COACH LITERÁRIO

O ORIENTADOR LITERÁRIO é um profissional que acompanha, ensina e participa de todo processo de criação de um livro. Um profissional técnico, especializado em criação, um professor de escrita e um parceiro, ao mesmo tempo. Experimente, é terapêutico e libertador. Perpetue as histórias que só você tem para contar.
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A DESPEDIDA


  Eu tinha 17 anos e era feliz. 

O verão dourava a pele e a vida corria fácil. Até o dia em que meu pai chegou do trabalho e falou sem a menor cerimônia:

− Vamos morar em Brasília.

Ouvi claramente, mas a ficha demorou a cair. Ninguém naquela mesa de jantar esboçou reação alguma. O silêncio foi sepulcral, respirei fundo, levantei-me e percorri o caminho até sair pela porta de casa, anestesiado. Estava em choque. O pensamento seguinte foi nos amigos, nas meninas e nos meus planos, e deles não constava morar em Brasília. Não sabia como lidar com aquela enxurrada de emoções e sentimentos que fervilhavam por todo meu corpo.

A partir daquele instante minha vida mudaria para sempre e, por algum motivo, eu percebi isso com uma clareza assustadora.

 Resolvi que não contaria aos amigos. Não por enquanto. De preferência nunca.

Não sabia por quê. Talvez por receio de que eles não sentissem a mesma tristeza que eu estava sentindo.

Mas a notícia terminou se espalhando.

O primeiro a saber me surpreendeu por sua reação, ficou triste e demonstrou. Fiquei mais triste ainda, não esperava essa reação, ele era um gaiato, fazia piada com tudo, mas dessa vez não fez.

As coisas estavam mudando.

Os amigos e amigas foram cúmplices de momentos de tristeza e outras emoções desconcertantes e inéditas que me aconteceriam dali pra frente, típicos daqueles melodramas adolescentes baratos que eu detestaria não ter vivido pessoalmente.

Se por um lado a tristeza era presente, por outro, nunca havia me sentido tão querido por todos.

Na noite véspera de Natal, depois de passarmos a meia-noite cada um em sua respectiva casa dos pais, fomos nos encontrar na casa do Marquinho. Cada um de meus amigos, em separado, me falou alguma coisa carinhosa que marcou aquela noite de forma indelével.

Antes de voltar pra casa, caminhei sozinho pela praia da minha cidade chamada Leblon. Caminhei por minha infância, meus primeiros amigos na Rua José Linhares, na Bartolomeu Mitre, por minha adolescência no Campestre, no Santo Agostinho, no Clipper, no BB lanches, Balada Sucos, Petit Fours, Pizzaria Guanabara... Cada rua com suas muitas histórias. Todas, partes inseparáveis de mim.

O tempo começou a passar mais rápido e nunca mais passaria devagar.

Dia da partida.

Pedi a todos que não fossem ao aeroporto, que se despedissem de mim ali mesmo, na praia. Há semanas eu me despedia, estava cansado, muito cansado. O voo para Brasília estava marcado para o final da tarde.

Acordei cedo e a primeira coisa que pensei foi nos meus óculos escuros. Me demorei na cama, me demorei no banheiro, me demorei na esperança de que o tempo se demorasse também.  

Desde o dia em que soube que iria embora, comecei a prestar mais atenção em tudo e em todos que me rodeavam a vida toda e que até aquele momento eram apenas parte da paisagem diária. Desde o porteiro até os portugueses do bar, Seu Joaquim e Seu Antônio. Não posso esquecer-me da Dona Maria!

Parecem os nomes mais óbvios para personagens caricatos de portugueses donos de Botequim no Rio. Mas, esses são de pessoas absolutamente reais que tinham exatamente esses nomes. E, são ainda mais peculiares do que qualquer personagem fictício já criado. Uma das coisas que eu sempre achei curioso demais neles, era o fato de, durante anos a fio, encontrar com eles tarde da noite, depois de fecharem o bar, andando muito lentamente pela rua principal do Leblon, e sempre na mesma formação; o Seu Antônio na frente carregando uma sacola, seguido pela Dona Maria, a uns dois passos atrás, sempre carregando mais sacolas do que ele. Um hábito curioso e estranho. Eles não andavam juntos. Eles andavam separados, indo para o mesmo lugar. Eram casados e já aparentavam idade.

O terceiro sócio do bar, o Seu Joaquim, era um capítulo à parte. Completamente lesado. Ele era tão confuso que alguns sacanas davam uma nota de cinco para pagar algo de 10 e ainda levavam troco.

O certo é que naqueles dias tudo e todos haviam adquirido um significado especial e já faziam parte da minha saudade. Parei no bar para comprar cigarros e até a atrapalhação do seu Joaquim com o troco, que sempre me irritava, desta vez me provocou ternura. Cheguei à praia mais cedo que o de costume e caminhei pela areia, perto do mar, até o final do Leblon. Como sempre fizera, mas nunca como naquela manhã.

Eu estava começando a trilhar um caminho que ainda não conhecia.

Havia passado toda minha vida naquelas areias sob os olhares dos gigantes de pedra que, agora, pareciam estar tristes por minha partida. Os gigantes eram o 2 Irmãos, meus irmãos...

