O ORIENTADOR LITERÁRIO é um profissional que acompanha, ensina e participa de todo processo de criação de um livro. Um profissional técnico, especializado em criação, um professor de escrita e um parceiro, ao mesmo tempo. Experimente, é terapêutico e libertador. Perpetue as histórias que só você tem para contar.
Jorge havia passado sete anos no Tibet. Não porque fosse um
espiritualista nato, mas para fugir de uma grave acusação envolvendo brigas de
gangues que haviam culminado em homicídio. Ele não tivera participação direta
no evento, mas fazia parte da turma que participou do crime e não tinha como
provar que não estava no local no momento do ocorrido. Sem lhe restar esperança,
sua família o sugeriu uma fuga para algum lugar onde não pudesse ser encontrado.
Jorge tinha um primo que se tornara, há pouco, monge no
Tibet, que lhe ofereceu abrigo até que as coisas serenassem no Brasil. Para um
praticante de lutas e frequentador assíduo de brigas de rua ou qualquer coisa
parecida, seria uma mudança absoluta e, muitos apostaram, impossível.
Sem opção, Jorge partiu rumo ao Tibet. A caminho do
mosteiro onde ficaria hospedado, teve acesso as últimas notícias sobre o julgamento
de seu caso. Ele havia sido sentenciado há 8 anos de prisão, em regime fechado.
Jorge deu graças a Deus por estar tão longe, não suportaria nem um mês numa
penitenciária brasileira. Esse pensamento serenou sua alma.
Sete anos depois, Jorge aterrissa no galeão de volta a sua
cidade natal e já resolvido com a justiça brasileira. É seu recomeço.
Sente-se um homem completamente diferente daquele valentão
ridículo que fora um dia. Os ensinamentos que recebera o transportaram para outra
dimensão dentro de si mesmo. No caminho até a casa dos pais, em Copacabana a
primeira coisa que reconheceu foi a decadência do aeroporto, que já estava
decadente há sete anos. A segunda, foi o cheiro da baía de guanabara saindo da
ilha do governador. Nada mudara, mas, para ele, tudo mudara. Lembrou-se de um
dos princípios básicos da sabedoria tibetana: quando você muda por dentro, tudo
por fora muda junto.
Era verdade, nada do que via o incomodava mais.
Assim que terminou de tomar o café da manhã de boas-vindas
que os pais lhe haviam preparado, resolveu ir até a praia de Copacabana, sua
areia natal. Seus novos ares monásticos eram puro êxtase com tudo a sua volta. Os
pais, o velho porteiro do prédio, a secretária doméstica que o viu crescer e
todos que o viam exclamavam sobre a mudança impressionante que Jorge havia
sofrido.
Jorge, a cada observação de alguém, pensava:
“A mudança interior, realmente, provoca muitas mudanças no mundo ao redor."
Chegou na praia, sentou-se, colocou seu celular e sua carteira
ao lado e assumiu a postura tradicional de meditação. Havia poucas pessoas
naquele dia nublado. Fechou os olhos e, ao som do barulho das ondas, meditou
profundamente, Estava em paz.
Quando abriu os olhos, seu celular, sua carteira e toda
calma e serenidade, que havia trazido do Tibet, haviam sumido.
Copacabana não é para amadores, nem para monges.
Depois disso, Jorge desistiu de fundar um templo para meditação e abriu mais uma academia de Jiu-Jitsu em Copacabana.
por
uma espécie de paralisia, agoniante e insuportável.
É
como naquela brincadeira de criança que, de repente, alguém grita “estátua” e
todo mundo tem que parar na posição que estiver. Ninguém se mexe. A gente
pensa, mexe os olhos, respira, mas não se mexe.
São
muitas idéias, muitos projetos e uma falta total de ação. Uma impossibilidade
física de produzir, mesmo com toda a matéria prima pronta, organizada na
cabeça e energia saindo pelo ladrão. Falta aquele clique que desencadeia o desenrolar dos acontecimentos.
