ORIENTADOR LITERÁRIO

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COMO ENCONTRAR O SEU ANJO – GUIA PRÁTICO




        Todos gostaríamos de ter nosso próprio anjo, exclusivo, nos protegendo, nos acompanhando e fazendo nossa guarda dia e noite.

Com este guia prático você vai ver que isto é possível, basta vencer a barreira do absurdo. Isso é muito fácil, já que ela não existe mesmo.

Para começar a procurar seu anjo faça o oposto, identifique seu demônio particular. Esses dias estressantes facilitam bastante essa tarefa, e a toda hora ele se manifesta. Primeiro, perceba que seu principal antagonista é você mesmo. Somos nossos piores e mais implacáveis sabotadores e críticos. Se a gente pudesse quebrar a própria cara, de vez em quando, não seríamos assim.

Por isso, se não podemos vencê-lo, juntemo-nos a ele, no caso, a nós mesmos. Às vezes, transformamos nossas próprias vidas num verdadeiro inferno, como se estivéssemos com o diabo no corpo, nesses momentos, não vacile, atraque-se com seu capeta e mostre quem manda na porra toda.

A primeira providência é, numa ocasião propícia, convidar seu crítico para conversar. Ofereça-lhe um chazinho, todo crítico adora um chazinho. Durante a conversa, faça-o ver que ele o está se criticando muito severamente e revele a grande verdade, ele é você. No começo ele pode relutar um pouco, mas depois, fatalmente terá que concordar. Ou então, se interne logo porque seu caso está perdido. E, não adianta partir para a agressão, eu garanto que você vai apanhar.

Passada esta fase meio insana, vamos para a segunda etapa.

Que é, ainda, mais insana.

Essa prática seguinte tem suas vantagens. Você pode praticá-la em casa, sozinho, não paga dízimo e não tem sermão de ninguém, nem tem que ler nada. E não precisa ver programa de pastor gritando em canal de televisão.

O incenso é opcional, não é necessário.

Agora vamos lá; na sua sala ou quarto, fique o mais relaxado que puder, sente-se no chão e assuma a posição de Lótus. 

Pode ser também a posição de Ferrari ou McLaren.

Essas posições importadas geralmente são bastante confortáveis. Mas, tem gente que se arranja bem até com a posição Fiat Uno. Tem que ter muito mais flexibilidade, é claro.

Ah, antes coloque um som instrumental que você goste, porque se deixar para colocar depois de fazer a posição escolhida, vai dar o dobro do trabalho.

Comece a pensar em quantos Eus existem em você.

Acesse as memórias de você quando criança, imagine que está se encontrando com ela, com a criança cheia de sonhos que você foi, convide ela para brincar, pergunte o que ela sente, o que ela precisa, o que lhe falta.

Chame seu autocrítico, também, e apresente-o a ele mesmo.  Perceba toda a abrangência de sua própria pluralidade.

Desculpe seus erros, faça um pacto de amizade consigo. Faça a paz entre todos os seus Eus.

Grande parte das pessoas esconde sentimentos de si mesma. Ou seja, nem amigos confidenciais de si mesmos são.

Essa é a pior solidão, a ausência de si mesmo.

Temos que nos aceitar, ficar do nosso lado, isso é fundamental. Mesmo quando não compreendemos por que fizemos aquela merda colossal! Quanto mais difícil é uma situação, mais fortemente precisamos contar com nosso próprio apoio. Sem o acolhimento e a amizade de si mesmo, não há santo, nem anjo, que aguente viver.

Seu anjo da guarda existe e está esperando por esse encontro, há tanto tempo quanto você.

Agora, levante-se e fique bem em frente ao espelho. 

Se olhe com toda a atenção, sem pensar em nada, apenas se olhe, sem pressa, vá se reconhecendo, lentamente, em cada mínimo detalhe, até se enxergar profundamente, com os olhos de sua própria alma.

E, então sorria.

Imediatamente, você verá o seu anjo lhe sorrindo de volta.

- Edmir Saint-Clair


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A PRIMEIRA FORMATURA DA FAMÍLIA

 

Ele nunca vira sua mãe tão feliz. A formatura do irmão mais novo rompia uma histórica limitação familiar que nunca tivera um membro formado na faculdade. A cerimônia prometia ser emocionante e ninguém da família deixara de ser convidado.

Na chegada ao local, estavam todos compenetrados e um tanto constrangidos com o requinte ao qual não estavam acostumados. O padrinho alugara um terno mais caro do que o de seu casamento com a madrinha. Tia Lúcia, a costureira da família, estava orgulhosa do fruto de seu árduo trabalho nos últimos 6 meses. Valera a pena, todas as mulheres da família estavam chiquérrimas.

Ele se sentiu leve e pleno quando viu a família ocupar uma fila inteira no enorme auditório da faculdade. Fora o excesso de perfumes, estavam todos com a alma e o corpo em vestes de gala, para testemunharem aquele evento que realizava a todos.

Quando o irmão mais novo caminhou em sua direção, vestido com a beca dos formandos, teve vontade de soltar o maior grito e abraço que já dera em alguém na vida.

