O ORIENTADOR LITERÁRIO é um profissional que acompanha, ensina e participa de todo processo de criação de um livro. Um profissional técnico, especializado em criação, um professor de escrita e um parceiro, ao mesmo tempo. Experimente, é terapêutico e libertador. Perpetue as histórias que só você tem para contar.
Enquanto cresce, o filho de um
narcisista não sabe que seus pais são narcisistas, os ama e depende do que eles
lhe dizem sobre ele mesmo para construir o mundo em que vai acreditar e viver.
Todos os seres humanos sofrem.
Mas, os filhos de narcisistas
sofrem mais, porque sofrem sozinhos e enganados por quem mais deveria amá-los. São
aqueles enganados pelos próprios pais e, por toda a sociedade na qual vivem,
que lhe dizem, todos os dias, que os pais são sagrados e querem sempre o melhor
para seus filhos.
E quando alguém percebe que nada
disso foi verdade em sua vida, quando um ser humano percebe que foi manipulado
por quem mais amava e confiava, se Vê numa queda violenta num nada... sem
fundo.
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Lembro bem que estávamos
andando pela avenida para que você espairecêsse e pudesse desabafar comigo,
como fizera a vida inteira, segura de que seria acolhida como sempre. Falar mal
do meu pai para mim era seguro para você, eu nunca falaria nada sobre o
assunto. Você tinha certeza disso. Ao final de sua narrativa ofensiva, respondi
de pronto como o cão de Pavlov treinado desde que nasceu, com um complemento
que reforçava seu relato, dando-lhe ainda mais impacto e dramaticidade que não
cabiam naquela crítica superficial:
- Você diz que ele age como
“quem gosta de chutar cachorro morto”, disse eu como o cão treinado reagindo à
sineta. No que ela respondeu:
- Frase interessante, nunca
tinha ouvido.
Lembro que a frase a
impactou.
Anos depois, a vida me
mostrou com todas as suas tintas mais carregadas quem realmente gostava de
chutar cachorro morto. E, não se tratava de má interpretação ou qualquer outro
equívoco de julgamento, que uma dúzia de eventos ou várias dezenas de anos,
podem provocar.
Quando olhei para trás, para a
vida inteira, vi que os eventos eram milhares e todos acontecidos na minha
frente.
Como eu nunca percebi? Como
pode alguém ser tão tapado em todos os seus próprios sentidos? Como é possível
alguém ter sido treinado para jamais acreditar sequer no que presencia?
Infelizmente, só percebi após
toda uma vida, e da pior maneira possível, quem realmente gostava de chutar
cachorro morto: era minha mãe.
Nem
ouvi falar. Pensando bem, faz muitos anos, décadas, que não tenho notícia. O Lacerdinha
é um inseto do tamanho de um mosquito pernilongo, só que preto, mais encorpado e sem as pernas longas. E o Lacerdinha não transmitia
doenças.
Não
era um mosquito, era um inseto pretinho que infestava o Leblon, principalmente as
transversais, numa certa época do ano. Minhas lembranças deles estão ligadas à
época em que morava na Rua José Linhares.
No
final da tarde, eram cigarras cantando e Lacerdinhas caindo das árvores. Às
vezes nos olhos. Ardia e coçava muito! Deixava os olhos inchados e mãe
preocupada.
Eles
eram atraídos por roupa clara, principalmente as amarelas. Por vezes, atingia
os olhos e provocavam irritação e ardência intensas.
Esses
minúsculos insetos - (mediam poucos milímetros) - eram chamados de Lacerdinha, em
referência a um antigo político carioca, Carlos Lacerda, governador no tempo do
estado da Guanabara.
Descobrimos
que eles ficavam nas folhas mais novas das árvores, que ainda estavam
enroladas. A gente as desenrolava e surgiam um monte de Lacerdinhas em seu
interior.
Para
mim, os Lacerdinhas despertam uma lembrança marcante. Uma história que me
provoca vergonha até hoje. Eu tinha uns 5/6 anos e era acostumado a brincar na
rua. Havia muitas crianças, tanto no meu prédio quanto nos vizinhos.
Naquele tempo no Leblon, a maioria das casas
tinha uma empregada que morava na favela Praia do Pinto ou na Cruzada São
Sebastião. Quando, por algum motivo, a empregada da minha mãe levava o filho
para o trabalho, no caso a minha casa, ele se tornava um amigo a mais, que
passaria o dia brincando comigo, meu irmão e nossos outros amigos.
