ORIENTADOR LITERÁRIO

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DIVINA PROVIDÊNCIA

Tudo que Neyla pensava naquele momento é o que falaria para o filho mais velho quando ele a visse com o olho e os lábios inchados.

Ela sabia o estado em que Maicon ficaria quando visse o que seu pai fizera com ela novamente. Ele crescera presenciando e sofrendo a mesma violência que a mãe desde que se entendia como gente, e não aguentava mais. Desde a última sessão de pancadas, ele prometera a mãe que daria um jeito naquele inferno.

Neyla lembrou-se de cada uma das palavras do filho, e um calafrio percorreu sua espinha de cima a baixo, como se alguém houvesse passado sobre seu túmulo, como diziam na comunidade. A caçulinha Raylane ainda estava com o gesso na perna como consequência da última vez em que Julião estivera na casa deles.

Ele vinha e ia embora quando bem entendia, sem dar satisfação sobre o tempo que passara ausente.

Eles sabiam que eram a segunda família dele, a filial como os vizinhos a chamavam.  Mas, agia como se tudo aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.  Quando voltava era sempre a mesma história. Gastava todo dinheiro que encontrava, dormia quase o tempo inteiro e quando estava acordado bebia até começar a implicar com quem estivesse ao seu alcance, mas só em casa. Na rua era um frouxo.

Era o segundo mês de Maicon como caixa de supermercado. O segundo salário que recebia. O primeiro terminara nas mãos do pai, que achou e confiscou a quantia revirando as coisas da mãe.

Neyla passou o dia inteiro sendo consumida pelo medo do que aconteceria quando o filho chegasse, visse Julião dormindo no quarto e os machucados em seu rosto.

Maicon e a mãe tinham uma relação de amor e confiança profundos. Desde que a irmãzinha nascera, Maicon nunca mais havia se envolvido com o submundo que os rodeava. Tinha voltado aos estudos e, desde então, ajudava a mãe a sustentar a casa. Pagava integralmente a creche em que Raylane passava os dias, enquanto a mãe trabalhava como diarista em casas particulares.

Quando a noite chegou, Neyla deu graças a Deus quando Julião acordou, tomou banho e saiu sem falar nada.

 Ela teria tempo para tentar acalmar o filho e evitar uma tragédia doméstica.

Quando Maicon chegou e viu o rosto da mãe fechou as mãos e socou a própria cabeça com força. Neyla o envolveu num abraço e ambos choraram juntos. Não falaram nada. Maicon tirou a mochila das costas, colocou-a no sofá rasgado, deu um beijo no rosto da mãe e saiu sem dar-lhe o dinheiro do salário. Dessa vez, aquele dinheiro teria outro destino.

Neyla tentou impedir que o filho saísse pela porta naquele estado que ela não conhecia, mas pressentia. Calado, com o olhar crispado e o corpo todo endurecido. Ela sabia o que ele iria fazer e implorou, sem resultado. Ela perdera totalmente qualquer contato com ele, que saiu andando como um corpo sem alma.

Maicon rodou por todo o complexo do alemão, procurando os conhecidos dos tempos em que fora aviãozinho e fogueteiro do tráfico. Precisava de uma arma, qualquer uma, a qualquer preço dentro do dinheiro do salário, que não era muito. E ficou rodando pelas vielas meio desorientado, mas decidido.

Em casa, tudo que Neyla podia fazer era rezar, pedir, implorar, prometer e buscar no fundo de sua fé alguma providência que os livrasse da tragédia anunciada.

Ela rezou com toda a fé que sempre tivera desde muito pequena, acendeu uma vela e ficou ajoelhada durante as 4 horas em que Maicon ficou fora. E, cada minuto dessas horas, ela rezou sentido o pavor de que fosse o último. Ela temia por todo a vida que Maicon perderia fugindo ou preso numa penitenciária, ...caso se tornasse o assassino do pai.

Nem a pancada na porta, anunciando a volta de Julião, bêbado, a tirou de sua concentração santa. O crápula se jogou na cama de casal, sem dizer palavra alguma, apenas emitindo um grunhido animalesco.

Pronto, pensou ela, o cenário da tragédia está montado. A primeira coisa que ela fez foi trancar a porta da casa com todas as voltas que a fechadura podia dar.

 O único jeito era tentar manter Maicon do lado de fora e tentar demovê-lo da ideia de matar o pai. Ela guardou as chaves nos seios e voltou a concentrar-se em suas orações e promessas.

Santa Rita de Cássia não podia abandoná-la agora.

Ficou ajoelhada até ouvir o estrondo da porta sendo arrombada por um chute de Maicon que entrou e foi direto para o quarto empunhando a arma já engatilhada.

Neyla o interceptou na porta e quando os dois olharam para a cama viram o improvável: Julião jazia morto, com a boca e os olhos arregalados, quase fora das órbitas, com a expressão aterrorizada como se sua última visão, houvesse lhe arrancado a vida..

Edmir Saint-Clair

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MORTE NO FUNERAL - COMÉDIA

 

 

Elenco 

Betty K. Bynum, Bronwyn Hardy, Chris Rock, Columbus Short, Danny Glover

Diretor

Albert Cho, Jeff Bilger, Jillian Giacomini, Lynn Struiksma, Neil LaBute


UM SONHO DE NATAL

 

    A bicicleta, no meio daquela grande vitrine natalina, chamou-lhe a atenção. Era vermelha e modelo BMX, parecida com a primeira bicicleta que dera ao filho. Há mais de 35 anos. A lembrança foi automática e dolorida.

Na noite da véspera de Natal, perto do horário de fechar, os shoppings se tornam o maior dos infernos para quem está ali apenas para comprar um sifão da pia, que estourou. Até a loja de materiais de construção se apropriou do Papai Noel e colocou um pobre velhinho fantasiado para vender vasos sanitários e Box blindex em 12 vezes, porque é Natal.

Ele desistira de tentar gostar de Natal havia tempo, na verdade, não suporta a data. Gosta de passá-la como se não houvesse.

De tudo que já havia perdido, o contato com o filho era o que mais lhe doía. Esse seria o décimo ano, o décimo natal desde que haviam rompido. Nem uma troca de palavra sequer durante toda essa eternidade. Tentara uma reaproximação de diversas maneiras, durante todos esses últimos anos, mas nunca obtivera resposta alguma. 

Quando saiu, o shopping já estava praticamente fechado, assim como todo o comércio do bairro. Existe apenas uma noite, no Rio de Janeiro, em que os bares, restaurantes, farmácias e todo o resto do comércio fecha; é na noite de natal.

    Voltando para casa, pelo caminho mais longo, foi vendo o tráfego ir se reduzindo, os pontos de ônibus se esvaziando e pensou que não trocaria o sifão da pia naquela noite. Queria apenas dormir. Definitivamente, o natal não lhe faz bem.

Ele sabe, já passou várias dessas meias-noites na rua, por livre vontade. Saía de casa alguns minutos antes e passava a meia-noite na rua. Apenas para ver sua própria solidão tomar conta de tudo e imperar soberana. Não tinha mais medo de encará-la. Ao contrário, tornaram-se bons companheiros.

Chegou ao seu condomínio, parou na entrada da garagem e, enquanto aguardava que o porteiro lhe abrisse o portão, ouviu A voz inconfundível:

- Feliz Natal pai. Vamos passar juntos?

Era seu filho.

Edmir Saint-Clair

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