Mas, não clicamos. Adiamos. Não dá trabalho algum, mas não clicamos. Não
agimos, não fazemos o que temos e queremos fazer.
A ansiedade aumenta, o bolo no peito sufoca, porque falta-nos a ação. Como se o
nosso corpo não obedecesse ao comando. Uma agonia perturbadora que pode chegar a extremos.
O
cobrança por alto desempenho tem nos levado a quadros de ansiedade capazes de nos tirar o impulso de agir até mesmo para buscar ajuda . Além da cobrança do mercado de
trabalho temos, mais importante do que essa, a nossa própria cobrança interna, não raro, ainda mais cruel.
Esse
compromisso compulsório com algo que nem sabemos direito o que é, está presente o tempo inteiro, diariamente,
em todos os campos de atuação, nos fazendo adoecer e causando, muitas vezes, distúrbios incapacitantes. A ansiedade paralisante é apenas uma delas.
Gera
uma inquietação onipresente e oculta, que sempre tem como subproduto cumulativo as crenças negativas sobre si mesmo, que subtraem porções significativas de nossa qualidade de
vida e saúde, a cada minuto.
Não existe um motivo evidente que, por si só, justifique o estado
permanente de tensão. Mas, ele está lá, atrapalhando, incomodando e, às vezes,
paralisando. Uns dizem que é medo do sucesso, outros que é medo do fracasso. E,
por aí, se desenvolvem milhares de teorias que vendem como água no deserto, sob
a forma de literatura de autoajuda.
O
compromisso com o desempenho, em todos os aspectos, que nos é imposto por todos os lados reais e virtuais, é algo terrível que pode nos empurrar para uma vida muito pesada e
difícil.
Precisamos
deixar de lado essa cobrança cruel e desumana que a "sociedade", essa
entidade fantasmagórica que age nas sombras dos nossos próprios pensamentos,
nos impõe.
Quanto menor nosso autoconhecimento maior será essa influência
negativa, se manifestando nas várias formas desse transtorno paralisante. Ele pode chegar a níveis literalmente insuportáveis. Por vezes, até respirar fica difícil.
Quanto maior nosso autoconhecimento, autoestima, ferramentas psicológicas aprendidas e nossa rede de apoio humano, menos esse condicionamento social cruel e determinante nos influenciará.
Ainda
bem que vivemos em tempos onde as terapias oferecidas pela neuro-psicologia já
nos oferecem recursos para transformar toda essa agonia e ansiedade em
crescimento, evolução e qualidade de vida.
Acho fantásticas as oportunidades únicas que as mídias
sociais nos proporcionam para observar o comportamento humano. Não existe lugar
onde as pessoas se exponham mais. Conheço pouquíssimas que conseguiram se
manter à parte até agora.
Hoje, é a principal fonte de dados sobre hábitos,
comportamentos e opiniões. Não fossem as limitações impostas pelos famosos
algoritmos que limitam o alcance de cada perfil, os institutos de pesquisas
nunca mais teriam que sair às ruas.
Quem estuda para entender sobre pesquisa e estatística,
sabe como interpretar esses dados, podendo-se chegar a saber até a cor da roupa
de baixo que a pessoa usa, quantas vezes por dia vai ao banheiro ou bebe água.
Tenho algum conhecimento técnico de como tabular e
interpretar pesquisas, por ser publicitário e escritor, e isso tem uma valia
inestimável para subsidiar meus trabalhos.
Dentre algumas postagens recorrentes, uma tem me chamado a
atenção em especial: a exaltação das surras de cinto, de sandálias, tapas e
outras lembranças da truculência e agressividade de certas práticas
"educacionais" praticadas até poucos anos.
Causa-me estranheza a que ponto chega o saudosismo e a
melancolia de alguns. Além, é claro, da falta de conhecimento sobre os
incríveis avanços da ciência em todos as áreas do desenvolvimento humano.
