COACH LITERÁRIO

O ORIENTADOR LITERÁRIO é um profissional que acompanha, ensina e participa de todo processo de criação de um livro. Um profissional técnico, especializado em criação, um professor de escrita e um parceiro, ao mesmo tempo. Experimente, é terapêutico e libertador. Perpetue as histórias que só você tem para contar.
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A GREVE DAS PALAVRAS

 As palavras estão revoltadas.

Não suportam mais serem vilipendiadas,

mal interpretadas e caluniadas. 

Na reunião de hoje do DIretório CIrcular Ordinário NAcional do RIO, entidade conhecida como DI.CI.O.NA.RIO, esse assunto parece dominar as conversas e debates preliminares. O plenário está fervilhando. Fala-se em greve geral, que envolveria todas as classes de palavras. Um representante dos substantivos pede a palavra e sobe à tribuna:

- Amigos e amigas, estamos perdendo, cada vez mais, nossa credibilidade. Essa casa parece não existir mais. As leis do idioma são sistematicamente ignoradas. Corremos o risco de não fazer mais sentido. Como dizia o grande Ariano Suassuna, quando um jornal adjetiva o Chimbinha, da banda Calypso, como guitarrista genial, que palavra usar para definir Beethoven?

Foi aplaudido de pé pelo plenário.

A Democracia pediu a palavra:

- E eu??! Me usam sem a menor cerimônia e sem nenhum respeito à minha história. Falam em meu nome, mas no fundo estão só querendo enganar o povo. Estou cansada de ser usada por quem só quer exercer o poder em nome de si mesmo. Pelo prazer doentio de ter poder sobre outras pessoas.

A gratidão levantou-se e pediu um aparte:

- E eu??! Virei uma ordinária...na boca do povo. É gratidão por tudo e a toda hora. Antes, eu era chamada somente para ocasiões muito especiais. Por uma graça alcançada, por um grande favor prestado ou uma atitude nobre realizada. Hoje, valho muito pouco. Todos falam por  mim, sem ter a menor idéia de quem realmente sou. Não tem mais respeito algum. Sem querer ofender meus grandes amigos dessa classe tão efusiva, virei praticamente uma interjeição. Roubaram meu lugar de fala, perdi minha verdadeira identidade. Minhas origens estão ligadas a oração, ao contato com o divino e com sentimentos profundos de agradecimento. Hoje, virei arroz de festa, fim de frase. Sinceramente, perdi completamente o sentido de existir...

Os companheiros se aproximaram para consolá-la, estava aos prantos, muito emocionada com o próprio discurso.

Dali pra frente, discussões cada vez mais acaloradas davam a dimensão exata de como a corrupção dos sentidos e má utilização geral das palavras havia chegado ao limite do suportável. Acusação de complacência da casa com erros imperdoáveis. Para os mais conservadores, verdadeiros crimes hediondos contra as palavras.

No final, não houve mais discursos. Todo plenário levantou-se e uma só palavra foi ouvida:

- Greve geral já!

A partir da meia noite, as pessoas que estavam em seus computadores foram as primeiras a notar. Primeiro, pensaram que fosse defeito nos teclados e touch pad dos smartphones. Mas, todos perceberam que se digitassem números, eles apareciam normalmente. As palavras estavam em greve. Inclusive as escritas a mão. Isso só foi confirmado pelo Jornal da Manhã da TV. Em todos os sites brasileiros, só havia números. Não havia palavras. Não havia nada escrito em português do Brasil. Os sites em outras línguas estavam normais.

O dia foi de ligações telefônicas, única forma de comunicação em território brasileiro. Recordes em cima de recordes nos números de chamadas de todos os tipos. As pessoas só conseguiam saber dos acontecimentos através da palavra falada. Ninguém conseguia escrever nada. Mesmo que tentasse escrever com canetas diretamente no papel, as palavras não obedeciam às ordens dadas e se embaralhavam como numa criptografia caótica e indecifrável.

No final daquela noite, surgiu o único texto que apareceu nas telas de todos os aparatos conectáveis do Brasil, nas últimas 24 horas:

“Dentro de 10 minutos retornaremos ao trabalho. Mas, pedimos aos nossos usuários que façam um uso mais adequado de nossas atribuições. Levamos milênios sendo aperfeiçoadas e vocês estão nos deixando sem sentido em poucos anos. Por favor, nos tratem com mais carinho e aprendam nosso uso correto, não é tão difícil.  Afinal, nosso objetivo é o mesmo: fazer com que todos nós nos entendamos da melhor maneira possível.”