O abraço silencioso e só não foi mais longo porque a organização requisitava a presença dos participantes no palco para dar início a cerimônia de formatura.

Ele se sentou na poltrona ao lado da mãe e, quando as luzes da sala se apagaram, se deram as mãos frias, trêmulas e fundidas na mesma emoção.

E viveram, a família inteira junta, um dos momentos mais felizes que viveram.

Edmir St-Clair

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DESTINO MENINO.

  


 Todo minuto é momento

Um invento, um sentido,

Por fora, por dentro,

É cada segundo, sem tempo,

É quase nada no vento

 

A vida são horas correndo

e se existe ou não um destino,

Ele é só um menino 

                                        que não sabe onde ir

 

A verdade é que nada se sabe,

Se é do errado que se chega ao certo,

Se é para frente, para trás ou para os lados,

Porque não tem lado certo, nem errado

Não tem nem em cima, 

                                            nem embaixo

 

E os minutos continuam correndo,

E a gente sempre mais lentos,

Sem saber para que andar

Já que é o tempo que nos carrega

Até onde quiser nos levar

 

A mim, que me leve 

                                em qualquer pé de vento

Para um tempo que seja de amar.


– Edmir Saint-Clair


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FERA




 Destruir o berço, a mata, a essência,

Que acalenta, com sons , cores e frutos

O futuro que é da vida, não nos pertence.

 

Matar a mãe, cuspir no prato que o alimenta,

Suicidar-se, matar o futuro que é do filho,

Da beleza, do sonho, de todos que ainda virão.

 

A ganância, grande herança do nada,

Nos torna cegos, sem ver belezas

E rezamos, infiéis hipócritas,

Carrascos do ventre que nos gerou.

 

E perdidos os homens, tão sem caminho,

Se matam, matando tudo, seu próprio ninho.

Natureza que cria, que cura, que chora,

Pelo filho que lhe devora as entranhas.

- Edmir Saint-Clair

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O MISTÉRIO DO METEORITO EL ALI CONTRABANDEADO PARA A CHINA

Revisão e adaptação Edmir Saint-Clair a partir de matéria da Scientific American

O IMPACTO

Milênios atrás, um fragmento do céu cruzou o leste da África.

Nascido da colisão de asteroides antigos, o meteorito caiu com mais um baque do que um estrondo em um vale árido, onde hoje camelos pastam perto da vila de El Ali, na Somália.

Chamado pelos locais de Shiid-birood — “a rocha de ferro” — o meteorito El Ali pesa 13,6 toneladas de ferro e níquel.

Por gerações, foi um marco. Inspirou canções, lendas e poemas.

Uma delas conta que o vale era um paraíso verde até que seus habitantes deixaram de acreditar em Waaq, o deus local, que os puniu lançando pedras vulcânicas.

O meteorito teria sido o último aviso de sua ira. Durante séculos, moradores o martelaram, arrancando flocos metálicos ou afiando lâminas. Crianças o montavam como se fosse um cavalo. Até que, um dia, o céu foi roubado da terra.

O DESAPARECIMENTO

Hoje, o El Ali está longe de casa.

Vídeos tremidos mostram a rocha armazenada na China, onde negociantes tentam vendê-la por milhões — inteira ou em pedaços. Como chegou lá? A trajetória do nono maior meteorito do mundo envolve contrabando, corrupção e morte.

Em agosto de 2025, o Ministério da Cultura da Somália apelou à UNESCO, pedindo o reconhecimento do meteorito como patrimônio nacional e sua devolução. A resposta ainda não veio. O destino da rocha cósmica é um ponto de interrogação.

O ACHADO E A COBIÇA

Durante décadas, a pedra foi ignorada por todos, exceto pelos pastores que viviam sob sua sombra. Na Segunda Guerra, o exército italiano quis removê-la; depois, a ONU e grupos locais tentaram o mesmo. Mas a vila resistiu — até 2019.

Naquele ano, caçadores de opalas encontraram o meteorito e o relataram à Kureym Mining and Rocks Company, empresa de mineração sediada em Mogadíscio. Retiraram uma amostra de 90 gramas, apelidaram-na “Nightfall”, enviaram para Nairóbi — e confirmaram o óbvio: era uma rocha extraterrestre.

A GUERRA CHEGA AO CÉU

Em fevereiro de 2020, o meteorito foi removido de El Ali. A região é dominada pelo grupo extremista al-Shabaab, afiliado à al-Qaeda. Relatos falam em tiroteios e mortes durante a extração; outros chamam de exagero. O certo é que, pouco depois, a rocha foi levada à cidade de Buq Aqable e vendida à Kureym por cerca de US$ 264 mil.

Durante o transporte para Mogadíscio, o caminhão foi interceptado por forças do governo. O meteorito foi apreendido e analisado pelo geólogo Abdulkadir Abiikar Hussein — mas, misteriosamente, sumiu novamente. Em dezembro de 2020, estava de volta às mãos da mineradora.