Seu
apelido era Bilico, o nome era Bernardo, o dia era sábado, 10 de maio de 1969,
véspera do Dia das Mães. Dona Celestina e minha mãe estariam ocupadas
preparando o almoço comemorativo do dia seguinte.
Bilico
era muito gente boa, mais novo que eu, um ano. e mais velho que meu irmão
apenas alguns meses. Era negro com os dentes grandes e brancos. Era tímido, mas
engraçado, falava de uma maneira diferente que eu achava legal. Quando Bilico
passava o dia lá em casa fazia tudo junto comigo e meu irmão; assumia a nossa
rotina, almoçava, tomava banho, brincava, lanchava, descia para brincar conosco
e era sempre divertido.
Nesse
dia, Bilico chegou cedo tomou café conosco e descemos pra rua pra brincar.
Sábado não tinha aula e o dia era todo nosso.
Era
época de Lacerdinha.
Dentre
os garotos que brincavam na rua, tinha um que era especialmente assustador para
mim e meu irmão. O Arlindo era mais velho, mas não andava com os garotos da
idade dele. Andava conosco, dois a três anos a menos. Nessa idade, isso faz uma
grande diferença. Gostava de nos
intimidar e bater. Ninguém ficava com pena quando o pai dele aparecia
chamando-o, sempre gritando e batendo nele. Nós Também tínhamos medo do pai dele.
Nessa
tarde, estávamos catando Lacerdinhas nas árvores. Abríamos as folhas e
ficávamos observando os Lacerdinhas se mexendo lá dentro.
De
repente, o Arlindo pega uns Lacerdinhas no dedo e enfia com violência no olho
do Bilico, que observava, curioso, bem de pertinho.
− Tá com fome? Toma neguinho!
Arlindo
falou aquilo com mais raiva do que lhe era peculiar, todos tomamos um susto. E
ele nem conhecia o Bilico...
Bilico
começa a coçar o olho e a chorar com a ardência.
Todos
os meninos começaram a rir. Menos eu, meu irmão e o Bilico, que saiu andando e
chorando na direção da portaria do nosso prédio.
Lembro
que foi um sentimento estranho e desconfortável que eu nunca havia
experimentado antes (anos mais tarde eu saberia que o nome era
constrangimento), e que nunca me saiu da memória. Eu senti vergonha de alguma
coisa que não sabia o que era.
Bilico
não subiu para nossa casa, ficou num canto da portaria chorando baixinho. Falou
que se chegasse lá em cima chorando e com o olho inchado sua mãe iria brigar
com ele. Não queria que ele arrumasse confusão com os "filhos das
madames".
Depois
de algum tempo, ele parou de chorar e subimos. Pela escada. Naquela época, os
empregados e "pessoas de cor" só podiam subir pelo elevador de
serviço. Bilico só subia pela escada.
Quando chegamos em casa, a primeira coisa que Dona Celestina viu foi o
olho do filho inchado e muito vermelho. Não falou nada, mas fechou a cara.
Chamou o Bilico para a cozinha e de lá só o vimos quando eles foram embora, bem
mais tarde. Lembro bem da cara de choro dele se despedindo da gente.
Aquele
sábado me marcou para sempre.
Naquela
mesma noite, um misterioso e devastador incêndio irrompeu e tomou conta da
favela vizinha. Queimou por toda a madrugada e por muitas horas seguintes,
consumindo tudo e deixando centenas e centenas de família sem teto e sem nada.
Era dia 11 de maio de 1969, Dia das Mães.
A casa
da Dona Celestina e do Bilico pegou fogo e virou cinzas, junto com toda a
favela da Praia do Pinto.
Não sobrou nenhum barraco de pé.
Dona
Celestina nunca mais voltou, e o Bilico nunca mais veio passar o dia conosco.
Tenho
muitas saudades deles e me lembro dos dois com muito carinho. Até hoje...
Jorge havia passado sete anos no Tibet. Não porque fosse um
espiritualista nato, mas para fugir de uma grave acusação envolvendo brigas de
gangues que haviam culminado em homicídio. Ele não tivera participação direta
no evento, mas fazia parte da turma que participou do crime e não tinha como
provar que não estava no local no momento do ocorrido. Sem lhe restar esperança,
sua família o sugeriu uma fuga para algum lugar onde não pudesse ser encontrado.