- Edmir Saint-Clair


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CONVERSAS NECESSÁRIAS

 

Todos nós temos pendências emocionais e existenciais. Assuntos que nos incomodam muito e que, por isso mesmo, evitamos pensar e abordar.

Algumas dessas questões são com pessoas importantes e queridas em nossas vidas. Importantes demais para que as deixemos se perderem de nós, e nós delas, sem que aconteça uma tentativa de esclarecimento que deixe, ao menos, a alma mais leve. Alguma atitude que nos permita dizer: 

- eu tentei de verdade.

Quantas vezes, nos pegamos divagando numa suposta conversa com aquela ex-companheira(o) com quem vivemos um grande amor, mas tivemos um final confuso e cheio de mal-entendidos. Ou, a conversa com o parente muito próximo, com quem tivemos conflitos nunca esclarecidos. Às vezes, nos afastamos de pessoas queridas por nunca termos tido a iniciativa de ter uma conversa que pudesse trazer luz aquele assunto pendente. Apenas para esclarecer, para clarear a questão e buscar um entendimento. Sem vencidos, nem vencedores.

A vida não é e nunca foi uma competição.

A maioria de nós, tem a tendência a ir acumulando pendências emocionais. Questões mal resolvidas, que foram varridas para debaixo do tapete. Situações espinhosas que nos causam um mal-estar interior. Das quais não nos damos conta, na maior parte do tempo, mas que brotam nos momentos mais improváveis e desagradáveis, sempre atrapalhando alguma coisa boa.

Isso quando não são despertadas já tarde demais, quando já não podemos fazer mais nada.

Situações que poderiam ter sido esclarecidas e não foram, provocam mais que frustação, provocam distanciamento.  E por isso, se retroalimentam, criando distâncias que se tornam intransponíveis. Que ficarão para sempre, nódoas que incomodarão em todo dia branco. Aquela pontinha de espinho que nunca deixa de incomodar.

Uma coisa é certa, não adianta tentar tocar em frente uma relação que sofre com pendências. Não adianta tentar varrer para debaixo do tapete. Porque na vida não tem tapete, e o chão é sempre bem duro. E não tem embaixo, nem em cima, é tudo a mesma vida, uma coisa só. E uma só vez. Não tem reprise, não tem segunda chance.

Não podemos deixar tudo a cargo do tempo. Essas conversas necessárias têm que acontecer, sob pena de se transformarem naquelas terríveis dores nas costas que nos fazem entrevar diante de seu peso invisível. Temos que correr atrás, agir para esclarecer nossos mal-entendidos com as pessoas queridas. Não podemos deixar algo tão importante por conta do acaso. É muito arriscado, a vida é uma só.

O tempo passa sem parar, nem por um segundo, e se deixarmos por conta dele as distâncias podem se alongar até que a possibilidade de volta não exista mais. Não existe relação, em nenhum nível, que não possa ser estragada pela falta de esclarecimentos mútuos sobre assuntos mal resolvidos.

A mágoa deixa marcas, nódoas, cria barreiras e distâncias que o tempo não resolve, ao contrário, só alimenta.

Esclarecer pendências com as pessoas queridas é necessário. O orgulho bobo ou a infantilidade de querer ter razão é algo pouco inteligente e muito, muito prejudicial.  Uma conversa sincera onde a única intenção seja o entendimento mútuo, é o único caminho para que a distância definitiva não se estabeleça.

Poder ver, através do olhar de quem amamos, a nossa versão mais bonita, é um dos momentos mais sublimes e felizes que podemos experimentar na vida.

 Sentir que somos amados por quem amamos é ser feliz.

Diminuir essa possibilidade, através do afastamento de pessoas queridas, é perder um pedaço gigante da felicidade que nos é possível.

Definitivamente, varrer pendências sentimentais, com pessoas que nos são caras, para debaixo de um tapete que não existe, é um erro que pode nos custar muito caro.

Pode nos custar quem amamos. 

 – Edmir Saint-Clair

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O DIA EM QUE CONHECI UMA LENDA

  Janeiro, férias escolares. 

Eu tinha uns 12 anos e acabara de ganhar meu primeiro violão no último natal. Passava a maior parte do tempo entre a praia, as peladas à tarde e o violão no resto do tempo. Dias cheios, quentes e inesquecíveis. 