A CIÊNCIA E A SOMBRA

Em 2021, o pesquisador Nicholas Gessler e o geólogo Chris Herd, da Universidade de Alberta, receberam amostras da rocha. Eles acreditavam colaborar com um estudo legítimo. Não sabiam que a pedra trazia o cheiro do sangue e da pilhagem. Suas análises revelaram três novos minerais nunca vistos na Terra — elaliíta, elkinstantonita e olsenita.

O El Ali pertence à classe IAB, formada por colisões no cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter — mares de magma metálico onde a química do cosmos se reinventou. “É um achado cientificamente extraordinário”, disse Herd. “Mas o contexto ético é desconcertante.”

O CONTRABANDO

Gessler se tornou um detetive cósmico. Rastreou vídeos, mensagens, documentos. Descobriu que, no fim de 2022, o meteorito foi embarcado em Mogadíscio e, meses depois, desembarcou na China.

Hoje, acredita-se que esteja em Yiwu, província de Zhejiang, sendo vendido por US$ 200 o quilo — ou US$ 3,2 milhões pelo bloco inteiro.

“Foi uma operação de saque cultural, disfarçada de negócio legal,” declarou Dahir Jesow, deputado somali. A documentação da Kureym teria sido emitida a posteriori, apenas para cobrir o roubo.

COLONIALISMO CÓSMICO

Não é a primeira vez que o céu é saqueado. Em 1897, o explorador americano Robert Peary levou três meteoritos da Groenlândia — vendidos ao Museu Americano de História Natural por US$ 40 mil. Quatro inuítes que o acompanharam morreram de tuberculose em Nova York.

A história se repete: a curiosidade científica como pretexto para a pilhagem.

AS LEIS DO VAZIO

As leis sobre meteoritos são um labirinto. Nos EUA, pertencem ao dono da terra; em áreas públicas, ao Smithsonian. A Convenção da UNESCO de 1970 tenta regular o comércio de artefatos culturais — mas a Somália não é signatária. A região de El Ali é regida pela Sharia, e estudiosos nem sabem como a lei islâmica interpreta meteoritos. Se a UNESCO reconhecer o El Ali como patrimônio somali, sua venda se tornará ilegal. Até lá, o comércio continua.

O MERCADO DAS ESTRELAS

O tráfico de meteoritos cresce como um novo ouro negro. Entre 2019 e 2021, autoridades chinesas apreenderam toneladas de rochas extraterrestres contrabandeadas da África.

“A preocupação é que o El Ali seja moído em chaveiros”, lamenta Gessler.

A Kureym tenta vender o meteorito de volta ao governo somali — única forma de legitimar o retorno. O Museu Nacional da Somália, reaberto em 2020 após trinta anos de guerra, sonha em recebê-lo sob um suporte reforçado.

“Seria o orgulho do país”, diz o geólogo Hussein.

ENTRE O CÉU E O ESQUECIMENTO

Mesmo que volte, nada garante sua segurança.

“Seria melhor que uma organização internacional o mantivesse até que a Somália esteja estável”, diz Dalmar Asad, porta-voz de direitos humanos.Por ora, o meteorito permanece no limbo, distante de casa — tão longe quanto quando vagava entre Marte e Júpiter. Talvez sua lição mais profunda não seja sobre ferro ou fósforo, mas sobre a natureza humana: que até o céu, uma vez tocando a terra, pode ser contaminado pela ganância.

“Não queremos enxergar a realidade do problema,” diz a cientista planetária Hasnaa Chennaoui Aoudjehane, da Universidade Hassan II de Casablanca.

“Porque, se o fizermos, haverá muito menos material para estudar.”

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A Caçada ao Planeta Nove. Robin George Andrews; janeiro de 2025. ScientificAmerican.com/arquivo

 Nota do Editor (26/09/2025): Texto revisado para corrigir imprecisões geográficas e citações de Nicholas Gessler.

 

MISTÉRIO NO LEBLON

 
 Rio de Janeiro - Bairro do Leblon,
início do outono, 20h55m.

Eu acabara de sair da academia Lucinha & Cláudio, atravessara a Rua Humberto de Campos, na direção da Rua José Linhares, que fica a menos de 50 metros. Estava dobrando a esquina, quando vi uma senhora idosa vindo na direção contrária. Ela dá uma topada na calçada, se desequilibra e começa a acelerar o passo descontroladamente. Ela vai cair.
Corro em sua direção para tentar ampará-la mas, antes que chegasse perto o suficiente, surge do nada uma mulher muito esguia de cabelos pretos, curtos, e a segura, colocando-a de pé e sumindo novamente.

Tudo não durou mais do que fugazes 3 segundos.

Fiquei petrificado com a cena. Senti-me muito estranho, um desconforto cerebral extremamente desagradável, como se tivesse levado uma pancada forte na cabeça. Senti uma confusão agoniante, uma perda da noção do que era ou não realidade. Como uma pane inexplicável no meu sistema mental...

Como alguém aparece e desaparece do nada? Sim. Ela não surgiu e foi embora correndo ou sumindo de forma gradual, como é natural acontecer. Ela apareceu e desapareceu, como um flash fotográfico.

A Senhora Idosa estava atônita e tão perplexa quanto eu. Quando conseguimos trocar olhares, foram de puro espanto!