Jorge tinha um primo que se tornara, há pouco, monge no
Tibet, que lhe ofereceu abrigo até que as coisas serenassem no Brasil. Para um
praticante de lutas e frequentador assíduo de brigas de rua ou qualquer coisa
parecida, seria uma mudança absoluta e, muitos apostaram, impossível.
Sem opção, Jorge partiu rumo ao Tibet. A caminho do
mosteiro onde ficaria hospedado, teve acesso as últimas notícias sobre o julgamento
de seu caso. Ele havia sido sentenciado há 8 anos de prisão, em regime fechado.
Jorge deu graças a Deus por estar tão longe, não suportaria nem um mês numa
penitenciária brasileira. Esse pensamento serenou sua alma.
Sete anos depois, Jorge aterrissa no galeão de volta a sua
cidade natal e já resolvido com a justiça brasileira. É seu recomeço.
Sente-se um homem completamente diferente daquele valentão
ridículo que fora um dia. Os ensinamentos que recebera o transportaram para outra
dimensão dentro de si mesmo. No caminho até a casa dos pais, em Copacabana a
primeira coisa que reconheceu foi a decadência do aeroporto, que já estava
decadente há sete anos. A segunda, foi o cheiro da baía de guanabara saindo da
ilha do governador. Nada mudara, mas, para ele, tudo mudara. Lembrou-se de um
dos princípios básicos da sabedoria tibetana: quando você muda por dentro, tudo
por fora muda junto.
Era verdade, nada do que via o incomodava mais.
Assim que terminou de tomar o café da manhã de boas-vindas
que os pais lhe haviam preparado, resolveu ir até a praia de Copacabana, sua
areia natal. Seus novos ares monásticos eram puro êxtase com tudo a sua volta. Os
pais, o velho porteiro do prédio, a secretária doméstica que o viu crescer e
todos que o viam exclamavam sobre a mudança impressionante que Jorge havia
sofrido.
Jorge, a cada observação de alguém, pensava:
“A mudança interior, realmente, provoca muitas mudanças no mundo ao redor."
Chegou na praia, sentou-se, colocou seu celular e sua carteira
ao lado e assumiu a postura tradicional de meditação. Havia poucas pessoas
naquele dia nublado. Fechou os olhos e, ao som do barulho das ondas, meditou
profundamente, Estava em paz.
Quando abriu os olhos, seu celular, sua carteira e toda
calma e serenidade, que havia trazido do Tibet, haviam sumido.
Copacabana não é para amadores, nem para monges.
Depois disso, Jorge desistiu de fundar um templo para meditação e abriu mais uma academia de Jiu-Jitsu em Copacabana.
por
uma espécie de paralisia, agoniante e insuportável.
É
como naquela brincadeira de criança que, de repente, alguém grita “estátua” e
todo mundo tem que parar na posição que estiver. Ninguém se mexe. A gente
pensa, mexe os olhos, respira, mas não se mexe.
São
muitas idéias, muitos projetos e uma falta total de ação. Uma impossibilidade
física de produzir, mesmo com toda a matéria prima pronta, organizada na
cabeça e energia saindo pelo ladrão. Falta aquele clique que desencadeia o desenrolar dos acontecimentos.
Mas, não clicamos. Adiamos. Não dá trabalho algum, mas não clicamos. Não
agimos, não fazemos o que temos e queremos fazer.
A ansiedade aumenta, o bolo no peito sufoca, porque falta-nos a ação. Como se o
nosso corpo não obedecesse ao comando. Uma agonia perturbadora que pode chegar a extremos.
O
cobrança por alto desempenho tem nos levado a quadros de ansiedade capazes de nos tirar o impulso de agir até mesmo para buscar ajuda . Além da cobrança do mercado de
trabalho temos, mais importante do que essa, a nossa própria cobrança interna, não raro, ainda mais cruel.
Esse
compromisso compulsório com algo que nem sabemos direito o que é, está presente o tempo inteiro, diariamente,
em todos os campos de atuação, nos fazendo adoecer e causando, muitas vezes, distúrbios incapacitantes. A ansiedade paralisante é apenas uma delas.
Gera
uma inquietação onipresente e oculta, que sempre tem como subproduto cumulativo as crenças negativas sobre si mesmo, que subtraem porções significativas de nossa qualidade de
vida e saúde, a cada minuto.
