De
repente, ele se deu conta que as coisas começavam a entrar num sincronismo que há
muito não existia. Pequenos detalhes se encaixando no momento certo.
O
sabonete, que acabava no meio do banho, agora tem outro novinho à mão. A toalha,
que ele não se esquecera de pegar, a mesma que só se lembrava de não tê-la pego
quando estava fechando o chuveiro. O banho, que sempre lhe trouxe bem estar, ainda
mais no verão carioca. A depressão havia lhe tirado todos os prazeres, até o da
higiene.
De
repente, o encadeamento dos eventos rotineiros parecia entrar em sintonia, um
acontecimento não atrapalha mais o outro, agora, todos parecem se complementar. Ele começou a perceber um aumento na
capacidade de tomar pequenas decisões, como a que o fez comprar o sabonete
antes que o outro acabasse, como era comum acontecer. A depressão lhe tirara a
capacidade de decidir sobre tudo e qualquer coisa.
Seu
cérebro estava se curando, buscando a estabilidade, a homeostase, se
consertando.
Ele
sabe que se não atrapalhar seu cérebro, tudo vai continuar a entrar, cada vez
mais, em sintonia.
Sintonia com o quê ou quem? Consigo mesmo. Com a sensação de se bastar,
de não precisar de nada além da água caindo sobre seu corpo para ter aquela
sensação de plenitude que sentia naquele agora.
Percebeu
que estava fora do inferno. Um profundo alívio, do qual sobreveio uma leveza
indescritível. Perdeu o sentido de
urgência, a ansiedade se dissipou.
Não
foi mágica, foi ajuda, pedira socorro. Sozinho, teria morrido. Foi terapia, foi
neuropsicologia. Foi a ciência que ajudou seu cérebro a se curar, deixando-o
ser maravilhosamente fantástico como o de todos os seres humanos, permitindo
que se reprocessasse e arrumasse toda a bagunça. A ciência fora capaz de lhe
curar, intercedendo, efetivamente, na desensibilização e reprocessamento de
traumas que lhe afetavam muito mais do que supunha sua vã filosofia.
Até
aquele momento, ele não acreditava que sairia daquele mundo de horror chamado
depressão. Ninguém que esteja passando por ela acredita que possa vencê-la, faz
parte da doença.
Naquele
momento, a água, o sabonete e a toalha lhe mostraram que ele estava de volta à
vida.
Sobrevivera.