ORIENTADOR LITERÁRIO

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FELICIDADE EXPLÍCITA

 

Eu e minha filha sempre fomos muito ligados. Mesmo durante os muitos anos em que ela morou em Barcelona, onde estudou cinema, nos falávamos quase todos os dias, muitas vezes por horas seguidas. Falta de assunto nunca foi problema, eu sempre tinha uma passagem de vida para contar. Sendo assim, ela conhece de cor a maioria das histórias mais interessantes que vivi. Ambos somos apaixonados por animais e, em especial, por cães, dessa forma, a história do maior amor da minha vida depois dela própria, minha Cocker spaniel Angie, já havia sido contada de cabo a rabo algumas centenas de vezes durante nossas longas e deliciosas conversas. Há poucos dias, ela postou no Instagram um conteúdo sobre o cantor David Bowie, cuja mulher se chamava Angie e fora a inspiração para a minha Angie. Não resisti e comentei no post, pela milionésima vez para ela, a história de porque minha Angie tinha esse nome. Eu mesmo não resisti a minha própria “caduquice” e comentei:

- Já te contei essa mesma história umas mil vezes né filha?

E ela me respondeu:

- E eu amo todas as vezes.

 Edmir Saint-Clair

UMA LADY CHAMADA ANGIE

Era especial e única.

− Angie!

Era só eu a chamar e ela largava o que estivesse fazendo ou comendo e corria para ao meu lado o mais rápido que conseguia.

Era Linda, era muito doce e minha melhor amiga.

Era uma Cocker Spaniel Inglesa, caramelo e branca, com orelhas longas e o olhar mais cativante e amável que já vi na vida. Uma princesinha que trazia em si toda a alegria do mundo.

Ela foi um presente de meu grande amigo Bode.

- Bode não, Carlinhos!

- Que Carlinhos?

- O Bode.

Fui buscá-la em Jacarepaguá numa noite de verão, estrelada e quente. A noite em que a conheci tinha uma lua cheia diferente, e ela era ainda bem filhotinha, tinha entre dois e três meses de vida.

Os primeiros dias na nossa casa foram de deslumbramento mútuo.

Logo não tive dúvidas: Ou, ela era uma pessoa encarnada numa cadela, ou eu era um cachorro encarnado num adolescente.

Falávamos a mesma língua. Um Amor à primeira vista daqueles bem espontâneos e legítimos.  Ela parecia a personagem Lady, do desenho A Dama e o Vagabundo de Walt Disney, e o vagabundo, naquele caso, era eu sem dúvida alguma. Ela tinha nobreza, ela era uma autêntica Lady. Uma obra de arte da natureza. Uma doçura e um charme natural que conquistava a todos que a viam.

Ela foi a Cocker spaniel inglesa mais adestrada que conheci e nunca precisou usar coleira para nada, nem para atravessar a rua ao meu lado. Aprendeu brincando e nunca dei uma palmada sequer. Era obediente como um cão adestrado por profissionais. Não me recordo de tê-la ensinado a não fazer as necessidades em casa, até mesmo porque eu não saberia como fazê-lo, mas a partir de pouco tempo, ela simplesmente não fez mais. Mesmo quando estava super apertada, esperava tempos intermináveis até que eu a levasse para passear. Havia um entendimento mútuo fascinante. 

Ela não latia. Num certo momento, até achei que ela poderia ser muda. Ela já estava com quase um ano de idade e nunca a tinha ouvido latir. Até que a ouvi. Um latido meio rouco, engraçado, diferente e com personalidade. O latido único e inconfundível da Angie, nunca mais ouvi nenhum outro cão que latisse daquele jeito.

Ela ia comigo para todos os lugares. Onde não podia entrar, ficava me esperando do lado de fora, o tempo que fosse necessário.

Só quem tem ou já teve um companheiro canino sabe a que profundidade essa relação pode chegar.

Bobagem tentar ficar explicando cada momento de compreensão, carinho, companheirismo e amizade incondicional que essa relação mágica com a minha grande parceirinha Angie trouxe para mim.

Na praia, na chuva ou na fazenda estávamos sempre juntos. 

Adorava um carinho, mas não era carente. Nem quando teve cria ficou brava. Os amigos iam olhar os filhotes e ela não se alterava. Era uma cachorrinha segura e tranquila. Acreditava na bondade humana.