Não existe um motivo evidente que, por si só, justifique o estado
permanente de tensão. Mas, ele está lá, atrapalhando, incomodando e, às vezes,
paralisando. Uns dizem que é medo do sucesso, outros que é medo do fracasso. E,
por aí, se desenvolvem milhares de teorias que vendem como água no deserto, sob
a forma de literatura de autoajuda.
O
compromisso com o desempenho, em todos os aspectos, que nos é imposto por todos os lados reais e virtuais, é algo terrível que pode nos empurrar para uma vida muito pesada e
difícil.
Precisamos
deixar de lado essa cobrança cruel e desumana que a "sociedade", essa
entidade fantasmagórica que age nas sombras dos nossos próprios pensamentos,
nos impõe.
Quanto menor nosso autoconhecimento maior será essa influência
negativa, se manifestando nas várias formas desse transtorno paralisante. Ele pode chegar a níveis literalmente insuportáveis. Por vezes, até respirar fica difícil.
Quanto maior nosso autoconhecimento, autoestima, ferramentas psicológicas aprendidas e nossa rede de apoio humano, menos esse condicionamento social cruel e determinante nos influenciará.
Ainda
bem que vivemos em tempos onde as terapias oferecidas pela neuro-psicologia já
nos oferecem recursos para transformar toda essa agonia e ansiedade em
crescimento, evolução e qualidade de vida.
Acho fantásticas as oportunidades únicas que as mídias
sociais nos proporcionam para observar o comportamento humano. Não existe lugar
onde as pessoas se exponham mais. Conheço pouquíssimas que conseguiram se
manter à parte até agora.
Hoje, é a principal fonte de dados sobre hábitos,
comportamentos e opiniões. Não fossem as limitações impostas pelos famosos
algoritmos que limitam o alcance de cada perfil, os institutos de pesquisas
nunca mais teriam que sair às ruas.
Quem estuda para entender sobre pesquisa e estatística,
sabe como interpretar esses dados, podendo-se chegar a saber até a cor da roupa
de baixo que a pessoa usa, quantas vezes por dia vai ao banheiro ou bebe água.
Tenho algum conhecimento técnico de como tabular e
interpretar pesquisas, por ser publicitário e escritor, e isso tem uma valia
inestimável para subsidiar meus trabalhos.
Dentre algumas postagens recorrentes, uma tem me chamado a
atenção em especial: a exaltação das surras de cinto, de sandálias, tapas e
outras lembranças da truculência e agressividade de certas práticas
"educacionais" praticadas até poucos anos.
Causa-me estranheza a que ponto chega o saudosismo e a
melancolia de alguns. Além, é claro, da falta de conhecimento sobre os
incríveis avanços da ciência em todos as áreas do desenvolvimento humano.
Nunca pensei que veria meus contemporâneos se tornarem tão
reacionários e resistentes a passagem do tempo, aos avanços dos conceitos,
costumes e entendimentos sobre os processos que nos constituem, a ponto de
fazerem declarações louvando surras de cinto e outras barbaridades praticadas e
que, graças a evolução dos conhecimentos, foram banidas da esfera do aceitável.
As mesmas pessoas que proclamavam a paz e o amor no final
do século 20, hoje, se dizem saudosas das surras de sandália ou de um tapa
estalando na pele. Cadê a paz e o amor, principalmente com os filhos? Era só
modinha? Parece que no Brasil, era sim.
Quando vejo as surras com sandálias, cintos e varas sendo
consideradas e saudadas como “ferramentas educacionais” que fazem falta
"hoje em dia", sinto muito mais pena do que raiva.
Quem tem saudade de um tempo em que apanhava com aqueles
apetrechos é porque deve estar, atualmente, apanhando muito mais dolorosamente
da vida. Deve estar se sentindo tão excluído do mundo, que o ruim de ontem lhe
parece melhor do que a vida lhes oferece hoje.
A raiva deve ser tanta que o desejo é sair dando porrada em
tudo que lhes desagrada, pela solidão que a evolução lhes impõe, por não
conseguir compreendê-la.
Mas, essa obsolescência
tem cura; o conhecimento e a autodeterminação.
Há sempre coisas novas a serem descobertas, coisas interessantes, sejam
quais forem os interesses.
Novidades estão sendo criadas, descobertas e pensadas todos
os dias. E, não existe melhor forma de manter a importância da vida do que se
importar com ela, do que cultivar a curiosidade. Do que continuar tendo a sede de saber os porquês.