Nunca pensei que veria meus contemporâneos se tornarem tão
reacionários e resistentes a passagem do tempo, aos avanços dos conceitos,
costumes e entendimentos sobre os processos que nos constituem, a ponto de
fazerem declarações louvando surras de cinto e outras barbaridades praticadas e
que, graças a evolução dos conhecimentos, foram banidas da esfera do aceitável.
As mesmas pessoas que proclamavam a paz e o amor no final
do século 20, hoje, se dizem saudosas das surras de sandália ou de um tapa
estalando na pele. Cadê a paz e o amor, principalmente com os filhos? Era só
modinha? Parece que no Brasil, era sim.
Quando vejo as surras com sandálias, cintos e varas sendo
consideradas e saudadas como “ferramentas educacionais” que fazem falta
"hoje em dia", sinto muito mais pena do que raiva.
Quem tem saudade de um tempo em que apanhava com aqueles
apetrechos é porque deve estar, atualmente, apanhando muito mais dolorosamente
da vida. Deve estar se sentindo tão excluído do mundo, que o ruim de ontem lhe
parece melhor do que a vida lhes oferece hoje.
A raiva deve ser tanta que o desejo é sair dando porrada em
tudo que lhes desagrada, pela solidão que a evolução lhes impõe, por não
conseguir compreendê-la.
Mas, essa obsolescência
tem cura; o conhecimento e a autodeterminação.
Há sempre coisas novas a serem descobertas, coisas interessantes, sejam
quais forem os interesses.
Novidades estão sendo criadas, descobertas e pensadas todos
os dias. E, não existe melhor forma de manter a importância da vida do que se
importar com ela, do que cultivar a curiosidade. Do que continuar tendo a sede de saber os porquês.
A vida só se importa com quem se importa com ela.
A certeza é a pior inimiga da evolução. Quem acumula muitas
certezas e não deixa espaço para novas dúvidas e mudanças, se torna obsoleto.
O obsoleto não tem mais importância, não tem serventia e já
não conta mais, é carta fora do baralho.
Deve ser muito triste se sentir obsoleto, que é a mais
dolorosa característica de quem perde o trem da história; a inutilidade
existencial.
Para esses, a passagem do tempo arde muito mais do que o
mais ardido dos merthiolates de antigamente.
Não estou
falando do programa da Globo que deu origem ao que, hoje, é um rótulo
cinematográfico brasileiro para designar produções açucaradas e fantasiosas. Em
tempos de streaming, filme tipo Sessão da tarde pode ser em qualquer horário.
Basta ser um daqueles em que o bem vence o mal, a amizade vence o egoísmo e o
amor vence tudo.A gente precisa disso,
de sonhos, de esperança e de utopias ingênuas e aleatórias.
É assim que nós, seres humanos, conseguimos nos reabastecer
de esperança para continuar nossas batalhas pessoais, superpotencializando
nossas qualidades e projetando-as em heróis e heroínas, que são tudo que não
conseguimos ser em nosso dia a dia. E, já que a neurociência caminha para
provar que realidade é uma “produção cinematográfica” original e única, do
cérebro de cada um de nós, às vezes, é preciso fabricar ao menos a ilusão de um
final feliz, embarcando na beleza dos contos, quase infantis.
É a nossa hora do recreio na vida, um intervalo na
realidade, onde brincamos e nos reabastecemos de sonhos e nos permitimos viver
mais leves, provando que todos nós, no fundo, ansiamos pela redenção da vida.
Por aqueles momentos em que temos certeza absoluta de que a
vida, às vezes, tem até trilha sonora e que vale, mesmo a pena, ser vivida.
Janeiro de 1985. Verão quente, ano novinho em folha e o
maior festival de Rock de todos os tempos há pouco mais de uma hora de
distância de pular do meu mais improvável sonho para o maior palco que eu já
havia visto na minha frente.
Uma linha especial de ônibus foi criada, exclusivamente,
para levar o público do festival, coletando-o a partir de vários pontos
determinados do Rio de Janeiro.