O condomínio dos Jornalistas, no Leblon, fervia de crianças e adolescentes. Literalmente, dos seis aos vinte havia gente de todas as idades. Bem no centro do condomínio havia um rinque de patinação que servia, principalmente, para o pessoal ficar sentado nas bordas. No centro, tinha de tudo, menos gente patinando. À noite, a festa continuava com brincadeiras de polícia e ladrão com 50 crianças em cada time correndo por uma área que corresponde a um quarteirão inteiro do Leblon cheio de árvores e com espaço à vontade. Era uma festa diária e interminável.

Os quase adolescentes como eu, ficavam conversando e e tocando violão, tentando chamar a atenção das meninas. Eu ficava olhando e tentando repetir a posição dos dedos no meu violão. Eu levava jeito e em pouco tempo estava tocando algumas coisas mais simples,  Carpenters, James Taylor, Carole King e outros adocicados do gênero. Dos brasileiros eram poucos que faziam sucesso na nossa roda; Novos Baianos surgindo, Milton Nascimento e o clube da esquina, Mutantes e o Terço eram as exceções.

Os FIC (Festivais Internacionais da Canção da Globo) estavam em decadência e já não despertava a nossa atenção como antes. Só a minha, que sempre fui ligadíssimo em música desde que me entendi por gente, e me interessava por tudo. Acompanhava pelo jornal o passo a passo das etapas e sabia quem eram todos os participantes, tanto da fase nacional quanto da internacional.

Mas, quem fazia sucesso naquelas férias era James Taylor. Naquele dia, depois da décima repetição de “You've got a friend” senti que era hora de subir para casa, naquela época ainda tinhamos hora determinada pelos pais para voltar.

Quando cheguei à minha portaria, já estava esperando o elevador um cara alto, jovem, muito magro e com os cabelos penteados de um jeito engraçado. Puxou conversa quando viu meu violão. Falou que era da Bahia e estava na casa dos primos, Horácio e Heloísa, que eu conhecia desde sempre, apesar de serem mais velhos do que eu. Disse que era cantor e que iria se apresentar no FIC da TV Globo. Fiquei entusiasmado com aquilo, o cara era muito simpático e gente boa, o que não era comum, já que os “caras mais velhos” não davam a menor importância para pirralhos como eu. Quando chegou meu andar, abri a porta, me voltei para ele e perguntei:

- Como é seu nome? Vou assistir você na TV.

Ele respondeu sorrindo:

- Raul Seixas.

- Edmir Saint-Clair


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MISTÉRIO NO LEBLON

 
 Rio de Janeiro - Bairro do Leblon,
início do outono, 20h55m.

Eu acabara de sair da academia Lucinha & Cláudio, atravessara a Rua Humberto de Campos, na direção da Rua José Linhares, que fica a menos de 50 metros. Estava dobrando a esquina, quando vi uma senhora idosa vindo na direção contrária. Ela dá uma topada na calçada, se desequilibra e começa a acelerar o passo descontroladamente. Ela vai cair.
Corro em sua direção para tentar ampará-la mas, antes que chegasse perto o suficiente, surge do nada uma mulher muito esguia de cabelos pretos, curtos, e a segura, colocando-a de pé e sumindo novamente.

Tudo não durou mais do que fugazes 3 segundos.

Fiquei petrificado com a cena. Senti-me muito estranho, um desconforto cerebral extremamente desagradável, como se tivesse levado uma pancada forte na cabeça. Senti uma confusão agoniante, uma perda da noção do que era ou não realidade. Como uma pane inexplicável no meu sistema mental...

Como alguém aparece e desaparece do nada? Sim. Ela não surgiu e foi embora correndo ou sumindo de forma gradual, como é natural acontecer. Ela apareceu e desapareceu, como um flash fotográfico.

A Senhora Idosa estava atônita e tão perplexa quanto eu. Quando conseguimos trocar olhares, foram de puro espanto!

Aproximei-me dela um pouco mais e perguntei-lhe o que tinha acontecido. Ela me relatou, exatamente, a mesma coisa que eu havia visto. Utilizando, inclusive, as mesmas expressões como “apareceu do nada" e “Desapareceu do nada”.
Ela relatou o que eu tinha presenciado com a mesma precisão de detalhes que eu percebera. Ou seja, quase nenhum, já que a velocidade do evento, foi como se alguém tivesse colocado um vídeo em câmera acelerada.