A vida só se importa com quem se importa com ela.
A certeza é a pior inimiga da evolução. Quem acumula muitas
certezas e não deixa espaço para novas dúvidas e mudanças, se torna obsoleto.
O obsoleto não tem mais importância, não tem serventia e já
não conta mais, é carta fora do baralho.
Deve ser muito triste se sentir obsoleto, que é a mais
dolorosa característica de quem perde o trem da história; a inutilidade
existencial.
Para esses, a passagem do tempo arde muito mais do que o
mais ardido dos merthiolates de antigamente.
Não estou
falando do programa da Globo que deu origem ao que, hoje, é um rótulo
cinematográfico brasileiro para designar produções açucaradas e fantasiosas. Em
tempos de streaming, filme tipo Sessão da tarde pode ser em qualquer horário.
Basta ser um daqueles em que o bem vence o mal, a amizade vence o egoísmo e o
amor vence tudo.A gente precisa disso,
de sonhos, de esperança e de utopias ingênuas e aleatórias.
É assim que nós, seres humanos, conseguimos nos reabastecer
de esperança para continuar nossas batalhas pessoais, superpotencializando
nossas qualidades e projetando-as em heróis e heroínas, que são tudo que não
conseguimos ser em nosso dia a dia. E, já que a neurociência caminha para
provar que realidade é uma “produção cinematográfica” original e única, do
cérebro de cada um de nós, às vezes, é preciso fabricar ao menos a ilusão de um
final feliz, embarcando na beleza dos contos, quase infantis.
É a nossa hora do recreio na vida, um intervalo na
realidade, onde brincamos e nos reabastecemos de sonhos e nos permitimos viver
mais leves, provando que todos nós, no fundo, ansiamos pela redenção da vida.
Por aqueles momentos em que temos certeza absoluta de que a
vida, às vezes, tem até trilha sonora e que vale, mesmo a pena, ser vivida.
Janeiro de 1985. Verão quente, ano novinho em folha e o
maior festival de Rock de todos os tempos há pouco mais de uma hora de
distância de pular do meu mais improvável sonho para o maior palco que eu já
havia visto na minha frente.
Uma linha especial de ônibus foi criada, exclusivamente,
para levar o público do festival, coletando-o a partir de vários pontos
determinados do Rio de Janeiro.
Eu e uma galera gigante do Leblon, terminamos de lotar um
dos ônibus logo no primeiro ponto. A tensão, a expectativa e a proximidade de
algo tão especial gerava o tipo de ansiedade mais saudável que existe, aquela
que nos faz entender totalmente a expressão "rindo à toa". No ônibus cheio, os sorrisos à mostra eram
tão evidentes, que a impressão é que alguém contou uma hilária e interminável
piada. Qualquer movimento virava motivo para uma gargalhada.
Chegamos ao local do festival ainda dia claro, poucos
minutos antes dos portões serem abertos. Todos os dias o ritual era o mesmo. Os
portões se abriam, passávamos pelas roletas e pela revista da segurança, que só
estava interessada em coibir armas e objetos metálicos.
Cigarros podiam, de todos os tipos.
O pôr do sol foi deslumbrante, com ultraleves voando por
sobre um público jovem e absolutamente extasiado diante da grandiosidade de
tudo em volta. A paisagem, o sol se pondo nas montanhas da cidade maravilhosa e
os primeiros acordes da música tema do festival tocando numa altura e qualidade
de som que o Brasil nunca havia ouvido.
"Todos numa direção, numa só voz, numa canção
Todos num só coração, num céu de estrelas...
Se a vida começasse agora, se o mundo fosse nosso de vez,
Se a gente não parasse mais de sonhar...de cantar....de
viver."
E todos cantavam com a propriedade contagiante e autêntica
dos jovens dos anos 1970 e 80, que viviam numa cidade que desejava Paz e Amor e
acreditava nisso, por mais ingênuo que, hoje, isso possa parecer.
E, foi nesse clima que assisti a um show mágico e
maravilhoso do cantor James Taylor, num sábado ainda sem chuva, num céu
completa e absurdamente estrelado, sentado ao lado de dezenas de amigos que
ouviram aquelas mesmas músicas, comigo, nas festinhas de adolescentes.
Foi um dos shows mais emocionantes que já presenciei.