Eu e uma galera gigante do Leblon, terminamos de lotar um
dos ônibus logo no primeiro ponto. A tensão, a expectativa e a proximidade de
algo tão especial gerava o tipo de ansiedade mais saudável que existe, aquela
que nos faz entender totalmente a expressão "rindo à toa". No ônibus cheio, os sorrisos à mostra eram
tão evidentes, que a impressão é que alguém contou uma hilária e interminável
piada. Qualquer movimento virava motivo para uma gargalhada.
Chegamos ao local do festival ainda dia claro, poucos
minutos antes dos portões serem abertos. Todos os dias o ritual era o mesmo. Os
portões se abriam, passávamos pelas roletas e pela revista da segurança, que só
estava interessada em coibir armas e objetos metálicos.
Cigarros podiam, de todos os tipos.
O pôr do sol foi deslumbrante, com ultraleves voando por
sobre um público jovem e absolutamente extasiado diante da grandiosidade de
tudo em volta. A paisagem, o sol se pondo nas montanhas da cidade maravilhosa e
os primeiros acordes da música tema do festival tocando numa altura e qualidade
de som que o Brasil nunca havia ouvido.
"Todos numa direção, numa só voz, numa canção
Todos num só coração, num céu de estrelas...
Se a vida começasse agora, se o mundo fosse nosso de vez,
Se a gente não parasse mais de sonhar...de cantar....de
viver."
E todos cantavam com a propriedade contagiante e autêntica
dos jovens dos anos 1970 e 80, que viviam numa cidade que desejava Paz e Amor e
acreditava nisso, por mais ingênuo que, hoje, isso possa parecer.
E, foi nesse clima que assisti a um show mágico e
maravilhoso do cantor James Taylor, num sábado ainda sem chuva, num céu
completa e absurdamente estrelado, sentado ao lado de dezenas de amigos que
ouviram aquelas mesmas músicas, comigo, nas festinhas de adolescentes.
Foi um dos shows mais emocionantes que já presenciei.
Aquela noite, houve uma catarse gigante entre o público e
um James Taylor extasiado diante de 250 mil pessoas que cantavam junto suas
músicas. Ele estava vindo de um período de declínio acentuado na carreira, e
naquela noite, aconteceu sua redenção.
O sucesso daquela
apresentação teve uma repercussão tão grande e impressionante que impulsionou
novamente sua carreira, e ele sentiu isso ainda no palco, durante a
apresentação.
E externou essa emoção através da sua arte, presenteando o
público com uma apresentação emocionada, emocionante e perfeita, e muito mais
longa do que o que estava previsto.
Tocou e cantou com o entusiasmo de um iniciante, todos os
seus grandes sucessos, não faltou nenhum.
O que se passou foi
sublime, uma poesia em forma de vida.
Público e artista vivendo, durante mais de duas horas e meia,
a mesma intensidade de emoções que ficaria, para sempre, na história de ambos.
O primeiro Rock in Rio me presenteou, ainda, com um show
inesquecível da banda inglesa QUEEN, onde foi feita a histórica filmagem do
coro de mais de trezentas mil pessoas cantando a música “Love of My Life”,
perpetuando aquele como um dos grandes momentos da carreira da Banda e do
lendário Fred Mercury.
Presenciei ele, e todos os músicos da banda QUEEN, ficarem
em absoluto estado de graça e completamente extasiados com o que estavam
assistindo. A emoção deles era visível.
Eu vi, estava lá e cantei junto.
E, no último dia, assisti, pela primeira vez, a banda que
mais toca a minha alma: a lendária banda inglesa YES.
A emoção mágica que senti vendo aquela apresentação incrível
e deslumbrante, permanece até hoje.
Foi perfeito para fechar o último dia do maior festival de
Rock de Todos os Tempos.
Essa é a minha parte da história de um Festival que ficou
para a história de muitas e muitas gerações e virou uma lenda no mundo inteiro.
estão degradados, aviltados e
estuprados em suas essências.