Aproximei-me dela um pouco mais e perguntei-lhe o que tinha acontecido. Ela me relatou, exatamente, a mesma coisa que eu havia visto. Utilizando, inclusive, as mesmas expressões como “apareceu do nada" e “Desapareceu do nada”.
Ela relatou o que eu tinha presenciado com a mesma precisão de detalhes que eu percebera. Ou seja, quase nenhum, já que a velocidade do evento, foi como se alguém tivesse colocado um vídeo em câmera acelerada.

Logo percebemos que havia uma prova física e inequívoca do ocorrido: a Sra. Idosa estava usando uma blusa branca de mangas compridas e, nela, estavam estampadas visivelmente, duas marcas de mãos onde o “ser” a segurara. Perfeitamente visíveis e brilhantes.
Nós dois olhamos para as marcas e, em seguida, um para o outro, ainda com expressões de absoluta incredulidade.

Percebi que havia testemunhado algo fantástico e extraordinário, e que não haviam palavras que pudessem descrever aquele flash inacreditável.
Ficamos em silêncio, eu e a Senhora Idosa, tomando fôlego e reiniciando os pensamentos. Pouco depois, seguimos caminhando, lentamente, até a entrada do prédio para onde ela estava indo. Ambos no mais absoluto silêncio, em choque.
Despedimo-nos pelo olhar, sem trocar mais nenhuma palavra, ainda visivelmente desconcertados. Não havia nada o que falar. Nossos olhares se acenaram, confirmando a cumplicidade que havia acabado de nascer. Nunca mais a vi e nunca soubemos o nome um do outro. E Nunca entendi o que havia acontecido.


- Edmir Saint-Clair





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VIDA EM MARTE?

 

Marte - Perseverance 

        Entre relatórios da NASA, anunciados cerimoniosamente há poucos dias, e a imaginação humana, surge novamente a pergunta que atravessa gerações: estamos sozinhos?

    Em 1976, duas sondas da NASA — as Viking 1 e 2 — tocaram o solo marciano carregando a expectativa de um planeta que talvez não fosse apenas deserto e poeira. Entre vários experimentos, um deles chamou atenção: a liberação de gases que só poderiam ser explicados por processos de origem biológica. A descoberta, porém, foi abafada pelo ceticismo da época. Classificou-se como “dado inconclusivo”, e a humanidade seguiu em frente, de olhos voltados para outras promessas.

Quase cinquenta anos depois, essa chama esquecida volta a acender. Pesquisadores revisitaram os mesmos dados, desta vez com ferramentas que não existiam no século passado: modelos de inteligência artificial e simulações de alta precisão. Os sinais de vida estão muito mais claros agora com o avanço da tecnologia e das IAs, tão impossíveis de ignorar que provocaram um comunicado oficial da NASA, lido pelo próprio administrador master da agência espacial americana.

        A prudência científica exige cuidado: não se trata de formas de vida complexas, mas da possibilidade de micro-organismos resistentes, guardados no subsolo marciano. A mera hipótese, contudo, já é suficiente para incendiar a imaginação. Afinal, se a vida não é privilégio da Terra, talvez seja tendência natural do universo.

A repercussão transcende laboratórios. Para alguns, seria a maior descoberta da história humana. Para outros, apenas um passo no longo caminho da dúvida. A comunidade científica prefere esperar: a missão Mars Sample Return (MSR), programada para trazer à Terra fragmentos de Marte, promete respostas mais definitivas.

Até lá, restam perguntas. O que muda em nós se confirmarmos que a vida floresceu em mais de um canto do cosmos? Como nos enxergaremos no espelho da história onde sempre nos colocamos como “os únicos”?

        Entre ceticismo e entusiasmo, a notícia reacende algo que a humanidade nunca deixou de carregar: o fascínio pela possibilidade de não estarmos sós. Ao mesmo tempo em que o planeta vermelho, com seu silêncio mineral e horizonte sem fim, segue como palco de uma de nossas mais antigas fantasias científicas: a existência de vida em Marte.

Edmir Saint-Clair 


TODO MUNDO VIU


Noite da Passagem de Ano,

madrugada do dia 01 de janeiro de 1969,

1 e meia da manhã, praia do Leblon.

Naquela década, todas as praias da zona sul eram palco de um espetáculo muito, mas muito diferente dos fogos de Copacabana e das festas sofisticadas dos dias atuais. Naqueles anos, as praias eram tomadas pelos terreiros de umbanda.

A partir do entardecer do dia 31 de dezembro, começavam a chegar as comitivas que vinham para preparar seus altares, e cada grupo iniciava a montagem de seu próprio terreiro na areia.

Cercavam o pedaço escolhido com palmas brancas fincadas na areia que dessa forma, delimitavam o domínio. Cavavam pequenos buracos, no fundo dos quais acendiam as velas que, assim, ficavam protegidas da brisa que sempre sopra à noite, vinda do mar. Eram centenas e centenas de pequenas velas e suas luzes ondulantes, iluminando de forma mágica as areias, de uma praia do Leblon onde a iluminação pública não tinha nem 10 por cento da luminosidade atual. Aquela imagem marcou minha memória de criança, uma mistura entre a realidade e a ficção de um filme sobrenatural.