Aquela noite, houve uma catarse gigante entre o público e
um James Taylor extasiado diante de 250 mil pessoas que cantavam junto suas
músicas. Ele estava vindo de um período de declínio acentuado na carreira, e
naquela noite, aconteceu sua redenção.
O sucesso daquela
apresentação teve uma repercussão tão grande e impressionante que impulsionou
novamente sua carreira, e ele sentiu isso ainda no palco, durante a
apresentação.
E externou essa emoção através da sua arte, presenteando o
público com uma apresentação emocionada, emocionante e perfeita, e muito mais
longa do que o que estava previsto.
Tocou e cantou com o entusiasmo de um iniciante, todos os
seus grandes sucessos, não faltou nenhum.
O que se passou foi
sublime, uma poesia em forma de vida.
Público e artista vivendo, durante mais de duas horas e meia,
a mesma intensidade de emoções que ficaria, para sempre, na história de ambos.
O primeiro Rock in Rio me presenteou, ainda, com um show
inesquecível da banda inglesa QUEEN, onde foi feita a histórica filmagem do
coro de mais de trezentas mil pessoas cantando a música “Love of My Life”,
perpetuando aquele como um dos grandes momentos da carreira da Banda e do
lendário Fred Mercury.
Presenciei ele, e todos os músicos da banda QUEEN, ficarem
em absoluto estado de graça e completamente extasiados com o que estavam
assistindo. A emoção deles era visível.
Eu vi, estava lá e cantei junto.
E, no último dia, assisti, pela primeira vez, a banda que
mais toca a minha alma: a lendária banda inglesa YES.
A emoção mágica que senti vendo aquela apresentação incrível
e deslumbrante, permanece até hoje.
Foi perfeito para fechar o último dia do maior festival de
Rock de Todos os Tempos.
Essa é a minha parte da história de um Festival que ficou
para a história de muitas e muitas gerações e virou uma lenda no mundo inteiro.
estão degradados, aviltados e
estuprados em suas essências.
Bilhões de escravos de poucos
senhores. Senhores que também sofrem. Um sofrimento invisível e constante,
onipresente e multi-estimulado.
Nossa civilização é nossa
principal doença. A ausência de sentido faz milhares de vítimas fatais de si
mesmas por dia.
Na era das relações líquidas,
que Zygmunt Bauman descreve com tanta precisão, a nuvem de insegurança e medo que
sempre pairou sobre a humanidade, cresceu muito e abarcou todos os tipos e
níveis de relações, indiscriminadamente. O resultado é a sensação de desamparo absoluto
e geral.
Mas, é mais do que isso. Todos
sentem, mas não sabem o quê, exatamente, sentem. Apenas sentem um incomodo terrível e
inominável.
Algo concreto e, ao mesmo
tempo, muito difuso, quase metafísico.
Não sabemos porque sofremos,
apenas sabemos que sofremos. É um sofrimento tão visceral e
tão escondido que nunca foi nomeado.
É um sentimento sem nome.
Uma sensação, uma emoção, um
estado de angústia que é constantemente descrito, mas que nunca se chegou a um
consenso sobre seu nome e aonde se esconde em nós.
E que ninguém conta para
ninguém. E todos fingem que não sofrem, porque não sabem que o outro também
sofre.
Por ajudar a esconder tudo
isso de nós mesmos, é que fazem tanto sucesso os Facebooks, Instagrans, Tik
toks, Tinders, WhatsApp e toda sorte de mídias sociais para todas as bolhas e
taras.
É muito pesado admitir o
próprio sofrimento, é melhor fingir que ele não existe, porque, afinal, nem
sabemos porque ele existe e, apesar de seu peso insuportável, não temos forças
para arregaçar as mangas, deixar todo o resto de lado e partir em busca de uma
solução, qualquer solução, que faça a vida valer a pena.
A admissão de um sofrimento
endógeno e inexplicado, que parece ser inato na maioria dos humanos, é um dos
maiores tabus da contemporaneidade.
Me arrisco a dizer que esse
sofrimento fantasma é a mãe de todos os tormentos.
Será que o âmago dessa questão
continua sendo a nossa consciência da própria morte que, por nos causar tamanho
pavor, termina por nos impedir de usufruir plenamente o esplendor da vida?
O ser humano não teme apenas a
própria morte, teme, também, a morte de tudo e de todos que ama.
É muita morte para temer.
Precisamos nos ajudar a
transformar esse labirinto em um caminho apreciável.