Bilhões de escravos de poucos
senhores. Senhores que também sofrem. Um sofrimento invisível e constante,
onipresente e multi-estimulado.
Nossa civilização é nossa
principal doença. A ausência de sentido faz milhares de vítimas fatais de si
mesmas por dia.
Na era das relações líquidas,
que Zygmunt Bauman descreve com tanta precisão, a nuvem de insegurança e medo que
sempre pairou sobre a humanidade, cresceu muito e abarcou todos os tipos e
níveis de relações, indiscriminadamente. O resultado é a sensação de desamparo absoluto
e geral.
Mas, é mais do que isso. Todos
sentem, mas não sabem o quê, exatamente, sentem. Apenas sentem um incomodo terrível e
inominável.
Algo concreto e, ao mesmo
tempo, muito difuso, quase metafísico.
Não sabemos porque sofremos,
apenas sabemos que sofremos. É um sofrimento tão visceral e
tão escondido que nunca foi nomeado.
É um sentimento sem nome.
Uma sensação, uma emoção, um
estado de angústia que é constantemente descrito, mas que nunca se chegou a um
consenso sobre seu nome e aonde se esconde em nós.
E que ninguém conta para
ninguém. E todos fingem que não sofrem, porque não sabem que o outro também
sofre.
Por ajudar a esconder tudo
isso de nós mesmos, é que fazem tanto sucesso os Facebooks, Instagrans, Tik
toks, Tinders, WhatsApp e toda sorte de mídias sociais para todas as bolhas e
taras.
É muito pesado admitir o
próprio sofrimento, é melhor fingir que ele não existe, porque, afinal, nem
sabemos porque ele existe e, apesar de seu peso insuportável, não temos forças
para arregaçar as mangas, deixar todo o resto de lado e partir em busca de uma
solução, qualquer solução, que faça a vida valer a pena.
A admissão de um sofrimento
endógeno e inexplicado, que parece ser inato na maioria dos humanos, é um dos
maiores tabus da contemporaneidade.
Me arrisco a dizer que esse
sofrimento fantasma é a mãe de todos os tormentos.
Será que o âmago dessa questão
continua sendo a nossa consciência da própria morte que, por nos causar tamanho
pavor, termina por nos impedir de usufruir plenamente o esplendor da vida?
O ser humano não teme apenas a
própria morte, teme, também, a morte de tudo e de todos que ama.
É muita morte para temer.
Precisamos nos ajudar a
transformar esse labirinto em um caminho apreciável.
Na
reunião de hoje do DIretório CIrcular Ordinário NAcional do RIO, entidade
conhecida como DI.CI.O.NA.RIO, esse assunto parece dominar as conversas e
debates preliminares. O plenário está fervilhando. Fala-se em greve geral, que
envolveria todas as classes de palavras. Um representante dos substantivos pede
a palavra e sobe à tribuna:
-
Amigos e amigas, estamos perdendo, cada vez mais, nossa credibilidade. Essa
casa parece não existir mais. As leis do idioma são sistematicamente ignoradas.
Corremos o risco de não fazer mais sentido. Como dizia o grande Ariano
Suassuna, quando um jornal adjetiva o Chimbinha, da banda Calypso, como
guitarrista genial, que palavra usar para definir Beethoven?
Foi
aplaudido de pé pelo plenário.
A
Democracia pediu a palavra:
-
E eu??! Me usam sem a menor cerimônia e sem nenhum respeito à minha história.
Falam em meu nome, mas no fundo estão só querendo enganar o povo. Estou cansada
de ser usada por quem só quer exercer o poder em nome de si mesmo. Pelo prazer
doentio de ter poder sobre outras pessoas.
A
gratidão levantou-se e pediu um aparte:
-
E eu??! Virei uma ordinária...na boca do povo. É gratidão por tudo e a toda
hora. Antes, eu era chamada somente para ocasiões muito especiais. Por uma
graça alcançada, por um grande favor prestado ou uma atitude nobre realizada.
