil ou testar cientificamente as afirmações. Opta pela segunda via.

A primeira viagem: a casa existe

A primeira ida a Punta del Este o surpreende. A residência de Evita Dolores é localizada sem dificuldades. Ao lado dela, exatamente como descrito, surge uma casa de três andares, construída sobre a água, com um píer na frente e uma igreja atrás. Estava abandonada, mas correspondia ponto a ponto à narrativa de João Benício.

Um vizinho idoso confirma: sim, um alemão morou ali décadas atrás. Mas, não havia mais nenhuma informação sobre a família que ali residira. A pista inicial se transforma em um enigma maior.

A confirmação histórica

Em 1998, Túlio retorna ao Uruguai. Consulta historiadores locais, especialistas na memória dos bairros de Punta del Este. Um deles confirma: a casa pertencia a um alemão da família Schmieden, casado com uma italiana, com três filhos. O homem era lembrado por sempre carregar uma mala de couro marrom e só ocupar a residência durante os verões. A família tinha negócios de couro em Montevidéu. A morte, registrada por volta de 1940, coincide com o relato do menino.

O detalhe final reforça o mistério: João Benício dizia que o nome do homem significava “bom homem” em alemão. Pesquisando, Túlio descobre que a expressão existia, usada de forma respeitosa em tempos passados.

A terceira viagem: eliminando dúvidas

Determinando-se a fechar o quebra-cabeça, Túlio viaja uma terceira vez. Investiga registros de comunidades italianas ortodoxas e encontra indícios de que os filhos da família realmente receberam nomes italianos.

O quadro se completa: casa, localização, vizinhança, família, ocupação sazonal, negócios, mala, idioma, nomes. O menino brasileiro havia descrito com precisão elementos que nem mesmo historiadores locais lembravam de imediato.

A repercussão internacional

Os resultados são publicados em periódicos científicos e apresentados em conferências. Ian Stevenson, referência mundial nos estudos sobre reencarnação, elogia o trabalho como “exemplar, detalhado e verificável”.

O caso repercute em debates acadêmicos pelo mundo. Para alguns, é a prova de que memórias extra conscientes existem. Para outros, apenas coincidências estatísticas. Túlio mantém a posição equilibrada: não afirma que João Benício seja a reencarnação de ninguém, mas mostra que há fenômenos que escapam à lógica tradicional.

O ceticismo e a impossibilidade das explicações

Com a fama vêm as críticas. Pesquisadores analisam se a família poderia ter tido acesso a livros ou relatos sobre Punta del Este. Outros buscam conexões ocultas com alemães no Brasil. Nenhuma hipótese encontra sustentação.

A distância de 4.680 km, o isolamento da família no agreste do Piauí e a ausência de interesse em publicidade tornam improvável a fraude ou a coincidência. Para muitos estudiosos, a solidez metodológica do trabalho de Túlio transforma o episódio em um dos casos mais impressionantes já documentados.

O fim das memórias

Como em relatos semelhantes, as lembranças de João Benício desaparecem com a adolescência. Hoje adulto, vive uma vida comum, sem falar do que um dia marcou sua infância.

Na ciência, porém, o caso permanece. Para uns, prova de que a consciência pode sobreviver à morte. Para outros, um mistério ainda sem explicação.

O que se mantém indiscutível é o impacto: um menino pobre do sertão brasileiro descreveu com precisão a vida de um alemão morto a milhares de quilômetros, décadas antes de seu nascimento. E um pesquisador obstinado, aplicando o método científico, confirmou cada detalhe.

Mas o que João Benício realmente reviveu? Uma memória guardada em algum ponto secreto da mente? Uma coincidência impossível? Ou a prova silenciosa de que a vida não termina onde acreditamos que acaba?

A resposta permanece em aberto, perdida entre ciência e mistério — como uma casa abandonada à beira da água, onde ainda ecoam lembranças.

Edmir Saint-Clair  

Disclaimer

Esta é uma obra de ficção literária. Embora inspirada em atmosferas, relatos e mistérios que circulam pelo imaginário humano, não se apoia em fatos documentados nem tem compromisso com a realidade histórica. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas, lugares ou acontecimentos, é mera coincidência — ou talvez apenas o eco de outras vidas.