Logo percebemos que havia uma prova física e inequívoca do ocorrido: a Sra. Idosa estava usando uma blusa branca de mangas compridas e, nela, estavam estampadas visivelmente, duas marcas de mãos onde o “ser” a segurara. Perfeitamente visíveis e brilhantes.
Nós dois olhamos para as marcas e, em seguida, um para o outro, ainda com expressões de absoluta incredulidade.

Percebi que havia testemunhado algo fantástico e extraordinário, e que não haviam palavras que pudessem descrever aquele flash inacreditável.
Ficamos em silêncio, eu e a Senhora Idosa, tomando fôlego e reiniciando os pensamentos. Pouco depois, seguimos caminhando, lentamente, até a entrada do prédio para onde ela estava indo. Ambos no mais absoluto silêncio, em choque.
Despedimo-nos pelo olhar, sem trocar mais nenhuma palavra, ainda visivelmente desconcertados. Não havia nada o que falar. Nossos olhares se acenaram, confirmando a cumplicidade que havia acabado de nascer. Nunca mais a vi e nunca soubemos o nome um do outro. E Nunca entendi o que havia acontecido.

- Edmir Saint-Clair


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GENTE - Poesia

 



Gente, quente, pulsante ser,

O lugar onde todo o universo, dentro pode conter.


É Carne e Sexo, sem nexo, 

Pura luz e seu reflexo,

viajante no complexo viver.


 Gente é preto, é branco,  é pranto 

que escorre e salga o susto de viver.


Sem saber é tudo e nada, 

 é pouco e muito 

é  meio e canto de prazer...


Gente é dia e noite, é jeito de viver,

É parte da brisa, do movimento do ar,

Do mar, do sol, do riso, do brilho da paixão.


Sempre buscando, desejando, querendo,

 Tanto quanto mais gente puder ser.


Gente é vida e morte, é sorte sem saber,

É sonho, é salto, é vôo da ilusão,


É simples, 

é nada, 

e nem precisa ser.


- Edmir Saint-Clair

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INTOCÁVEL

 


Eram jovens em seus últimos momentos da adolescência, quando se viram pela primeira vez. No pôr do sol, no Arpoador, num verão.

A multidão contemplava embevecida aquele show de luz e sombras, enquanto o sol se deitava, aos poucos, aconchegado pelos dois irmãos. O mar, o sol e a montanha reunidos pelo sublime  espetáculo diário da natureza carioca.

Assim que se posicionou na pedra ele a viu pela primeira vez. Ela também.

A partir daquele olhar ele ficou alheio a tudo mais que acontecia em volta. Ela estava fitando-o de forma acintosa, involuntariamente, e ele também. Menos de dez metros de distância, mais as dezenas de pessoas entre eles, os separavam.

Apenas olhavam-se fixamente, e a distância não impedia que fosse evidente que as pupilas de ambos haviam se conectado além de tudo e todos. Além deles mesmos.

Não sorriram, não piscaram, não fizeram menção alguma de se aproximarem, estavam imóveis e absurdamente focados. Em transe profundo.

Enquanto ouve luz suficiente para o olhar humano distinguir traços no escuro, ficaram onde estavam, imóveis, ligados por algo indescritível que nunca haviam sentido antes, até o sol se pôr completamente e a vida virar noite.

Saíram misturados a multidão, sem que se encontrassem.

Passou-se 40 anos.

De novo um Pôr do sol no Arpoador, num verão.

Se reconheceram pelo olhar, apesar das implacáveis marcas do tempo nos rostos, nos corpos e nas almas de cada um. Depois de toda uma vida, eles estavam no mesmo lugar, a mesma distância e num momento tão sublime quanto aquele que jamais haviam esquecido.

Novamente, permaneceram no mesmo transe de antes, enquanto a natureza dava seu mesmo espetáculo de todos os verões.

Permaneceram exatamente como há 40 anos. As pupilas engolidas pelas outras pupilas, à distância, saciando a fome da alma.

Não se aproximaram. Não valia a pena tocar aquela lembrança tão suave, profunda e intensa com as duras e ásperas mãos da realidade. Sabiam que estavam sentindo exatamente a mesma coisa. O mesmo sentimento habitava os dois corpos ao mesmo tempo. O Inexplicável, o etéreo e o sublime novamente se encontraram.

Por algum motivo muito além da razão, eles souberam exatamente o que tinham que fazer.

Então, eles levaram um ao outro consigo para sempre, intocáveis.

