De repente, ele começou a ouvir uma voz em seus em sonhos.
A lembrança era clara porque fora completamente
diferente de tudo que já havia sonhado antes.
Ficou
apavorado. Acordou assustado, ainda não havia amanhecido. Sua respiração estava
ofegante e demorou até saber onde estava; deitado em seu quarto, em sua cama.
Não
conseguiu mais dormir, estava muito impressionado com aquela voz que não pode
identificar. Não era conhecida, nem familiar, mas era aconchegante.
Foi
até a cozinha colocar água para fazer o café. Quando voltou e abriu a torneira
da pia para escovar os dentes, a voz já não lhe soava tão clara, tampouco se
lembrava do que ela dissera.
Quando
estava na varanda tomando seu café forte, puxou pela memória que parecia se
distanciar como uma gaivota no horizonte. O nascer do sol estava lindo e meia hora
depois já não se lembrava de mais de nada. A não ser que uma voz num sonho lhe causara
uma impressão profunda que ele não conseguia tirar dos seus pensamentos. Esse
foi o primeiro dos muitos eventos que estavam por acontecer.
O
desenrolar do dia e dos afazeres terminaram por apagar completamente a
lembrança. Após o almoço, não existia mais.
Duas
semanas após, o mesmo evento se repetiu com uma fidelidade improvável. Sua
angustia foi muito maior do que no despertar da primeira noite. A única
diferença, e mais agoniante, é que nessa segunda vez conseguiu reter ainda
menos detalhes do na anterior. Apenas o suficiente para se aproximar da certeza
de que fora absoluta e estranhamente igual.
Dessa
vez, demorou mais tempo para retornar a sua rotina sem sentir aquele incomodo
esquisito e inexplicável.
Não
demorou para que o evento se repetisse. Apenas alguns dias e dessa vez o
impressionou ainda mais, a ponto de atrapalhar uma série de acontecimentos profissionais
de sua rotina. Não conseguia se concentrar em mais nada. Naquela noite, tomou dois
gr. a mais de diazepam e mais um histamínico para adormecer mais rápido. E foi
dormir tentando lembrar-se de qualquer detalhe a mais sobre aquela voz. Sequer conseguia
definir se era masculina ou feminina. Menos ainda sobre o que falava.
Na
repetição seguinte a coisa se complicou ainda mais. Quando acordou, após o
mesmo sonho, manteve-se parado na mesma posição, haviam lhe falado que isso
facilitava a retenção da lembrança. Passados alguns minutos, não achou que
estivesse fazendo algum efeito no seu caso. Até chegar ao banheiro e, enquanto
colocava pasta de dentes na escova, resmungar:
— Se
essa voz falasse quando estou acordado seria muito mais fácil entender... ô vozinha burra!
Talvez
por já não estar levando aqueles sonhos tão a sério, acordara de bom humor
naquele dia. Até ouvir nitidamente:
—
Então está certo. Você se acha capaz de me ouvir conscientemente? Espero que sim...
Rodrigo
foi encontrado desacordado no banheiro pela diarista, que o acordou tão
assustada quanto ele. Acontece que, daquela manhã em que desmaiara até o dia em
que foi encontrado, havia se passado três dias. O evento se tornava mais surreal pelo fato de
que a diarista havia ido trabalhar na casa de Rodrigo naqueles mesmos três
dias, e ele não estava em casa. Ela limpara a casa inteira, incluindo o
banheiro onde ele foi encontrado, e, definitivamente ele não se encontrava
naquela casa durante aqueles dias. Na agência, ele também faltara aos mesmos três
últimos dias de trabalho.
Sua
última lembrança era a imagem da expressão aterrorizada de seu próprio rosto no
reflexo do espelho. Ele nunca conseguiu se lembrar de nada do que aconteceu naqueles
dias subsequentes.