ORIENTADOR LITERÁRIO

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FÉ NA CULPA - Poesia

 


De quem é essa culpa pairando sobre todos,

O tempo todo,

Esse peso que transcende a vida,

 Que tristeza é essa?

Por trás da beleza de todo por do sol,

                                       De cada lembrança,

De cada emoção mais profunda,

De onde vem essa melancolia transcendental,

                                               Que inventa um carnaval,

Mas que nunca vira cinzas,

                                             Nem naquelas quartas-feiras,

É a fé na culpa,

 Que só sente quem não a tem.

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PESSOAS ADMIRÁVEIS

 

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ANJOS DO FUTURO - 1 - DANIEL

 

O almoço com o amigo o deixara mais animado. Era a primeira vez que saía de casa depois da volta do hospital. Foram caminhando até a porta do prédio onde Daniel iria ter sua primeira sessão de psicanálise após a crise de pânico que o levara a ser internado.

Enquanto esperava ser chamado pelo psicanalista, Daniel ficou olhando aquela antessala escura, com móveis sem personalidade alguma e reproduções de obras surrealistas. A má impressão inicial deu lugar a uma simpatia imediata assim que o Dr. Luciano o recebeu. A sessão correu melhor do que esperava e, ao sair, ele tinha certeza de ter encontrado o profissional certo para tratá-lo.

Quando saiu do prédio onde fica o consultório, a Av. N.S. de Copacabana estava fervilhando. O burburinho de pessoas, carros, ônibus, transeuntes e camelôs era enervante. 

Ele se sentia profundamente triste e tudo o irritava de forma doentia. Caminhou até a praia, onde havia estacionado o carro, e diante do trânsito de 6 horas da tarde na Av. Atlântica, resolveu ver o pôr do sol na praia. Só então, percebeu que não havia sequer pensado em ligar para o escritório, isto o fez sentir-se menos neurótico. Caminhou até o arpoador e sentou-se na ponta da pedra que mais avança sobre o mar. A brisa sopra fraca e gostosa, e o barulho das ondas nas pedras é acolhedor. Estava deprimido como já era de costume, mas, pelo menos dessa vez, estava com vontade de não estar.

 O sol, as cores, as ilhas, a praia, tudo em seu lugar. Fechou os olhos para que o barulho das ondas se acentuasse e com os olhos fechados reproduziu a paisagem em sua mente, começou a repetir a brincadeira. A brisa e o barulho, ele sentia mais intensamente de olhos fechados, e tentava reproduzir exatamente a paisagem que estava vendo. Em seguida, abria os olhos para checar a semelhança com a imagem real. A primeira coisa que reparou é que na paisagem real as cores tinham mais brilho. Tudo tinha mais brilho. Fechou os olhos novamente, e o brilho continuava fraco, por mais que se esforçasse não conseguia reproduzir o brilho real em sua mente. Numa das várias vezes em que fechou os olhos, percebeu uma presença muito próxima, e ouviu claramente uma voz dizer:

            - O brilho das duas deve ser igual.

            Ele abriu os olhos rapidamente e procurou em volta, sem ver ninguém que estivesse a uma distância plausível de poder falar-lhe ao ouvido e se afastar com tanta rapidez.  Muito esquisito. Ele tinha certeza e ainda tinha, com clareza, a lembrança do som da voz que ouvira.

Daniel não sabia, mas a mudança estava apenas começando.

Haveria outros sinais.

 (Continua...)

Edmir Saint-Clair

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TEMPO E DINHEIRO

 
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TUDO É MUITO RELATIVO...

 

                O Sr. Montelate mora há tanto tempo no bairro que ninguém mais sabe dizer há quantas décadas. Já faz parte do mobiliário urbano da região do bar Clipper. Mas, é conhecido em todos os bares, docerias, lanchonetes e barraquinhas de cachorro quente da esquina do Shopping Leblon até os bares da praça do Jóquei. Sempre foi idoso, a impressão que se tem é que ele já nasceu idoso. Seus filhos já são idosos, seus netos quase e seus bisnetos praticam todos os esportes que existem pela orla, do leme ao pontal. Todos são exemplos de sáude desportiva. Seus filhos já foram mas, há alguns anos, começaram a ser vistos com o pai frequentando todos os botecos e restaurantes do Leblon.

A família é movida à álcool e gordura animal. A partir de certa idade, eram o pior exemplo de péssima alimentação que se pode imaginar. Não se sabe bem como o Sr. Montelate era antes de entrar nessa fase, mas conta-se que ele foi um dos primeiros surfistas do Arpoador. Ele desmente. Diz que só descobriu a vida com as linguiças fritas dos botecos, o rabo-de-galo do finado Senegal e com as comidas de raiz, como ele as chama. Tudo numa época em que a única distinção que comida de boteco ganhava era o lacre de interdição da vigilância sanitária. Hoje é tudo gourmet.

Sua idade é um mistério, mas sabe-se que é bem antigo. Todos os seus contemporâneos do bairro já faleceram, há muitos anos, corre a lenda de que ele é o mais antigo morador original, seja o que isso queira dizer, significa muito tempo. E o Sr. Montelate está, assiduamente, em todos os enterros, sempre  choroso, saudoso e queixoso:

 "- Eu vi esse garoto no carrinho de bebê com a mãe...” 

Aquele “garoto”. ao qual ele se referia acabara de falecer aos 87 anos!

E lá continua ele em seu périplo pelos botecos, linguiças, enterros, frituras nadando em óleo e sanduíches de pernil com meio centímetro de gordura ensopada no limão com os quais se delicia diariamente. Tudo regado ao seu sagrado chopp e shots de pinga pura.

Ele conheceu meu saudoso avô, meu falecido pai, conhece meu filho, minha neta e, com certeza, conhecerá minha bisneta que ainda nem está encomendada. E continua comendo tudo que comia antes e mais os sanduíches de fast foods que inauguram sazonalmente no bairro e que diz ser a melhor invenção da modernidade.

O Sr. Montelate é um verdadeiro highlander das gorduras dos botecos cariocas. Sabe de cor o nome de todos os que se tornaram lendas: Tio Sam, Senegal, Ferreira, Pára Pedro, Bar do Jóquei e alguns que nem nome tinham e, se tinham, ninguém nunca soube.

Hoje, me lembrei do Sr. Montelate quando passei pelo Clipper, vindo da consulta com meu médico. Senti o cheirinho do pernil que acabava de sair do forno, borbulhando na gordura, e lembrei das recomendações que acabara de receber com a receita para hipertensão:

- Evite álcool, gordura animal, frituras em geral e sal em excesso.

Quando passei pela porta do bar, o Sr. Montelate estava no balcão a segundos de abocanhar um gordo e suculento sanduíche daquele pernil divino.

E pensar que os netos dele jogam a mesma pelada que eu jogava até semana passada e da qual terei de me aposentar pela idade...

Fiquei com pena daquele senhorzinho, provavelmente centenário, afinal, o Sr. Montelate ainda vai chorar muito nos enterros desse pessoal todo...coitado.

Edmir Saint-Clair

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NO GRITO NADA SE RESOLVE

 
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