Os pais e mães de santo, junto com seus cambonos e devotos, enfeitavam e preparavam seus terreiros de forma extremamente caprichosa, e imbuídos de uma devoção profunda e explícita.

O início da arrumação coincidia com o final das tradicionais peladas de futebol de areia, disputadas no Leblon, entre homens vestidos de mulher, sempre acompanhados por uma bateria de samba do próprio pessoal, geralmente, organizada e regida pelo genial percursionista Oscar Bolão, bateria essa, que depois deu origem a Banda do Leblon, que depois passou o bastão para o Bloco Empurra que Pega dos dias atuais.

Esse intermezzo, do início do pôr do sol até umas 8 horas da noite, era muito curioso.

O que acontecia, simultaneamente, durante o lusco fusco deste dia especial, era absurdo e surreal.

Os devotos já estavam finalizando os trabalhos de preparação dos altares, e iniciando as cerimônias que atravessariam as madrugadas e iriam até os primeiros raios de sol do primeiro dia do ano.  Enquanto, ao mesmo tempo, acontecia a maior bagunça que misturava uma caricatura de futebol de areia, másculo-feminino, com muito consumo de álcool e de tudo mais que pode haver de profano; estavam todos ali, lado a lado, convivendo harmoniosamente. O divino e o profano de mãos dadas, comemorando, felizes, cada um do seu jeito.

Naquela época, o réveillon era comemorado como se fosse uma noite de carnaval normal. E não acontecia nas ruas ou nas praias, os bailes aconteciam nos clubes e associações.

Era um carnaval fora de época, com festas concorridíssimas nos clubes, hotéis e danceterias espalhadas por todos os bairros do Rio.

Era muito diferente do que é hoje, no século 21.

As praias eram tranquilas e, era para onde as famílias iam depois de romper à meia-noite em casa. Os Adolescentes e jovens corriam para as festas, e os pais com filhos pequenos iam para a praia, em frente de casa, no Leblon, onde ficávamos passeando e observando os rituais de umbanda que aconteciam nas areias.

Era um terreiro a cada 3 ou 4 metros, todos cheios de gente esperando para tomar passe das pretas e pretos velhos incorporados. Era o sincretismo religioso acontecendo ali na frente de todos. A classe média, em sua maioria católica, buscando a benção de outra religião, ali representada pela classe mais humilde e oprimida da cidade; pobres e pretos. Era a única ocasião que me lembro de ver uma patroa branca abaixando a cabeça humildemente para receber o passe da empregada que morava na favela.

Eu era bem pequeno e estava com meus pais e irmãos passeando e observando toda aquela movimentação tão extraordinária e que se apresentava ainda mais fantástica na imaginação de uma criança.

Fiquei muito impressionado por pessoas que, de repente, do nada, começavam a agir estranhamente, e minha mãe me explicou que aquilo é quando um espírito entra na pessoa em transe. Me deu medo, mas a curiosidade era muito maior. O cheiro de charuto e de defumadores só não era mais forte por causa da brisa marinha. Mas, marcou em minha memória olfativa.

Meus pais compraram algumas palmas brancas e entraram no sincretismo reinante. Meu pai deu uma palma para cada filho e fomos jogá-las no mar, para Iemanjá.  Foi divertido e engraçado molhar os pés pulando sete ondas e jogando as flores no mar. Quando estávamos voltando da beira para a calçada, começou uma confusão. Um homem grande e forte começou a gritar, visivelmente alterado e bêbado.

Ele olhava desafiadoramente para os devotos enquanto gritava ameaçadoramente:

- Tudo isso é palhaçada!! Um monte de gente ignorante... fazendo teatrinho... fingindo "baixar o santo" ... só para enganar os trouxas...

Passou por um terreiro, abaixou-se e pegou uma imagem do local de oferendas e saiu andando de forma provocativa, enquanto os “donos” e fiéis do terreiro apenas o observavam sem esboçar reação ou intenção de revide. Todos apenas olhando fixamente para aquele homem abominável, em absoluto silêncio. E fez-se um silêncio que nunca existira antes...As ondas do mar se calaram por alguns instantes.

Só o arrogante não percebeu que, naquele momento, algo de muito estranho começou a acontecer...

Ele, imaginando ter dominado o ambiente, continuou bradando ainda mais impropérios quando percebeu que a imagem que roubara era exatamente a de Iemanjá.

Ele estava vestido todo de branco, talvez, não soubesse que essa tradição se deve exatamente a Iemanjá.

Todas as pessoas daquele pedaço da praia pararam para ver aquele desequilibrado, arrogante, histérico e com atitudes tão desprezíveis, desafiar a fé de todos. Desafio Iemanjá a fazer alguma coisa para provar que existe... E, foi caminhando em direção ao mar, gritando que ia afogar Iemanjá em suas próprias águas.