Olhei, tentando reter aquela imagem, fotografá-la, aprisionar na memória cada detalhe daquelas montanhas sagradas. Fixar-me naquela paisagem, imprimi-las na parte mais profunda do meu ser, me agarrando a elas como se fossem desaparecer no minuto seguinte.

Caminhando de volta, comecei a encontrar os amigos. Ritinha foi a primeira a me encontrar, ela me fizera sentir amado naquele verão, quando o sol dourou nossa pele e nos fez feliz. Meus amigos foram chegando aos poucos e, um a um, sentaram-se ao meu lado, calados. Cada um com suas pranchas de surf, mas ninguém dentro d'água. Uma incomum formação visual de garotos e pranchas de surf coloridas e alinhadas na beira do mar da praia do Leblon. Todos calados ao meu lado.

Despedi-me e fui para casa, estava muito difícil ficar ali.

Chegou à hora. Entrei no carro e fomos para o Aeroporto do Galeão, eu, meus pais e meus irmãos. Ao chegar à entrada, a primeira coisa que vi foram meus amigos, tinham ido de surpresa no carro do Bode e na Kombi lotada do porteiro de um dos prédios do Condomínio dos Jornalistas. Foi um dos momentos mais emocionantes que vivi em toda minha vida. Como foi bom vê-los. Uma emoção profunda. Inesperada, comovente e inesquecível.

Eu sabia que estava vivendo um dos momentos mais marcantes da minha vida. Uma consciência da importância daquele momento, da eternidade daqueles instantes.

 Meu desejo era abraçar todos ao mesmo tempo e nunca mais ir embora dali viver para sempre no saguão do Aeroporto do Galeão. Mas, eu tinha que ir embora.

A vocês, meus amigos e amigas, minha mais profunda gratidão por me fazerem sentir tão querido e tão amado. Vocês, assim como os gigantes de pedra, estarão para sempre em minhas lembranças e em minha alma eternamente.

A você, doce Ritinha, obrigado pelo desmaio no aeroporto, por seu carinho e pelo seu lindo coração. Muito Obrigado pelo amor de todos vocês.

Uma semana depois, eu estava de volta!


- Edmir Saint-Clair




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AMADURECER


O amadurecimento é o resultado de um aprendizado contínuo e profundo de como conviver com as próprias angústias, ansiedades, incertezas, inseguranças e todo esse conjunto de afetos. Eles definem nosso estar mais profundo. Se nos sentimos de bem ou de mal com a própria vida.

 Vivemos uma época de grandes desequilíbrios. A segunda década do século 21 está nos impondo modificações profundas nos pilares das sociedades ocidentais. Perdemos antigas referências que norteavam nossas ações e muitos dos valores que nos guiavam estão obviamente caducos e obsoletos, deixando-nos desorientados.

 Instituições seculares, que sempre estabeleceram os parâmetros para a humanidade, como a Igreja, a Família e o próprio Estado, foram profundamente afetados em suas estruturas fundamentais e tentam se reinventar a todo custo adequando-se aos novos padrões e demandas que regem as novas leis de mercado, para onde tudo e todos convergem inevitavelmente.

Atualmente o grande imperador do mundo, para o qual todos trabalham, incansavelmente, para saciar sua ganância desumana e desenfreada se chama MERCADO.

É o mercado que rege o mundo inteiro.

A facilidade de acesso e a impessoalidade na obtenção das informações, que não mais dependem de uma interface humana, transferiu para o MERCADO a avaliação final do que vale e do que não vale a pena aprender e cultivar.

As escolas e universidades já não são mais os únicos detentores dos meios para se alcançar o conhecimento. O Google disponibiliza o acesso a todas as bibliotecas da maioria das instituições geradoras e distribuidoras em todos os ramos do conhecimento humano. Mas, também disponibiliza uma quantidade gigantesca de informações mentirosas e mal intencionadas.

 As principais referências culturais e religiosas se esvaziaram de forma inédita. A dúvida sobre tudo se alastrou, invadindo todos os espaços e aumentando ainda mais a fragilidade e a insegurança que a psiquê humana luta a todo instante para superar.

 Segundo o filósofo dinamarquês Kierkegaard, o ser humano busca desesperadamente um sentido, um significado para seu dia a dia, algo interior que preencha o vazio que traz em si.

 Na busca por significados tentamos dar sentido à vida, e esse sentido pode estar em qualquer lugar e pode ser qualquer coisa, desde que consiga nos iludir e nos fazer acreditar que aquilo tenha significado suficiente para aplacar nossa angústia fundamental.

 Sem algum humano fazendo a interface para que a informação se transforme em conhecimento, as deturpações de interpretação podem se tornar trágicas. Essa interface humana indispensável se chama PROFESSOR. Repetindo, o Professor é insubstituível no ensino do pensar humano, na construção de um ser humano capaz de questionar as informações que recebe.

 Nada é mais fundamental do que aprender a questionar.

 Sem o professor, nossos mais frágeis e indefesos membros, as crianças se os jovens em formação, estão entregues à uma gama gigantesca de informações deturpadas, mentirosas e potencialmente muito perigosas tanto para ele quanto para a sociedade.