Hoje, valho muito pouco. Todos falam por mim, sem ter a menor idéia de quem realmente
sou. Não tem mais respeito algum. Sem querer ofender meus grandes amigos dessa
classe tão efusiva, virei praticamente uma interjeição. Roubaram meu lugar de
fala, perdi minha verdadeira identidade. Minhas origens estão ligadas a oração, ao contato com o divino e com sentimentos profundos de agradecimento. Hoje, virei arroz de festa, fim de
frase. Sinceramente, perdi completamente o sentido de existir...
Os
companheiros se aproximaram para consolá-la, estava aos prantos, muito
emocionada com o próprio discurso.
Dali
pra frente, discussões cada vez mais acaloradas davam a dimensão exata de como
a corrupção dos sentidos e má utilização geral das palavras havia chegado ao
limite do suportável. Acusação de complacência da casa com erros imperdoáveis.
Para os mais conservadores, verdadeiros crimes hediondos contra as palavras.
No
final, não houve mais discursos. Todo plenário levantou-se e uma só palavra foi
ouvida:
-
Greve geral já!
A
partir da meia noite, as pessoas que estavam em seus computadores foram as
primeiras a notar. Primeiro, pensaram que fosse defeito nos teclados e touch pad
dos smartphones. Mas, todos perceberam que se digitassem números, eles
apareciam normalmente. As palavras estavam em greve. Inclusive as escritas a
mão. Isso só foi confirmado pelo Jornal da Manhã da TV. Em todos os sites
brasileiros, só havia números. Não havia palavras. Não havia nada escrito em
português do Brasil. Os sites em outras línguas estavam normais.
O
dia foi de ligações telefônicas, única forma de comunicação em território brasileiro. Recordes em cima de recordes nos números de
chamadas de todos os tipos. As pessoas só conseguiam saber dos acontecimentos
através da palavra falada. Ninguém conseguia escrever nada. Mesmo que tentasse
escrever com canetas diretamente no papel, as palavras não obedeciam às ordens
dadas e se embaralhavam como numa criptografia caótica e indecifrável.
No
final daquela noite, surgiu o único texto que apareceu nas telas de todos os
aparatos conectáveis do Brasil, nas últimas 24 horas:
“Dentro de 10 minutos
retornaremos ao trabalho. Mas, pedimos aos nossos usuários que façam um uso
mais adequado de nossas atribuições. Levamos milênios sendo aperfeiçoadas e
vocês estão nos deixando sem sentido em poucos anos. Por favor, nos tratem com
mais carinho e aprendam nosso uso correto, não é tão difícil. Afinal, nosso objetivo é o mesmo: fazer com
que todos nós nos entendamos da melhor maneira possível.”
Todos
nós temos pendências emocionais e existenciais. Assuntos que nos incomodam
muito e que, por isso mesmo, evitamos pensar e abordar.
Algumas
dessas questões são com pessoas importantes e queridas em nossas vidas.
Importantes demais para que as deixemos se perderem de nós, e nós delas, sem
que aconteça uma tentativa de esclarecimento que deixe, ao menos, a alma mais
leve. Alguma
atitude que nos permita dizer:
- eu tentei de verdade.
Quantas
vezes, nos pegamos divagando numa suposta conversa com aquela ex-companheira(o) com quem vivemos um grande amor, mas tivemos um final confuso e cheio de mal-entendidos.
Ou, a conversa com o parente muito próximo, com quem tivemos conflitos nunca
esclarecidos. Às vezes, nos afastamos de pessoas queridas por nunca termos tido
a iniciativa de ter uma conversa que pudesse trazer luz aquele assunto
pendente. Apenas para esclarecer, para clarear a questão e buscar um
entendimento. Sem vencidos, nem vencedores.
A vida
não é e nunca foi uma competição.