Todos pararam e começaram a acompanhar mais atentamente aquele espetáculo bizarro. Aos poucos, o burburinho foi esmaecendo, inclusive os atabaques dos terreiros próximos foram diminuindo o volume à medida em que o homem foi adentrando cada vez mais o mar, em direção a arrebentação, onde as ondas, muito pequenas nessa noite, estouravam sem oferecer risco algum. Um banco de areia fez com que o homem ultrapassasse a arrebentação com água ainda abaixo dos ombros.

De repente, surgiu uma onda do nada, assustadoramente grande e muito forte, e o engoliu. Apenas uma onda foi grande naquela semana inteira e foi, exatamente, aquela.

Quando, mesmo após alguns minutos, o homem não voltou à tona, o burburinho na areia começou a virar gritos cada vez mais intensos e vários homens passaram correndo e mergulharam na água.

Meus pais nos tiraram rapidamente dali e nos levaram de volta para casa, sem que soubéssemos o desfecho. Mas, fiquei com aquilo na cabeça por semanas.

Alguns anos depois, já adolescente, soube que nunca acharam o corpo daquele homem arrogante e desprezível.

Aquele episódio me marcou profundamente.

Eu vi acontecer na minha frente, e me arrepio toda vez que me lembro.

Todo mundo viu.

Edmir Saint-Clair 




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O PÁSSARO QUE DORME COM MEIO CÉREBRO ACORDADO

 

Imagine atravessar oceanos inteiros sem parar, voando por dias, 

e ainda conseguir dormir no meio do caminho. 

Pois é exatamente isso que algumas aves fazem — entre elas, as fragatas e os albatrozes.

Esses viajantes do céu desenvolveram um truque extraordinário: conseguem dormir com apenas metade do cérebro por vez. Enquanto um hemisfério repousa, o outro continua acordado, controlando o voo e mantendo os olhos atentos ao horizonte.

É o chamado sono uni-hemisférico, um tipo de descanso que permite seguir em frente mesmo no meio do nada — um equilíbrio perfeito entre vigilância e entrega.
Durante o voo, essas aves tiram breves cochilos, de poucos segundos, geralmente quando o vento está favorável e as correntes de ar sustentam o corpo sem esforço.

A natureza, com sua sabedoria silenciosa, criou uma solução genial: descansar sem parar, dormir sem cair, confiar sem perder o controle.

Enquanto nós precisamos de cama, silêncio e escuridão, a fragata e o albatroz dormem em pleno voo, embalados pelo vento e pelo som do mar lá embaixo, e podem continuar fazendo isso por muitos dias sem necessidade de pousar.

Edmir Saint-Clair

PLIMPTOM 322 - O ENIGMA DE MILÊNIOS

    Na penumbra controlada de uma sala de museu, repousa uma pequena placa de argila. À primeira vista, nada mais que um fragmento gasto pelo tempo, coberto de símbolos cuneiformes gravados como cicatrizes antigas. Mas basta um olhar atento para perceber: aqueles sinais não são meros vestígios do acaso — são números. E números, quando se alinham com precisão, contam histórias que o tempo não conseguiu apagar.

Chamam-na Plimpton 322. Veio da Babilônia, há quase quatro milênios. Um artefato discreto, que passou despercebido em estantes universitárias até que olhos modernos ousaram decifrá-la. O que parecia uma lista de exercícios revelou-se uma sequência perfeita de relações pitagóricas — mil anos antes de Pitágoras.

É como se uma mente invisível, oculta sob o pó da Mesopotâmia, tivesse deixado um código. Um eco remoto de um conhecimento que não evolui em linha reta, mas em pulsos: desaparece, ressurge, se transforma. O protagonista que se debruça sobre aquelas colunas não encara apenas uma peça de argila — encara uma fenda no tempo, uma rachadura por onde escapa a suspeita perturbadora:
E se a nossa civilização fosse apenas o eco adormecido de um conhecimento antigo, soterrado sob as incontáveis camadas das passagens das eras?


A PLACA QUE NÃO DEVERIA EXISTIR

À primeira vista, nada nela chama atenção: apenas um fragmento de argila, quebrado nos cantos, coberto por fileiras de símbolos que parecem riscos sem sentido. Por décadas, permaneceu esquecida numa prateleira da biblioteca da Universidade Columbia, em Nova York — parte da coleção do bibliófilo George Arthur Plimpton, que lhe daria o nome sem imaginar a dimensão do que havia guardado.

Até que alguém notou o impossível. Aquelas marcas não eram rabiscos — eram números, dispostos com rigor. Seguiam uma ordem precisa, geométrica, impossível de ser acidental. Cada sequência revelava triângulos retângulos perfeitos, relações exatas entre lados e hipotenusas — mil anos antes de Pitágoras formular o que chamamos de Teorema.

Mas o que mais espanta não é a semelhança, e sim a diferença.
Os babilônios não usavam a base decimal, como nós, e sim o sistema sexagesimal (base 60) — o mesmo que sobrevive hoje na medição de ângulos e do tempo. Em vez de frações, utilizavam combinações de números inteiros. Isso significa que, na Plimpton 322, todas as relações pitagóricas aparecem sem restos, sem aproximações: proporções puras, exatas, elegantes.

