ORIENTADOR LITERÁRIO

O ORIENTADOR LITERÁRIO - especializado em redação criativa - desperte sua criatividade adormecida.
Mostrando postagens com marcador Pensamentos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Pensamentos. Mostrar todas as postagens

ONDE MORA O DEUS DE CADA UM

“Quem olha para fora, sonha.

Quem olha para dentro, desperta.”

– Carl Gustav Jung

 

    A espiritualidade, em sua forma mais honesta, não se revela em templos, nem se organiza em rituais.

  Ela se desenvolve de forma intuitiva, a partir daquilo que cada um vive, sente e interpreta.

  Em geral, começa influenciada pela família, mas só amadurece na medida em que cada um estabelece uma relação particular com essa dimensão interna.

  É uma experiência subjetiva e profundamente humana.

  Espiritualidade nada tem a ver com religião.

   A tentativa de institucionalizar a espiritualidade gerou uma legião de atravessadores da fé: padres, pastores, gurus, monges, líderes espirituais e vendedores de promessas.

  Todos se colocam entre o indivíduo e sua experiência interior, como se fossem corretores do sagrado.

  Criaram rituais, dogmas, doutrinas — e, com isso, mercados, hierarquias e dependências.

  Transformaram aquilo que deveria ser íntimo em espetáculo. E a paz da alma em produto vendável.

   A verdade é que a espiritualidade autêntica se parece mais com um ato íntimo do que com uma cerimônia pública.

  Ela exige recolhimento, presença integral e privacidade.

  Não deve ser compartilhada em voz alta, nem delegada a terceiros.

  Se fôssemos honestos, admitiríamos: a espiritualidade se assemelha muito mais à masturbação do que à missa, aos cultos ou a quaisquer outros rituais.

  É solitária, subjetiva, silenciosa.

   A neurociência já identificou padrões de ativação cerebral ligados a estados de contemplação profunda, meditação, êxtase e sensação de conexão com algo maior.

  Essas experiências não vêm de fora — são geradas internamente, no cruzamento entre memória, emoção, percepção e silêncio.

  Não há um “canal espiritual” universal. Cada cérebro constrói o seu.

  A transcendência, quando ocorre, é sempre uma construção subjetiva do próprio sistema nervoso.

  É uma descarga interna — e, por isso mesmo, intransferível.

   É mais fácil seguir fórmulas prontas do que suportar o silêncio da própria busca.

  Por isso, tanta gente prefere obedecer a dogmas, repetir mantras decorados ou pagar por bênçãos, em vez de sentar sozinha consigo mesma.

  Não há crescimento espiritual autêntico sem a coragem de assumir a total respondabilidade pela própria transcendência.

  A maturidade espiritual começa quando deixamos de procurar guias e passamos a ouvir o que já está em nós — mesmo que confuso, fragmentado ou incômodo.

   No fim, a espiritualidade legítima não precisa de púlpito, nem de plateia, nem de manual de instruções.

  Ela começa no momento em que você para de procurar fora — e se arrisca a habitar o seu próprio vazio.

  Porque é ali, e só ali, que habita o que chamamos de sagrado.

  É lá que mora o Deus de cada um.

Edmir Saint-Clair

---------------------------------------------------------

O MEDO DA MUDANÇA




"A mudança é a única coisa permanente." Heráclito (500 A.C.)".

"...e a incerteza, a única certeza".  Zigmund Bauman - (2.500 anos depois).

O medo está nos rondando o tempo todo, nos fazendo engolir sapos maiores que a boca. Sem que tenhamos consciência de quais são seus gatilhos, aparece, de repente, tentando encaixar as nossas atitudes e, pior, as dos outros também, em modelos que nem sabemos se servem aos nossos anseios. Tudo para termos a sensação de segurança.

Quanto mais previsível, quanto menos mudanças na rotina, mais seguro o ser humano se imagina. A, estranhamente, chamada zona de conforto, de conforto não tem nada. O nome certo é zona de tédio, uma ilusão maléfica causada pelo medo que a simples idéia de mudança provoca. Mas, as mudanças ocorrem o tempo todo, percebamos ou não. Não dependem da nossa vontade.

O medo da mudança é uma força poderosa e vive escondido nas pequenas coisas e, é, na maioria das vezes, o grande responsável pelos maiores sofrimentos.

Ouvi de um amigo psicanalista, algo que me ficou na cabeça e que os anos só reforçaram a verdade que traduz:

− "O ser humano se sente seguro vivendo uma rotina previsível, mesmo que isso signifique viver em péssimas situações, aparentemente insustentáveis, se vistas por alguém de fora mas, que ele já conhece e está acostumado. É péssimo, mas é um péssimo que ele conhece. Essa força é tão poderosa que a simples idéia de romper com a situação e partir para algo novo pode causar pânico a algumas pessoas. O ser humano prefere ficar no sofrimento conhecido a arriscar qualquer outra coisa que ele não conheça. ”

Não raras vezes, nos deparamos com essa realidade em vários aspectos. Nas relações familiares, profissionais, amorosas, fraternas e quantos mais pensarmos.

Admiro as pessoas que conseguem se desvencilhar rápido de situações incômodas. É claro que tudo tem sua peculiaridade e nada pode ser posto numa mesma sacola. Mas, existe uma linha, que pode não ser nem um pouco tênue, de onde, a partir dali, qualquer um tem certeza do dano que aquela situação está trazendo a um, ou a quantos mais estiverem envolvidos.

Seja em que âmbito for, chega um momento em que o desgaste é tão profundo e incomodo que a mudança é absolutamente inevitável e urgente. E; isso sempre gera insegurança, que é outro nome para o medo.