Edmir St-Clair

TERRA PLANA, DOENÇAS E A DESIGUALDADE INTELECTUAL


É difícil acreditar que essa

“Teoria” da Terra Plana possa ser levada a sério

por alguém com um pingo de capacidade mental.

O ser humano é, sem dúvida, um animal com uma característica muito peculiar: é o único que consegue desaprender.

Uma onça, por exemplo, que atacar um porco-espinho adulto, via de regra, terá dolorosas lembranças espetadas em sua boca e focinho. A probabilidade desta mesma onça atacar novamente um porco-espinho é mínima ou nula dali pra frente. Essa lição nunca será esquecida durante toda a vida do felino. Ela jamais vai duvidar ou questionar o que aprendeu através de sua experiência prática. Após o evento, será muito pouco provável que volte a se arriscar.

O ser humano é diferente, parece sofrer de uma triste capacidade de retroceder em seu processo evolutivo, de involuir, de desaprender. Parece não se importar em jogar fora conquistas importantes e fundamentais para sua própria segurança, para que sua vida seja potencialmente melhor.

O recrudescimento da ignorância é o mais preocupante sintoma da desorientação mental pela qual nossa sociedade parece padecer atualmente. A Terra plana é um desses sintomas. Para que alguém acredite que a terra é plana tem que, necessariamente, desacreditar de todo o progresso conquistado pela ciência nos últimos séculos. Praticamente tudo desde Galileu Galilei até hoje. E, pior, tem que acreditar numa imensa e colossal Teoria da Conspiração, claramente doentia e psicótica.

 Não hesito em apontar que a pior crise que o Brasil vive hoje é a intelectual. A decadência de nosso sistema de ensino tem se refletido de forma trágica nas escolhas realizadas por nossos cidadãos quando votam para escolher seus representantes, demonstrando como são facilmente enganados, ludibriados e conduzidos como um "admirável gado novo" de Zé Ramalho.

 A ignorância é sempre terreno fértil para que emerja o que há de pior numa sociedade. Por isso, mantê-los nessa situação de incapacidade intelectual é tão interessante para políticos e religiosos. É fácil controlar quem acredita em qualquer coisa. Qualquer mentira um pouco mais elaborada ganha ares de verdade para quem não tem preparo nem capacidade crítica.

 O Sarampo que já havia sido erradicado há anos volta a preocupar bastante nosso país. O caso é sério e grave. Um absurdo, uma abominação. E, não só os não vacinados estão em risco, toda a população está.

Não sem motivos, essa onda de ignorância que parece estar aumentando de forma galopante, deixa claro um aspecto sobre o qual não vejo comentários ou preocupações manifestadas: o abismo da desigualdade intelectual.

Sob esse prisma as projeções são dignas das piores distopias imaginadas, por enquanto, como ficção.

É muito mais difícil presenciarmos alguém questionar a importância de uma vacina quando ela tem o mínimo de conhecimento formalmente adquirido de fonte com competência reconhecida.

O pior aspecto da desigualdade intelectual é que ela cria um abismo onde deveria haver uma ponte.

Ela impossibilita o entendimento entre as pessoas no seu dia a dia. Chega a criar barreiras linguísticas entre indivíduos que falam a mesma língua, dada a diferença de capacidade de entendimento recíproco. Gera antipatia onde deveria haver empatia. Abre espaço para todo tipo de crenças, superstições e teorias estapafúrdias, desagregadoras e perniciosas.

Um paraíso para mentiras, agora rebatizadas como fake News.

O desconhecido sempre foi o pior dos fantasmas para o ser humano. E, ele sempre tenta preencher esse buraco, provocado pela ignorância, com qualquer coisa que aplaque seu medo. Mesmo que seja a mais insana e absurda das explicações.

A aproximação do estado com a religião sempre causou grandes tragédias e retrocessos de séculos para os povos que experimentaram esse tipo de aventura insana e maléfica.

Nesse panorama, abre-se espaço para o sarampo, poliomielite, febre amarela, falsos profetas (aqui, uma nítida redundância), políticos hipócritas (também redundante), ladrões, criminosos e canalhas de todos os tipos em todos os segmentos da atividade humana.

Abre espaço para o retrocesso. A ignorância abre espaço para o desentendimento, para a mentira, para o mau-caratismo, violência, racismo, homofobia, doenças, misoginia e para tudo que há de pior na natureza humana. Se temos alguma missão na vida, com certeza uma delas é conseguir evoluir a ponto de erradicar esses piores aspectos de nossas mentes e personalidades.