A
maioria de nós, tem a tendência a ir acumulando pendências emocionais. Questões
mal resolvidas, que foram varridas para debaixo do tapete. Situações espinhosas
que nos causam um mal-estar interior. Das quais não nos damos conta, na maior
parte do tempo, mas que brotam nos momentos mais improváveis e desagradáveis,
sempre atrapalhando alguma coisa boa.
Isso
quando não são despertadas já tarde demais, quando já não podemos fazer mais
nada.
Situações
que poderiam ter sido esclarecidas e não foram, provocam mais que frustação,
provocam distanciamento. E por isso, se retroalimentam,
criando distâncias que se tornam intransponíveis. Que ficarão para sempre,
nódoas que incomodarão em todo dia branco. Aquela pontinha de espinho que nunca
deixa de incomodar.
Uma
coisa é certa, não adianta tentar tocar em frente uma relação que sofre com
pendências. Não adianta tentar varrer para debaixo do tapete. Porque na vida
não tem tapete, e o chão é sempre bem duro. E não tem embaixo, nem em cima, é
tudo a mesma vida, uma coisa só. E uma só vez. Não tem reprise, não tem segunda
chance.
Não
podemos deixar tudo a cargo do tempo. Essas conversas necessárias têm que
acontecer, sob pena de se transformarem naquelas terríveis dores nas costas que
nos fazem entrevar diante de seu peso invisível. Temos que correr atrás, agir
para esclarecer nossos mal-entendidos com as pessoas queridas. Não podemos
deixar algo tão importante por conta do acaso. É muito arriscado, a vida é uma
só.
O
tempo passa sem parar, nem por um segundo, e se deixarmos por conta dele as
distâncias podem se alongar até que a possibilidade de volta não exista mais.
Não existe relação, em nenhum nível, que não possa ser estragada pela falta de
esclarecimentos mútuos sobre assuntos mal resolvidos.
A
mágoa deixa marcas, nódoas, cria barreiras e distâncias que o tempo não
resolve, ao contrário, só alimenta.
Esclarecer
pendências com as pessoas queridas é necessário. O orgulho bobo ou a
infantilidade de querer ter razão é algo pouco inteligente e muito, muito
prejudicial. Uma conversa sincera onde a
única intenção seja o entendimento mútuo, é o único caminho para que a
distância definitiva não se estabeleça.
Poder
ver, através do olhar de quem amamos, a nossa versão mais bonita, é um dos
momentos mais sublimes e felizes que podemos experimentar na vida.
Sentir que somos amados por quem amamos é ser
feliz.
Diminuir
essa possibilidade, através do afastamento de pessoas queridas, é perder um
pedaço gigante da felicidade que nos é possível.
Definitivamente,
varrer pendências sentimentais, com pessoas que nos são caras, para debaixo de
um tapete que não existe, é um erro que pode nos custar muito caro.
Eu tinha uns 12
anos e acabara de ganhar meu primeiro violão no último natal. Passava a maior
parte do tempo entre a praia, as peladas à tarde e o violão no resto do tempo.
Dias cheios, quentes e inesquecíveis.
O condomínio dos Jornalistas, no Leblon,
fervia de crianças e adolescentes. Literalmente, dos seis aos vinte havia gente
de todas as idades. Bem no centro do condomínio havia um rinque de patinação
que servia, principalmente, para o pessoal ficar sentado nas bordas. No centro,
tinha de tudo, menos gente patinando. À noite, a
festa continuava com brincadeiras de polícia e ladrão com 50 crianças em cada
time correndo por uma área que corresponde a um quarteirão inteiro do Leblon cheio de árvores e com espaço à vontade. Era uma festa diária e interminável.
Os quase adolescentes como
eu, ficavam conversando e e tocando violão, tentando chamar a atenção das meninas. Eu ficava olhando e tentando
repetir a posição dos dedos no meu violão. Eu levava jeito e em pouco tempo
estava tocando algumas coisas mais simples, Carpenters, James Taylor,
Carole King e outros adocicados do gênero. Dos brasileiros eram poucos que
faziam sucesso na nossa roda; Novos Baianos surgindo, Milton Nascimento e o clube da esquina,
Mutantes e o Terço eram as exceções.