Nas relações amorosas isso é ainda mais nítido. Do início da descida até se esborrachar no fim, a gente vem se ralando todo, ladeira abaixo. E, não raras vezes, essa ladeira dura anos. Imagine quanta ralação, quantos machucados daqueles bem ardidos poderiam ser evitados.

É bem doloroso. O que esquecemos é que podemos, a qualquer momento, interromper essa descida e evitar mais machucados. Saber interrompê-la antes que os traumas se aprofundem demais é o que decide como estaremos preparados para próximos relacionamentos. Essa decisão é das mais sérias com as quais nos deparamos na vida: a hora de parar. Há um momento que temos que dar um fim a uma situação de sofrimento e não olhar mais para trás. Por uma questão de sobrevivência e sanidade.

Saber a hora de parar de sofrer é fundamental para não perder a crença em si mesmo. É necessário acreditar que podemos produzir nossa própria felicidade. E, antes, precisamos crer que somos capazes de nos proteger, de cuidar de nós mesmos, adequadamente. Porque, quantos mais machucados estivermos, mais tempo esses traumas levarão para cicatrizar. Isso significa que precisaremos de mais tempo para nos recompor até estarmos prontos para uma nova relação. E a vida não espera. O tempo passa. E, dependendo da intensidade e quantidade dos eventos traumáticos, e dos recursos disponíveis para enfrentá-los (terapias e redes de apoio), essa recomposição pode ser bastante demorada.

É importante sermos sinceros ao nos respondermos às nossas próprias perguntas. Precisamos saber pelo menos o que pensamos, de verdade, sobre nossos próprios assuntos e sentimentos. Precisamos estipular nossos limites. A Tolerância é necessária, sem ela não se vive em sociedade, não se aprende e nem se evolui. Mas, a partir de um tênue limite, passa a ser submissão, conformismo e covardia.

Vivemos como se houvesse um modo certo e outro errado de realizarmos nossa vida. Como se houvesse um gabarito. Não há. Ninguém nasce com manual ou destino traçado. Tudo que fazemos é inédito. Algumas vezes, é imprevisível, simplesmente porque ninguém fez daquele jeito antes. Do seu jeito, original é único.

Mudar dá medo. Principalmente, quando a decisão de mudança envolve coisas básicas como mudar de casa, ficar sozinho, trocar um emprego medíocre, mas que paga as contas, por um projeto que, se der certo, vai te dar a vida que você deseja (isso não está ligado a dinheiro necessariamente!). Mas, que, também, pode dar errado. 

E daí? Tudo pode dar errado, principalmente, o que está dando certo. Já que o que está dando errado, se mudar, só pode mudar para dar certo. 

Se der errado é porque não mudou. Então, vai ter que mudar de novo. Até dar certo. E, pode ter certeza, uma das coisas que mais ajudam a persistir até que dê certo, é o bom humor. Sem ele a vida não tem graça. É preciso brincar de ser feliz, pelo menos...

Ou seja, veja-se por que ângulo for, é preciso estar aberto à mudança sempre. Inclusive, para que o que já está dando certo, continue dando.

Edmir Saint-Clair

Gostou?  👇  Compartilhe com seus amigos




O SOFRIMENTO FANTASMA

 


O mundo está em sofrimento. 

O mundo animal e vegetal, aquático e terrestre 

estão degradados, aviltados e estuprados em suas essências.

Bilhões de escravos de poucos senhores. Senhores que também sofrem. Um sofrimento invisível e constante, onipresente e multi-estimulado.

Nossa civilização é nossa principal doença. A ausência de sentido faz milhares de vítimas fatais de si mesmas por dia.

Na era das relações líquidas, que Zygmunt Bauman descreve com tanta precisão, a nuvem de insegurança e medo que sempre pairou sobre a humanidade, cresceu muito e abarcou todos os tipos e níveis de relações, indiscriminadamente. O resultado é a sensação de desamparo absoluto e geral.

Mas, é mais do que isso. Todos sentem, mas não sabem o quê, exatamente,  sentem. Apenas sentem um incomodo terrível e inominável.

Algo concreto e, ao mesmo tempo, muito difuso, quase metafísico.

Não sabemos porque sofremos, apenas sabemos que sofremos. É um sofrimento tão visceral e tão escondido que nunca foi nomeado.

É um sentimento sem nome.

Uma sensação, uma emoção, um estado de angústia que é constantemente descrito, mas que nunca se chegou a um consenso sobre seu nome e aonde se esconde em nós.

E que ninguém conta para ninguém. E todos fingem que não sofrem, porque não sabem que o outro também sofre.

Por ajudar a esconder tudo isso de nós mesmos, é que fazem tanto sucesso os Facebooks, Instagrans, Tik toks, Tinders, WhatsApp e toda sorte de mídias sociais para todas as bolhas e taras.

É muito pesado admitir o próprio sofrimento, é melhor fingir que ele não existe, porque, afinal, nem sabemos porque ele existe e, apesar de seu peso insuportável, não temos forças para arregaçar as mangas, deixar todo o resto de lado e partir em busca de uma solução, qualquer solução, que faça a vida valer a pena.

A admissão de um sofrimento endógeno e inexplicado, que parece ser inato na maioria dos humanos, é um dos maiores tabus da contemporaneidade.

Me arrisco a dizer que esse sofrimento fantasma é a mãe de todos os tormentos.

Será que o âmago dessa questão continua sendo a nossa consciência da própria morte que, por nos causar tamanho pavor, termina por nos impedir de usufruir plenamente o esplendor da vida?

O ser humano não teme apenas a própria morte, teme, também, a morte de tudo e de todos que ama.

É muita morte para temer.

Precisamos nos ajudar a transformar esse labirinto em um caminho apreciável.

E só conseguiremos fazer isso, juntos.

 Edmir Saint-Clair