 Quanto mais imaturos somos, mais facilmente aceitamos os significados que o mercado nos impõe, acreditando piamente que aqueles valores são, também, os nossos. E, a esmagadora maioria aceita o que recebe sem qualquer tipo de questionamento durante toda a sua existência. Seja no mercado das crenças e religiões ou na moda, artes, esportes, games, costumes, educação e em todo tipo de exploração econômica envolvendo as necessidades humanas.

 Amadurecer é entender esse mecanismo e, principalmente, preencher-se com o prazer que só o autoconhecimento e a experiência dos anos são capazes de ensinar.

 É reconhecer-se humano, entendendo o que acontece consigo e interferindo conscientemente para melhorar-se e ir além do que a própria programação genética e cultural lhe designou. Isso é evoluir.

 Acima de tudo, amadurecer é aceitar que na maioria das vezes a vida não vai ter significado algum, a não ser nos raros momentos que fazem todo o resto valer a pena.

- Edmir Saint-Clair

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O DIA QUE MUDOU O MUNDO

Jorge acordou tarde como seu costume, mas, com certeza dormiria mais se não fossem aqueles ruídos incomuns vindos da janela.

Checou o celular para saber as horas, inutilmente, o aparelho estava sem rede de telefonia móvel. Tentou acessar o WhatsApp quando percebeu que também não estava conectado pelo wi-fi de casa.

Pulou da cama e, antes de ir até o quarto onde o modem da casa fica, foi até a janela e o trânsito na rua era absolutamente inédito, pelo menos nos últimos 10 anos em que morava ali. A primeira coisa que notou ao entrar no quarto de hóspedes foi que as luzes do modem estavam todas desligadas. Ele estava sem conexão alguma. A primeira sensação foi de muito incomodo e estranhamento. Decidiu verificar a eletricidade de casa e estava sem energia.

Ligou seu notebook que, para sua sorte, estava com a bateria cheia. Mas, totalmente sem conexão alguma. O incomodo inicial deu lugar a uma ansiedade maior do que ele estava acostumado a lidar. Abriu a porta do apartamento e o corredor estava escuro, e os elevadores, obviamente, parados. Um silêncio perturbador emprestava um ar lúgubre ao local.

Jorge fechou a porta e deu duas voltas na chave. Enquanto a cafeteira lhe preparava um café ele voltou à janela para olhar mais atentamente. O fluxo de trânsito dos automóveis além de anormal estava mais caótico pela falta dos semáforos sem energia. Tomou seu café, se arrumou e resolveu ir até a portaria de seu prédio. O porteiro haveria de ter mais informações sobre aquela estranha e incômoda manhã. Sentia-se ainda mais perdido por não ter ideia de que horas eram. Mesmo sem o relógio do celular, geralmente, ele seria capaz de calcular o horário pela luz e os sons externos. Mas, tudo parecia estar caoticamente fora dos padrões normais.

Usou a lanterna do celular para iluminar os degraus da escada do prédio e não demorou a chegar na portaria.

“Seu” Cícero segurava a porta enquanto o Célio do quarto andar entrava acompanhado da mulher e dos dois filhos carregados de sacolas de supermercado lotadas. Foi quando se deu conta de que a situação era muito mais séria do que ele imaginava. E, em menos de 5 minutos que ele estava na portaria, 3 outras famílias chegaram igualmente carregadas de mantimentos. Jorge percebeu que estava defasado e desinformado. Naquele dia, ter acordado tarde faria toda a diferença.

Desceu até a garagem para pegar seu carro e ir até o supermercado garantir suprimentos. Ele continuava sem saber sobre o que estava acontecendo, mas algo grave estava acontecendo. O porteiro e os moradores com os quais encontrara também não souberam dizer nada a mais do que o óbvio que todos sabiam por que sentiam a falta. E a cada minuto mais itens eram acrescentados a essa interminável lista.

Demorou minutos inéditos para conseguir sair da garagem e pegar a rua totalmente engarrafada. Motoristas e pedestres portavam a mesma expressão grave e preocupada. Em alguns, a ansiedade se exacerbava de forma mais evidente. Em outras, já chegava a um estágio preocupante. Jorge, apesar de muito ansioso e perdido, ainda conseguia manter a racionalidade em níveis funcionais.

As estações de rádio estavam fora do ar, tudo que dependia de energia elétrica não estava funcionando, exceção aos locais com geradores próprios.  Aos poucos foi percebendo toda a extensão da catástrofe que havia ocorrido. Ele só não sabia extensão. Poderia ser só na sua cidade, só no seu estado, só no seu país ou no mundo inteiro. Lembrou-se de um dos últimos vídeos que assistira no Youtube na noite passada, um podcast sobre ciências, no qual o entrevistado, um astrônomo brasileiro, alertava para uma explosão solar que iria gerar uma onda eletromagnética que poderia, literalmente, torrar todas as instâncias de comunicação do planeta terra, incluindo satélites e instalações terrestres, com consequências incalculáveis. Com um potencial tão avassalador que poderia mudar profundamente o rumo da história humana.

Foi ridicularizado e apontado como mais um seguidor das teorias da conspiração.

Não era.

Era 4 horas da tarde quando, após 3 horas parado no trânsito, Jorge abandonou seu carro no meio da rua caótica e seguiu a pé, a tempo de ver a horda de populares arrebentar as portas e paredes de vidro do imenso supermercado antes de dar início aos saques.