Sempre tive o costume de passear tarde da noite pelo Leblon e ela era minha companheira inseparável. Nos dias úteis, as noites do bairro são sempre bem tranquilas e não tem quase ninguém nas ruas.

E lá íamos, eu e a Angie, sem coleira e saltitante, às 2 horas da manhã até a Pizzaria Guanabara, onde eu comia um pedaço de pizza calabresa com um mate, que comprara antes no BB lanches.

E, voltávamos caminhando, às vezes pela praia, em Incontáveis noites e memoráveis conversas que só eu e ela conseguíamos trocar.

Ganhei a Angie logo depois que minha família se mudou para Brasília e eu havia ficado no Rio de janeiro. Tinha 17 anos e nunca tinha morado sozinho antes, sempre com meus pais e irmãos. 

A sensação de liberdade era maravilhosa, mas tinha momentos de solidão e de saudades da casa cheia. Ter que cuidar de mim fazia eu me sentir inseguro e sozinho à noite.

Às vezes me sentia adulto e outras criança. Às vezes, eu cuidava da Angie, outras vezes era ela que cuidava de mim.

A Angie sabia se aninhar no meu colo quando eu estava triste. Ela sabia quando eu precisava disso e sempre me acolhia.

Nunca existiu, na história do mundo, um olhar mais carinhoso e acolhedor do que o olhar especial de uma Cocker spaniel inglesa chamada Angie.

A minha Angie.

- Edmir Saint-Clair


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MISTÉRIO NO LEBLON

 
 Rio de Janeiro - Bairro do Leblon,
início do outono, 20h55m.

Eu acabara de sair da academia Lucinha & Cláudio, atravessara a Rua Humberto de Campos, na direção da Rua José Linhares, que fica a menos de 50 metros. Estava dobrando a esquina, quando vi uma senhora idosa vindo na direção contrária. Ela dá uma topada na calçada, se desequilibra e começa a acelerar o passo descontroladamente. Ela vai cair.
Corro em sua direção para tentar ampará-la mas, antes que chegasse perto o suficiente, surge do nada uma mulher muito esguia de cabelos pretos, curtos, e a segura, colocando-a de pé e sumindo novamente.

Tudo não durou mais do que fugazes 3 segundos.

Fiquei petrificado com a cena. Senti-me muito estranho, um desconforto cerebral extremamente desagradável, como se tivesse levado uma pancada forte na cabeça. Senti uma confusão agoniante, uma perda da noção do que era ou não realidade. Como uma pane inexplicável no meu sistema mental...

Como alguém aparece e desaparece do nada? Sim. Ela não surgiu e foi embora correndo ou sumindo de forma gradual, como é natural acontecer. Ela apareceu e desapareceu, como um flash fotográfico.

A Senhora Idosa estava atônita e tão perplexa quanto eu. Quando conseguimos trocar olhares, foram de puro espanto!

Aproximei-me dela um pouco mais e perguntei-lhe o que tinha acontecido. Ela me relatou, exatamente, a mesma coisa que eu havia visto. Utilizando, inclusive, as mesmas expressões como “apareceu do nada" e “Desapareceu do nada”.
Ela relatou o que eu tinha presenciado com a mesma precisão de detalhes que eu percebera. Ou seja, quase nenhum, já que a velocidade do evento, foi como se alguém tivesse colocado um vídeo em câmera acelerada.

Logo percebemos que havia uma prova física e inequívoca do ocorrido: a Sra. Idosa estava usando uma blusa branca de mangas compridas e, nela, estavam estampadas visivelmente, duas marcas de mãos onde o “ser” a segurara. Perfeitamente visíveis e brilhantes.
Nós dois olhamos para as marcas e, em seguida, um para o outro, ainda com expressões de absoluta incredulidade.

Percebi que havia testemunhado algo fantástico e extraordinário, e que não haviam palavras que pudessem descrever aquele flash inacreditável.
Ficamos em silêncio, eu e a Senhora Idosa, tomando fôlego e reiniciando os pensamentos. Pouco depois, seguimos caminhando, lentamente, até a entrada do prédio para onde ela estava indo. Ambos no mais absoluto silêncio, em choque.
Despedimo-nos pelo olhar, sem trocar mais nenhuma palavra, ainda visivelmente desconcertados. Não havia nada o que falar. Nossos olhares se acenaram, confirmando a cumplicidade que havia acabado de nascer. Nunca mais a vi e nunca soubemos o nome um do outro. E Nunca entendi o que havia acontecido.


- Edmir Saint-Clair





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