Por isso, a solução nunca estará no passado, porque a única solução é evoluir. E, para isso, a expansão do conhecimento deve ser ininterrupta. Temos que fazer diferente do que sempre fizemos para alcançar resultados que nunca alcançamos.

Que resultados? Viver com menos aflições, com menos medo e com menos doenças, para que cada um possa ser o mais feliz que conseguir. Parece simples e é.

Dentre outras coisas, o conhecimento nos faz acreditar no futuro, no surgimento dessas novas possibilidades.

Não tenho a menor dúvida de que só o conhecimento, advindo da ciência, poderá nos salvar desse delicado momento que a civilização humana atravessa.

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Esse texto foi publicado originalmente em 09 de julho de 2019. 

 – Edmir  Saint-Clair
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UMA FÁBULA DE ANO NOVO


Era uma vez um planeta triste no qual morava um homem muito alegre que adorava inventar coisas.

Numa manhã, sem motivo nenhum, ele resolveu inventar que naquele dia tudo ia mudar à meia-noite.
- Por quê? perguntaram todos.
- Porque mudar é sempre bom, respondeu ele.

E convenceu um monte de gente, que não só passou a acreditar como começou a falar para todos que encontravam, que uma grande festa tinha que acontecer para que todos no planeta resgatassem a alegria de viver.

- Porque não? Pensaram todos. Verdade ou não, mal não fará.

E a ideia foi se disseminando de forma viral como nunca se vira antes.
As comunicações digitais sem fronteiras daquela civilização altamente desenvolvida, logo incluíram todo planeta triste na ideia e, àquela altura, aquela ideia já havia se transformado num movimento planetário.

A coisa toda era muito simples: a partir do final do por do sol, e durante toda a noite até o nascer do sol seguinte, todos deveriam sair de casa com suas melhores roupas, elogiar e dar um sorriso para alguém que nunca tivesse visto antes.

E assim foi feito.

E, durante toda a noite, cada ser daquele planeta triste ofereceu e recebeu sorrisos e elogios de quem nunca havia visto antes.
As consequências imediatas foram as gentilezas mútuas que se seguiram. Com o passar das horas ninguém se contentava mais em dar apenas um sorriso ou fazer apenas uma gentileza.

E toda a população daquele planeta triste se embriagou de sorrisos, gentilezas, elogios, agradecimentos e de tudo que provocasse o sorriso alheio. Se embriagaram de bondades, cada um mais sorridente e gentil que o outro. E extrapolaram no melhor sentido possível, incluindo espontaneamente parentes, amigos, conhecidos e todos que lhes cruzassem o caminho.
Foi a maior festa que já havia acontecido na história daquela civilização.

A noite acabou e o dia seguinte nasceu diferente de todos os anteriores na história daqueles seres.

Aquela invenção havia gerado uma explosão de alegria e de empatia que jamais acontecera e fez cada indivíduo dar um sorriso que não daria e ser mais gentil do que, normalmente, seria. E as consequências foram todas.

A partir daquela noite, e em todos os dias que se seguiram, a vida naquele planeta não é mais triste.

E, desde então, no dia exato em que o planeta completa mais uma volta em torno de sua estrela, eles repetem aquele mesmo ritual.
E cada vez a vida se torna ainda melhor.

FELIZ ANO NOVO!

Esteja em que planeta você estiver.

- Edmir Saint-Clair

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ONDE TUDO SE ENCONTRA

 

Andei por muitos lugares, por perto, por longe 

                                                    e nas metades de caminhos,

Me detive onde havia música, onde havia olhares,

                                                                 paisagens e carinhos,

Também perdi muito tempo onde não deveria parar,

Onde os sorrisos não cabem não nos devemos demorar,

Encontrei muitos oásis, muitas pousadas amigas,

Também encontrei intrigas onde não deveria encontrar,

Em todas as praças encontrei crianças, encontrei amizades,                                                                 encontrei esperanças,

Pelos silêncios do mundo busquei por respostas, 

busquei por motivos, busquei por razões

                                                              que nunca encontrei.  

Vi que os lugares são muito diversos, 

                                            separados por distâncias infindas,

Todas mais lindas do que onde eu deveria estar,

Descobri o lugar onde tudo existe no mesmo momento 

                                                            e fazendo todo sentido,

Revelando os amigos, os amores e os sorrisos,

E, por fim, descobri que o final de todas as estradas 

                                                                                onde andei

Se encontram em mim.

Edmir Saint-Clair

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