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TODO MUNDO ENJOA DE MARSHMALLOW

 

Foi minha primeira adicção. Era vício mesmo, pensava em sundae de marshmallow o tempo todo. Tinha uns 10 anos e, em tempos de aula, só podia saboreá-los aos sábados e domingos, quando meu pai nos levava ao clube. No bar da piscina da AABB Lagoa, o sundae de marshmallow era delicioso, até porque eu não conhecia outro.

Mas, resumia-se a dois na semana, isso quando meus pais não arrumavam alguma outra atividade que não incluía o clube, aí a abstinência era ainda maior. Meu sonho era poder comer marshmallow até não aguentar mais.

Num certo sábado, quando já tinha uns 12 anos e podia escolher se sairia com eles ou ficaria em casa enquanto eles cumpriam os passeios recreativos com meus irmãos, resolvi ficar e cumprir o meu plano de anos, afinal, mais de um ano naquela idade era tanto tempo quanto uma década de hoje. Tinha economizado minha mesada e, finalmente, compraria uma lata inteira de marshmallow da Kibon e uma lata de castanha. Dispensei o sorvete, meu objeto de desejo era o marshmallow.

Fui ao supermercado e comprei uma lata exatamente igual as utilizadas nas lanchonetes e uma lata de castanhas.

Nos anos 1970, a maioria das casas tinha apenas uma televisão, na sala e, assim, era raro poder escolher o programa. Como meus pais e irmãos haviam saído, passei a tarde vendo televisão e comendo marshmallow com castanha. Realizando meu sonho com requintes de luxo e privacidade.

Quando parei de comer, estava totalmente empanzinado, já quase na metade da lata. Não cabia mais nem um pedaço de castanha partida.

Passados alguns instantes, o enjoo foi tomando corpo e aumentando rapidamente, me causando um extremo mal-estar. Meus pais chegaram a tempo de me ajudar a chegar ao banheiro e colocar tudo para fora. Passei a noite inteira mal indo do quarto para o banheiro, num vai e vem dos infernos, e ainda acordei enjoado no dia seguinte.

Literalmente, do dia para a noite, fui da paixão a aversão total ao marshmallow com tamanha intensidade que nunca mais consegui comer aquele melado branco e enjoativo, pelo qual, durante muitos meses, havia sonhado acordado.

De lá para cá, descobri que se pode enjoar de qualquer coisa, por mais que se goste dela. Seja abstrato ou concreto. Por muito ou por nada. Por ter demais ou ter de menos. Faz parte da natureza humana enjoar das coisas. Somos capazes de enjoar de tudo que há de melhor na vida. Seja de comer, de sentir, de ver, de ouvir, de cheirar ou de tocar. Simplesmente corremos sempre o risco de enjoar de qualquer coisa, às vezes, do nada, sem motivos.  Até da própria vida. Uma infeliz maldição.

A única coisa capaz de acabar totalmente com um sonho é realizá-lo. E nossa sina é viver sob o desafio desse grande paradoxo.

Não deveria ser assim, mas é.

Edmir St-Clair

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PENSANDO DEMAIS

Estamos sobrecarregando nosso cérebro com uma quantidade nunca antes imaginada de informações por minuto. Nos chegam por todos os lados e vindas de todo tipo de fontes imagináveis. Se não formos seletivos e atentos, terminamos entrando em grupo de terraplanistas sem nem saber como chegamos ali... Não se pode descuidar.

As redes sociais excitam o cérebro, não deixando que ele tenha pequenos “períodos de descanso” entre um foco e o próximo. A maioria das vezes os pensamentos se atropelam, um querendo passar na frente do outro, um querendo ser mais importante que o outro. 

É preciso um tempo entre um pensamento que exija um processamento mais complexo e outro com o mesmo grau de prioridade. 

Um tempo para que o cérebro processe e absorva adequadamente todas as informações e variáveis envolvidas. Por mais rápido que o nosso cérebro seja, ele tem um limite que precisa ser entendido e respeitado. E cada cérebro tem seu tempo original e único de fazê-lo. Não deixar que esse tempo exista, que esse descanso aconteça, causa cansaço e confusão mental que, por vezes, as noites de sono não conseguem recuperar. 

Esse acúmulo desnecessário e improdutivo leva, de forma recorrente, ao estabelecimento de um círculo pernicioso para a saúde física e mental, onde os pensamentos interferem na qualidade do sono que por sua vez interfere na qualidade dos pensamentos que vão interferir no sono da noite seguinte e assim por diante,  até que um grande problema de saúde se estabeleça.

PENSAR "MUITO" NÃO SIGNIFICA PENSAR COM "QUALIDADE"

Se não tomarmos muito cuidado podemos submeter nosso cérebro a uma sobrecarga com consequências imprevisíveis.

Pensar demais nos faz passar muito mais tempo trancados em nossas mentes do que vivendo a realidade. E assim, os problemas se agigantam. Pensar demais não quer dizer pensar melhor. A maioria das vezes, ocorre exatamente o contrário, entramos num hiperfoco e, consequentemente, perdemos a visão periférica que nos situa e posiciona com relação a todo nosso entorno físico e psíquico.

Quando somos estimulados pelo mundo, não temos controle de ligar e desligar os pensamentos, eles são automáticos e reativos, porque pensar é algo que não podemos evitar. Mas, tudo em exagero faz mal e uma pane mental pode fazer grandes estragos.

