COACH LITERÁRIO

O ORIENTADOR LITERÁRIO é um profissional que acompanha, ensina e participa de todo processo de criação de um livro. Um profissional técnico, especializado em criação, um professor de escrita e um parceiro, ao mesmo tempo. Experimente, é terapêutico e libertador. Perpetue as histórias que só você tem para contar.
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MOLECAGEM

 

- Bom dia, “Seu” Tatá! Saudou o porteiro.

- Bom dia, campeão!

        É assim que o Sr. Otávio é conhecido e cumprimentado por todos naquele quarteirão de Copacabana. Seu Tatá é conhecido por todos os comerciantes legais e ilegais daquela região. Depois da morte da esposa, a manifestação de solidariedade de todos o deixou ainda mais próximo e grato a todas aquelas pessoas que o adotaram. Graças ao apoio que recebeu, em vez de se trancar em casa, passou a circular pela região só para conversar com o pessoal. Após o luto, recuperou-se de tal forma que poucos poderiam imaginar.

 Não tinha filhos, morava sozinho e tinha uma aposentadoria que lhe bastava. Mas, o que mais colaborou para a recuperação do seu Tatá, depois da viuvez, foi o reencontro com os amigos da juventude que ainda estavam vivos, depois que a filha do vizinho o convenceu a comprar um notebook e abriu uma conta para ele em todas as mídias sociais.

Ele se deslumbrou. Passava horas e horas procurando antigos amigos, namoradas, conhecidos, recortes de jornais de época, vídeos antigos e tudo mais que fazia parte de sua memória afetiva. Em algumas tardes, voltava no tempo.

Segundo seu médico, ele vinha apresentando melhoras em todos os índices e marcadores que os exames podem mostrar. Seu estado de espírito parecia ter sido mergulhado na fonte da juventude. Para completar o quadro, encontrou 5 amigos que ainda estavam vivos, pelo facebook e, pasmem, que ainda moravam em Copacabana.

Passaram a se encontrar todos os dias na praça do Bairro Peixoto, onde se divertiam e partilhavam memórias e vivências.

Seu Tatá parecia ter voltado à juventude. Até o dia em que acordou com o barulho de máquinas bem embaixo de sua janela. Era no terreno ao lado, que estava sendo preparado para virar um galpão para estacionamento.

Ele aguentou o barulho por vários dias, apesar daquilo o irritar profundamente. 

Mas, fazer o quê? Pelo menos durava só até umas 5 horas da tarde.

Até o dia, ou melhor a noite, em que a obra do piso cimentado estava no final e três máquinas semelhantes a grandes enceradoras domésticas antigas, do seu tempo, invadiram a noite com seus barulhos não muito altos, mas extremamente irritantes.

Quando Seu Tatá acordou de um cochilo, às 8 horas da noite, as máquinas ainda estavam trabalhando e aquilo o irritou ainda mais. Com certeza, aqueles infelizes iriam até às 10 da noite com aquele barulho. Se não parassem ele ligaria para a polícia, afinal é para isso que existe a Lei do silêncio, pelo menos na época dele existia e as pessoas e as obras respeitavam certas convenções de boa vizinhança.

Às 10:30 da noite não havia nem sinal de que as máquinas iriam parar. À essa altura, Seu Tatá já estava bastante irritado e sentia-se enraivecido como há tanto tempo que nem se lembrava mais. Pegou o telefone para ligar para a polícia e pensou que de nada adiantaria. Iria demorar tanto até a polícia chegar, se chegasse, que os operários já teriam parado e de nada teria adiantado sua irritação e o chamado telefônico.

Mas, ele precisava fazer alguma coisa.

Foi até a geladeira se lembrando de como era bom ter sido um moleque bicho solto...Só de pensar no que iria fazer sua pressão arterial diminuiu, sua glicose baixou e quase teve uma ereção.

Pegou uma caixa de ovos, apagou as luzes do apartamento, fechou as cortinas, mas não as janelas. E começou a jogar os ovos nos três homens que operavam as máquinas e em mais um que fiscalizava. Jogava e se escondia, rindo sem parar. Cada ovo jogado era uma sessão de risadas. E o velho tinha uma excelente mira...

O que lhe causou uma crise de riso impagável.

Não precisou mais do que meia dúzia de ovos para que a primeira máquina fosse desligada e em seguida as outras.

Naquela noite Seu Tatá dormiu com um anjinho.

Edmir Saint-Clair




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