Enquanto a trigonometria grega se apoiava em ângulos, a babilônica trabalhava com razões numéricas diretas — uma matemática funcional, voltada ao uso prático.
Não há indício de experimentação ou ensaio; o que vemos ali é o produto de um conhecimento já maduro, construído sobre tradições anteriores.

O autor daquela tábua não estava apenas calculando.
Estava registrando. E, talvez sem perceber, deixou no barro a prova de um domínio técnico que parecia impossível para o seu tempo — uma matemática nascida do pó, mas que ainda hoje se sustenta com a precisão de uma máquina.


A MATEMÁTICA DA PEDRA E DO BARRO

A Plimpton 322 não é apenas um objeto curioso. É uma ferramenta. Suas colunas registram proporções que serviam para dividir terras, projetar templos, escavar canais e erguer estruturas com precisão que ainda hoje surpreende engenheiros. Aqueles números não foram escritos para contemplação teórica — eram instrumentos de trabalho, aplicados a problemas concretos do cotidiano de uma civilização que compreendia, com exatidão intuitiva, a linguagem da forma e da medida.

O que mais intriga é a ausência de rascunho.
Não há hesitação, não há traço de tentativa ou erro. A placa não marca o nascimento de uma ciência, mas o auge de uma tradição matemática já amadurecida — o registro final de um conhecimento que vinha sendo aperfeiçoado por gerações.

É como abrir um manual de instruções sem prefácio, onde só resta o miolo do saber. Um vestígio de um sistema completo, cujas origens se perderam sob o pó das civilizações desaparecidas.

Essa constatação leva a uma pergunta inevitável: de onde veio esse domínio?
Terá sido uma criação isolada da Babilônia, ou o eco distante de algo ainda mais antigo, transmitido por vias que o tempo apagou?

Cada linha gravada na argila é uma senha para decifrar a lógica de um mundo desaparecido. Canais de irrigação alinhados como traços sobre a terra, muros que não se desviam um único grau, templos erguidos segundo proporções que continuam harmoniosas milênios depois. Tudo indica o domínio de uma geometria silenciosa, rigorosa, que não deveria existir naquela época — a matemática dos construtores do impossível.

E se esta tábua for apenas a ponta de um corpo de conhecimento que o planeta engoliu?
Se este fragmento sobreviveu por acaso, quantos outros se desfizeram antes mesmo de termos nomes para descrevê-los?


O SILÊNCIO DAS RUÍNAS

Se aquela pequena tábua chegou até nós, foi por puro acaso. Quantas outras, talvez mais completas, não se dissolveram em cinzas, soterradas por enchentes, incêndios ou pelos tremores que fizeram gigantescos pedaços de terra se abrirem, engolindo cidades inteiras e tudo o que nelas se pensou ou sonhou? O esquecimento não foi apenas humano — foi planetário.

Durante milhões de anos, asteroides colidiram com o planeta, alterando sua composição e atmosfera; movimentos tectônicos rasgaram a crosta da Terra, continentes se separaram, e o clima oscilou entre infernos vulcânicos e eras glaciais. O planeta inteiro reescreveu sua própria geografia, apagando as marcas do que veio antes. O que restou das antigas civilizações talvez esteja hoje submerso sob camadas de rocha, gelo e silêncio.

As enchentes do Eufrates, a erosão das margens, a fragilidade da argila diante da água e do fogo — tudo isso foi apenas a superfície visível de um esquecimento muito maior. Um esquecimento que não se mede em séculos, mas em eras.

E se tanto já se perdeu apenas por obra da natureza, imagine o que se extinguiu com o incêndio da Biblioteca de Alexandria, quando séculos de saber acumulado foram consumidos em poucos dias. O maior eclipse da memória humana.

O silêncio que se seguiu não é conspiratório. É geológico, cósmico, inevitável.
O que chamamos de História é apenas o que sobreviveu às catástrofes, o que o acaso poupou. São fragmentos dispersos, restos de um diálogo interrompido entre o homem e o conhecimento.

Durante séculos, arqueólogos e assiriólogos analisaram a tábua sem chegar a conclusões definitivas. Os cálculos eram complexos demais, e o padrão permanecia obscuro.
A situação começou a mudar apenas com o avanço das Inteligências Artificiais.
Com sua capacidade de processar milhões de combinações em segundos, os algoritmos compararam colunas, refizeram proporções e identificaram simetrias invisíveis ao raciocínio humano.

Foi assim que se comprovou o que antes era apenas hipótese: a Plimpton 322 não é uma lista de exercícios, mas um sistema matemático organizado, capaz de gerar triângulos retângulos perfeitos por meio de razões inteiras — algo que a matemática grega só alcançaria muito tempo depois.


O PESO DO ESQUECIMENTO

A redescoberta do conteúdo da Plimpton 322 não resolve o mistério. Apenas o amplia.
Saber que há mais de quatro mil anos já existia um sistema matemático avançado levanta mais perguntas do que respostas. De onde veio esse conhecimento? Como pôde surgir em uma época em que o mundo conhecido ainda tateava entre o mito e a observação empírica?