Não é a toa que a meditação, a arte de silenciar o cérebro, é tão procurada como um elixir do equilíbrio e da tranquilidade.

Daí a gigantesca importância das artes, da diversão, dos amigos, dos esportes e de tudo que nos faz sorrir. De tudo que não esquente a nossa cabeça...

É importante brincar como uma criança, não importa em que idade, daí a importância de alimentarmos nosso lado lúdico sempre que pudermos. É ele que deixa a vida mais leve e gostosa.

A verdade é que quando estamos felizes não pensamos em nada, e é quando existimos mais do que nunca.

Edmir Saint-Clair


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O PRIMEIRO DIA DE FÉRIAS

Depois de doze prestações mensais de trabalho quitadas, finalmente, adquiri minhas férias próprias.

Primeira manhã, férias novinhas, zero quilômetro, toda equipada com réveillon, verão e um monte de surpresas que, espero, aconteçam.

Chego à conclusão de que, sem dúvida, o verdadeiro fruto do trabalho são as férias.

Uma vadiagem remunerada, sem culpa, admirada e almejada por todos. Sinto que o cérebro está em festa, sinto-me muito animado.

Vem-me à memória uma frase que não sei de quem é, mas que me representa perfeitamente nesse momento: “Com o coração em festa e a alma a gargalhar”.

Sou o retrato dela nesse momento, num doce balanço a caminho do mar.

O sinal de trânsito demora a abrir, atrasando meu percurso ainda mais ansioso por já estar visualizando a praia.

Tudo bem, o sinal pode demorar o quanto quiser, estou de férias e o   tempo é todo meu.

Não é à toa que, quando os médicos não sabem mais o que fazer por um paciente surtado por causa do stress diário, receitam férias.

Até hoje, a ciência farmacológica não descobriu nenhum remédio melhor. Nem homeopatia, nem shiatsu, nem Rivotril, nem cloroquina; nada substitui as boas e velhas Férias tradicionais.

Deveriam testar uma psicanálise praiana, feita debaixo da barraca de praia e tomando água de coco... quem sabe dá certo? Quem sabe o psicanalista resolve falar alguma coisa e sair daquele silêncio inútil e misterioso?

O melhor dia das férias é o primeiro. Tudo ainda está por acontecer, cabe tudo.

Ainda não existe tempo passado para já haver frustração, só há futuro, só expectativas boas, todas as possibilidades são viáveis.

Quando piso na areia, fico surpreso comigo mesmo, depois de um período de afastamento da frequência na praia, provocado por essa coisa chamada trabalho, seria natural, e de se esperar, um certo período de readaptação a malemolência praiana.

Mas, surpreendentemente, já no primeiro minuto sinto-me totalmente à vontade e com a desenvoltura de sempre.

A praia do Leblon é, literalmente, a minha praia.

A textura da areia, nem muito fina nem muito grossa, é perfeita. A textura da areia das praias dessa orla, do final do Leblon até o Leme, tem uma consistência única. A areia de cada praia do mundo é como uma impressão digital, é exclusiva daquela praia específica.

 A areia encontrada em uma determinada praia é criada pela erosão das rochas em seu entorno. Ou seja, não existe areia igual ao da praia do Leblon e Ipanema, que na realidade são uma só, dividida apenas pelo canal do Jardim de Allah, bem no meio.

Numa rápida passagem de olhos, analiso as condições de vento, do mar e a melhor posição para minha cadeira de praia. Isso tudo exige uma certa ciência, não é para qualquer um, tem que ser da terra, tem que ser minhoco, que é o marido da minhoca, natural da terra.

A praia do Leblon, às terças-feiras de um dia qualquer, é meu paraíso particular. Tem cheiro de férias desde que me entendo por gente.

O mesmo cheiro, a mesma praia, que sempre me fazem ter uma sensação de colo de mãe, ao som do mar que me acalenta. Um carinho da vida, com direito a beijo da brisa suave que sopra, enquanto o vendedor de mate e biscoito Globo, que me vende fiado, enche meu copo de vida. Esse é meu lugar especial no mundo.

Agora me desculpem, com licença porque estou de férias e já escrevi muito.

Tenho mais o que não fazer. 

 - Edmir Saint-Clair

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UM CLIQUE E NADA FOI COMO ANTES

Não estou me referindo a nenhum clique eletrônico. Refiro-me aquele que acontece dentro de nós.

Aquele raro momento em que percebemos o instante exato em que uma mudança interior se concretiza.

É o primeiro segundo logo após uma mudança definitiva na nossa instância mais profunda e que, a partir daquele instante, acarretará mudanças na nossa forma de atuar na vida e no mundo.

Aquele ponto em que percebemos que uma mutação interior acabou de se estabelecer definitivamente, um evento que criará novos padrões em nossas reações e comportamentos. Um Eu mais próximo da verdadeira essência do meu Eu mais profundo.

O momento em que mudamos, em que subimos mais um degrau em nossa busca interior.

Se manifesta em detalhes muito íntimos, como num cruzar de braços diferente de como sempre fazíamos antes daquele instante.

Tão diferente, que nos gera surpresa.

Não me lembro de tê-lo sentido as inúmeras vezes que, é de se esperar, deve ter acontecido antes para quem já viveu várias décadas.

Senti isso algumas poucas vezes na vida e nem sempre quando era de se esperar. Mas nunca como dessa vez.

Talvez porque, hoje, tenho mais consciência do agora, do que ocorre exatamente no momento presente, percepção, essa, que só conquistamos com o acúmulo de experiências que só o tempo nos proporciona. Quando a maturidade chega.

Dessa vez, me chegou através desse clique e de forma absolutamente clara. No banho, sentindo a água morna batendo em meu corpo, embaixo do chuveiro. O banho é um dos momentos mais agradáveis do dia, para mim. 

Adoro água, de preferência do mar, mas a do chuveiro também é ótima.

Sentindo a água morna batendo na cabeça, escorrendo pelo corpo, nem me lembro sobre o que pensava. Lembro-me apenas de ter mudado de posição embaixo do chuveiro.

 De repente, assumi uma postura corporal diferente, inédita.

Nada espetacular ou perceptível para qualquer outra pessoa que estivesse me observando.

Se estivesse sendo gravado por uma câmera, nem assim seria perceptível para qualquer outra pessoa, mesmo que me conhecesse muito bem.

Mas para mim, foi tão diferente que me causou grande surpresa. Quase um susto.

Foi Um cruzar de braços seguido de um reposicionamento do corpo, que culminou com uma postura geral completamente diferente. Chegou a me soar estranho. 

Naquele exato momento, senti perfeitamente a concretização interior de uma mudança profunda, definitiva e surpreendente.  Uma sensação de força, como se algo muito importante houvesse sido solucionado no interior da minha mente.

Algo aconteceu que me fez diferente do que era segundos antes.

 Gostei do que senti, achei delicioso mudar e quero mudar mais, visitar e conhecer todos os meus outros Eus possíveis.

O acúmulo desses cliques mágicos é o que nos traz maturidade, sabedoria e promovem a abertura de belas estradas que nos levam sempre na direção certa, a direção do autoconhecimento.

- Edmir Saint-Clair

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APENAS UMA FOLHA EM BRANCO SOBRE A MESA

  

Na minha época de colégio não havia nada mais apavorante do que o professor pedir silêncio, logo no início da aula, e vaticinar:

— Guardem os livros e cadernos e deixem apenas uma folha em branco e a caneta sobre a carteira.

Aquela frase fazia gelar a alma do mais estudioso dos alunos. Imagine dos outros...

E a turma passava os 50 minutos seguintes em absoluto silêncio, todos concentrados naquele teste. A tensão na sala era enorme e, dependendo da severidade e atenção do professor da matéria, colar era o último recurso pelo alto risco que representava. Além disso, os mais aplicados geralmente se negavam a assumir aquele risco. E colar de quem sabia menos do que você, era dobrar a possibilidade de errar.

Lembro, com saudades, de quando achávamos que aquelas provas relâmpagos eram o grande problema das nossas vidas.

Mal sabíamos, que dali pra frente os testes relâmpagos fariam parte do nosso cotidiano.

A todo momento, elas aparecem das mais variadas formas e situações e temos de estar sempre com a matéria na ponta da língua. Em algumas provas da vida, não passar pode ser desastroso. E às vezes, passar também pode ser. E o problema desse excesso de possibilidades é que, não existe um professor para nos dizer se erramos ou não. O resultado de uma “prova da vida” pode demorar décadas para se revelar. E os resultados variam da felicidade extrema até as tragédias mais dolorosas, sem que saibamos direito onde acertamos ou erramos naquelas questões. E muitas vezes, quando aprendemos a lição já é tarde.

Como é complexa nossa vida de humanos, colocados à prova até por nós mesmos a todo instante. 

Quando chegamos a vida adulta, o único “professor” com quem contamos para corrigir nossas provas diárias, somos nós mesmos. Alguns felizardos descobrem as terapias, nas quais constroem ferramentas que facilitam muito essa tarefa.

E, são tantos os testes pelos quais temos que passar diariamente que, por extinto de sobrevivência, preferimos nem tomar conhecimento de que estão ocorrendo a todo instante.

Ao nos olharmos no espelho ao acordar, já passamos pelo primeiro teste do dia, o da autoestima, que determinará se “vamos ou não estar "de bem" com a nossa própria cara naquela manhã.  Dizem que nunca conseguimos nos ver como os outros nos veem. Dependendo do dia, nós achamos melhores ou piores, mas nunca da mesma forma como os outros nos veem.  Dependendo do Humor, podemos nos reprovar já de cara ainda de manhã cedo... E isso não é bom.

 Acordar se reprovando é reprovável.

A prova seguinte será imprevisível. E com certeza, também será relâmpago. Poderá acontecer numa situação no transporte, no trabalho, na família, nos amores ou com qualquer outro louco, que pode cruzar o caminho de qualquer um. E a gente nunca mais terá aqueles 50 minutos em silêncio para pensar sobre o assunto e lembrar de tudo que aprendemos, para só então decidirmos como agir.

As respostas, na maioria das vezes, têm que ser na bucha, no susto. No calor dos momentos, no arfar ofegante e agoniado da vida e com a adrenalina nas alturas dificultando qualquer tentativa de racionalidade.

Ninguém disse que seria fácil. E não é.