A explicação mais plausível continua sendo a mais simples: o desaparecimento é a regra, não a exceção.
Civilizações inteiras já foram apagadas por fatores que escapam ao controle humano — erupções, secas, terremotos, variações climáticas, guerras, quedas de asteroides com consequências cataclísmicas. Cada catástrofe reconfigura a história e redefine o que chamamos de “origem”. E isso sem contarmos a possibilidade da autodestruição — a mais sofisticada de todas as forças de aniquilação.

A Plimpton 322, nesse contexto, é menos um objeto arqueológico e mais um lembrete.
Ela mostra que o conhecimento humano é intermitente. Surge, floresce e desaparece, como se o próprio planeta se encarregasse de apagar seus rastros periodicamente. O que hoje chamamos de progresso talvez não seja uma linha ascendente, mas uma sucessão de retomadas — lampejos ocasionais de algo que a Terra insiste em soterrar. Como se, após cada quase extinção, os sobreviventes tivessem que começar tudo de novo.

Mesmo com toda a capacidade de cálculo da era digital, a verdade é que sabemos pouco sobre o que veio antes. O avanço tecnológico não dissolveu o enigma — apenas mudou o ponto de observação.
Agora somos nós que olhamos para o passado como quem observa ruínas através de uma lente de precisão, sem perceber que também seremos ruína.

O que a Plimpton 322 revela não é apenas a sofisticação dos antigos, mas a vulnerabilidade do próprio saber humano.
Tudo o que produzimos — nossos arquivos, bancos de dados, linguagens e máquinas — também depende da estabilidade da matéria, e esta, cedo ou tarde, cede.

No fim, talvez o verdadeiro ensinamento daquela tábua de argila seja este:
não há conhecimento definitivo.
Há apenas tentativas de registrar o que o tempo, invariavelmente, tratará de apagar.


ECOS DE CIVILIZAÇÕES ESQUECIDAS

A Plimpton 322 é apenas um fragmento — uma pista, não uma conclusão. Mas o que ela sugere é difícil de ignorar: a possibilidade de que o conhecimento humano tenha atravessado ciclos, desaparecido e renascido diversas vezes sob novas formas de sociedade.

Cada escavação arqueológica revela vestígios que parecem não se encaixar na linha cronológica oficial: instrumentos, estruturas, mapas ou registros cuja complexidade excede o que se esperava de seu período histórico. Essas anomalias não provam a existência de civilizações avançadas, mas tampouco permitem descartá-la.

A ciência trabalha com evidências, e o que falta são justamente elas — as provas materiais que o tempo se encarregou de destruir.
Se considerarmos os milhões de anos de atividade geológica e o número incontável de catástrofes que remodelaram a crosta terrestre, é racional admitir que boa parte do que existiu simplesmente não deixou rastros acessíveis.
Tudo o que conhecemos é o que restou em uma fina camada arqueológica — uma fração do passado que sobreviveu por acaso.

Em um planeta ativo e instável, a ideia de uma civilização anterior à nossa não é fantasia, mas estatística.
Basta observar a rapidez com que a própria humanidade moderna produz, expande-se e ameaça colapsar.
Se um evento global apagasse a atual infraestrutura — energia, dados, cidades —, em poucas dezenas de milhares de anos quase nada restaria. O que, sob a perspectiva de bilhões de anos, poderia ter acontecido milhares de vezes — sempre a partir do zero.

É plausível, portanto, imaginar que o mesmo possa ter ocorrido antes.
Talvez civilizações anteriores tenham alcançado patamares de conhecimento que não chegaram até nós.
Talvez o que chamamos de “avanço tecnológico” seja apenas o mais recente capítulo de um livro muito mais antigo, escrito e reescrito sob diferentes formas de existência.

A Plimpton 322, nesse cenário, deixa de ser uma curiosidade e passa a ser um vestígio — um eco remoto de uma mente humana que já compreendia, com impressionante clareza, princípios que acreditávamos modernos.

No fim, é possível que estejamos apenas redescobrindo o que já foi descoberto antes.
E que a verdadeira história da civilização não seja uma linha, mas uma espiral que gira sobre o mesmo ponto, a cada era, tentando se lembrar de quem foi.


O ENIGMA DE ARGILA

A Plimpton 322 é, em essência, um lembrete material de algo que o tempo tenta nos ensinar desde o início: o conhecimento não é cumulativo, é cíclico.
Cada geração acredita avançar, mas apenas recupera fragmentos de algo que o planeta já arquivou e apagou inúmeras vezes.

A tábua babilônica prova que a inteligência humana já foi capaz de formular conceitos matemáticos complexos em épocas em que isso parecia impossível.
Ela demonstra que o pensamento racional antecede o registro formal da história e que a mente humana, em qualquer era, tende a buscar padrões, ordem e previsibilidade — os mesmos impulsos que hoje orientam nossas tecnologias.

As Inteligências Artificiais e as novas tecnologias, com certeza, nos trarão muitas novidades em todas as áreas.
A Plimpton 322 é apenas uma pequena peça de um quebra-cabeças que, quem sabe, poderá nos apresentar novas descobertas sobre nossa verdadeira origem.

Edmir Saint-Clair