Afinal existem pessoas que sempre estarão dispostas a nos reprovar. E a despeito disso, continuaremos a "passar de ano", com aspas ou sem aspas, porque o tempo não tem segunda chamada, nem prova de recuperação.

O fato é que não precisamos tirar 10 em todos os testes, todos os dias, o que precisamos é passar, nem que seja raspando. Ninguém aprende se não errar. Mas, também, se não acertar de vez em quando, não tem como aprender. Ambos, o erro e o acerto, fazem parte do mesmo processo chamado amadurecimento.

E todos os dias, continuamos a escrever nossas histórias de vida nessa folha em branco sobre a mesa.

... e todo dia...

É dia de prova.

Edmir Saint-Clair

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A MORBIDEZ CONTEMPORÂNEA


"...o mal que está presente no cotidiano e que aparenta ser normal, pode alienar as pessoas de uma forma que elas acabam perdendo a consciência do quanto isso pode ser prejudicial a elas e aos outros. É assim que a banalidade do mal se estabelece." Hannah Arendt

Concordo totalmente com ela.
Quando o mal passa a fazer parte do nosso dia a dia, se torna banal, comum, não causa mais espanto...Transforma o que é inaceitável, em aceitável! Reduz a zero a humanidade que existe em cada um, e debocha da dignidade da vida.

 A morbidez dos noticiários diários é uma das características mais horrorosas desse momento histórico. Existe porque os assistimos avidamente, e damos o retorno financeiro a esse mercado de espetacularização de todos os tipos de crimes, tragédias e sofrimentos humanos.
As notícias sobre Tragédias sempre dão audiência. Agimos como se não pudéssemos perder nada, precisamos ficar antenados a esse furacão de acontecimentos
ininterruptos por todo planeta o tempo todo, sob pena de nos tornarmos defasados em questão de horas. Esse é o sentimento coletivo que impera atualmente.

Mas, será que só acontecem tragédias, crimes e maus feitos, no país e no mundo?

Será que propagar e assistir um pouco do lado bom, das conquistas e dos bem-feitos que, com certeza existem,
não seria estimulante?

Não alimentaria a esperança?

Sou defensor da ideia de que, quanto mais transparentes e documentados os atos e eventos públicos em todos os níveis da vida social, maior controle essa mesma sociedade terá sobre suas mazelas.
Mas, retroalimentar, constantemente, a morbidez distribuindo-a compulsoriamente a uma assistência indefesa e sem opções, é alimentar o mal que existe em cada ser humano. É dar ideias para os indivíduos mais desequilibrados copiarem, e funcionar como fonte de inspiração para as mentes doentias que vivem para fazer o mal, seja pelo dinheiro ou pelo prazer doentio de se tornar notícia, aparecer na mídia e ter seus momentos de fama, que hoje em dia, ultrapassam em muito os 15 minutos previstos por Andy Wharrol, nos já longínquos anos 70, do século passado.

Temos um lobo bom e um lobo mau brigando dentro de nós. Vencerá o que for mais bem alimentado e nutrido. E, não é só o indivíduo que alimenta seu próprio lobo, a sociedade como um todo e as redes sociais e de comunicação, vitaminam e turbinam o lobo mau de cada indivíduo, com todo tipo de anabolizantes que existem. Tudo oferecido de forma muito atraente, e aparentemente, gratuita. Tudo que o lobo individual precisa, é fazer parte da audiência. Não é difícil prever os resultados.

    Deveria ser um projeto de estado, manter uma comunicação de massa bem planejada, com a propaganda de ideias humanistas e colaborativas, aliada a uma publicidade criativa desses preceitos, que acelerem o processo de valorização da bondade, da solidariedade e do comportamento ético, e que seja capaz de atingir a toda população de forma abrangente e ininterrupta.

A criação de uma força tarefa interdisciplinar capacitada com recursos e objetivos claros e definidos, ofereceria excelentes possibilidades para acelerar mudanças sociais urgentes, extremamente benéficas e necessárias, de uma forma consistente e bem estruturada.

Incluindo o combate sistemático às intolerâncias de todos os tipos, como a homofobia, misoginia, discriminações étnicas, preconceitos regionais e religiosos.

As metas finais, simples e absolutamente claras para todos, seriam:

1 - Nos transformarmos, cada um de nós, em uma pessoa melhor;

2 - Todos nós, unidos pelo objetivo de nos transformarmos, através da ética e da atitude pessoal, em um povo melhor;

3 - A partir da mudança pessoal individual, transformarmos, o Brasil inteiro, num país mais justo e acolhedor.

Edmir St-Clair

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MOLECAGEM

 

- Bom dia, “Seu” Tatá! Saudou o porteiro.

- Bom dia, campeão!

        É assim que o Sr. Otávio é conhecido e cumprimentado por todos naquele quarteirão de Copacabana. Seu Tatá é conhecido por todos os comerciantes legais e ilegais daquela região. Depois da morte da esposa, a manifestação de solidariedade de todos o deixou ainda mais próximo e grato a todas aquelas pessoas que o adotaram. Graças ao apoio que recebeu, em vez de se trancar em casa, passou a circular pela região só para conversar com o pessoal. Após o luto, recuperou-se de tal forma que poucos poderiam imaginar.

 Não tinha filhos, morava sozinho e tinha uma aposentadoria que lhe bastava. Mas, o que mais colaborou para a recuperação do seu Tatá, depois da viuvez, foi o reencontro com os amigos da juventude que ainda estavam vivos, depois que a filha do vizinho o convenceu a comprar um notebook e abriu uma conta para ele em todas as mídias sociais.

Ele se deslumbrou. Passava horas e horas procurando antigos amigos, namoradas, conhecidos, recortes de jornais de época, vídeos antigos e tudo mais que fazia parte de sua memória afetiva. Em algumas tardes, voltava no tempo.

Segundo seu médico, ele vinha apresentando melhoras em todos os índices e marcadores que os exames podem mostrar. Seu estado de espírito parecia ter sido mergulhado na fonte da juventude. Para completar o quadro, encontrou 5 amigos que ainda estavam vivos, pelo facebook e, pasmem, que ainda moravam em Copacabana.

Passaram a se encontrar todos os dias na praça do Bairro Peixoto, onde se divertiam e partilhavam memórias e vivências.

Seu Tatá parecia ter voltado à juventude. Até o dia em que acordou com o barulho de máquinas bem embaixo de sua janela. Era no terreno ao lado, que estava sendo preparado para virar um galpão para estacionamento.

Ele aguentou o barulho por vários dias, apesar daquilo o irritar profundamente. 

Mas, fazer o quê? Pelo menos durava só até umas 5 horas da tarde.

Até o dia, ou melhor a noite, em que a obra do piso cimentado estava no final e três máquinas semelhantes a grandes enceradoras domésticas antigas, do seu tempo, invadiram a noite com seus barulhos não muito altos, mas extremamente irritantes.

Quando Seu Tatá acordou de um cochilo, às 8 horas da noite, as máquinas ainda estavam trabalhando e aquilo o irritou ainda mais. Com certeza, aqueles infelizes iriam até às 10 da noite com aquele barulho. Se não parassem ele ligaria para a polícia, afinal é para isso que existe a Lei do silêncio, pelo menos na época dele existia e as pessoas e as obras respeitavam certas convenções de boa vizinhança.

Às 10:30 da noite não havia nem sinal de que as máquinas iriam parar. À essa altura, Seu Tatá já estava bastante irritado e sentia-se enraivecido como há tanto tempo que nem se lembrava mais. Pegou o telefone para ligar para a polícia e pensou que de nada adiantaria. Iria demorar tanto até a polícia chegar, se chegasse, que os operários já teriam parado e de nada teria adiantado sua irritação e o chamado telefônico.

Mas, ele precisava fazer alguma coisa.

Foi até a geladeira se lembrando de como era bom ter sido um moleque bicho solto...Só de pensar no que iria fazer sua pressão arterial diminuiu, sua glicose baixou e quase teve uma ereção.

Pegou uma caixa de ovos, apagou as luzes do apartamento, fechou as cortinas, mas não as janelas. E começou a jogar os ovos nos três homens que operavam as máquinas e em mais um que fiscalizava. Jogava e se escondia, rindo sem parar. Cada ovo jogado era uma sessão de risadas. E o velho tinha uma excelente mira...

O que lhe causou uma crise de riso impagável.

Não precisou mais do que meia dúzia de ovos para que a primeira máquina fosse desligada e em seguida as outras.

Naquela noite Seu Tatá dormiu com um anjinho.

Edmir Saint-Clair




A MINHA MAIS DOCE NAMORADA

No final de novembro, o pôr do sol no arpoador já começava a reunir mais amigos, principalmente os que já tinham sido aprovados no colégio. Era quase verão, o primeiro em que já poderia sair à noite levando a chave de casa.

Foi lá que nos conhecemos. Não me lembro sobre o que começamos a conversar e a rir tanto, mas a paixão foi imediata, avassaladora e pra sempre...se não fosse assim, não seríamos adolescentes. 

E todos os dias passamos a nos encontrar no pôr do sol no arpoador. Apesar dos dois morarem no Leblon, o combinado era esse. 

Depois do primeiro beijo, nossas conversas foram ficando cada vez mais íntimas e confessionais; combinamos que aqueles seriam nossos últimos dias de virgindade.

Como eram longas e gostosas nossas confidências, nossos sonhos e nossos beijos!

A cada dia descobríamos mais cantos escuros para explorar tudo que as calças jeans e camisetas permitiam ao ar livre.

Era quase verão, a vida pulsava forte dentro de nós. Os calores aumentavam em nossos corpos, espremidos, um contra o outro, atraídos, colados, nos cantos escuros da Selva de Pedra, no Leblon.

Linda, forte, decidida e filha única de pais que viajavam nos finais de semana.

Não fizemos amor, o amor nos fez. 

Da forma mais gostosa e tranquila que poderia acontecer para quem nunca havia vivido aquela experiência. Com toda a ânsia, curiosidade, cumplicidade e explosão de alegria que se pode suportar.

Nunca esqueci a sua marquinha branca do biquíni de lacinho.

A vida era leve, o sol era quente e você era doce. 

De repente já era pleno verão, e nós continuamos, todos os dias, a ir a pé até o arpoador para ver o pôr do sol. 

Éramos adolescentes, bonitos, dourados de sol e felizes.

Edmir St-Clair

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