Os FIC (Festivais
Internacionais da Canção da Globo) estavam em decadência e já não despertava a nossa atenção como antes. Só a minha, que sempre fui ligadíssimo em
música desde que me entendi por gente, e me interessava por tudo. Acompanhava
pelo jornal o passo a passo das etapas e sabia quem eram todos os
participantes, tanto da fase nacional quanto da internacional.
Mas, quem fazia sucesso
naquelas férias era James Taylor. Naquele dia, depois da décima repetição de
“You've got a friend” senti que era hora de subir para casa, naquela época ainda tinhamos hora determinada pelos pais para voltar.
Quando cheguei à minha
portaria, já estava esperando o elevador um cara alto, jovem, muito magro e com
os cabelos penteados de um jeito engraçado. Puxou conversa quando viu meu
violão. Falou que era da Bahia e estava na casa dos primos, Horácio e Heloísa,
que eu conhecia desde sempre, apesar de serem mais velhos do que eu. Disse que
era cantor e que iria se apresentar no FIC da TV Globo. Fiquei entusiasmado com
aquilo, o cara era muito simpático e gente boa, o que não era comum, já que os
“caras mais velhos” não davam a menor importância para pirralhos como eu. Quando chegou meu
andar, abri a porta, me voltei para ele e perguntei:
Eu acabara de sair da academiaLucinha & Cláudio, atravessara a Rua Humberto de Campos, na direção da Rua José Linhares, que fica a menos de 50 metros. Estava dobrando a esquina, quando vi uma senhora idosa vindo na direção contrária. Ela dá uma topada na calçada, se desequilibra e começa a acelerar o passo descontroladamente. Ela vai cair.
Corro em sua direção para tentar ampará-la mas, antes que chegasse perto o suficiente, surge do nada uma mulher muito esguia de cabelos pretos, curtos, e a segura, colocando-a de pé e sumindo novamente.
Tudo não durou mais do que fugazes 3 segundos.
Fiquei petrificado com a cena. Senti-me muito estranho, um desconforto cerebral extremamente desagradável, como se tivesse levado uma pancada forte na cabeça. Senti uma confusão agoniante, uma perda da noção do que era ou não realidade. Como uma pane inexplicável no meu sistema mental...
Como alguém aparece e desaparece do nada? Sim. Ela não surgiu e foi embora correndo ou sumindo de forma gradual, como é natural acontecer. Ela apareceu e desapareceu, como um flash fotográfico.
A Senhora Idosa estava atônita e tão perplexa quanto eu. Quando conseguimos trocar olhares, foram de puro espanto!
Aproximei-me dela um pouco mais e perguntei-lhe o que tinha acontecido. Ela me relatou, exatamente, a mesma coisa que eu havia visto. Utilizando, inclusive, as mesmas expressões como “apareceu do nada" e “Desapareceu do nada”.
Ela relatou o que eu tinha presenciado com a mesma precisão de detalhes que eu percebera. Ou seja, quase nenhum, já que a velocidade do evento, foi como se alguém tivesse colocado um vídeo em câmera acelerada.
Logo percebemos que havia uma prova física e inequívoca do ocorrido: a Sra. Idosa estava usando uma blusa branca de mangas compridas e, nela, estavam estampadas visivelmente, duas marcas de mãos onde o “ser” a segurara. Perfeitamente visíveis e brilhantes.
Nós dois olhamos para as marcas e, em seguida, um para o outro, ainda com expressões de absoluta incredulidade.
Percebi que havia testemunhado algo fantástico e extraordinário, e que não haviam palavras que pudessem descrever aquele flash inacreditável.
Ficamos em silêncio, eu e a Senhora Idosa, tomando fôlego e reiniciando os pensamentos. Pouco depois, seguimos caminhando, lentamente, até a entrada do prédio para onde ela estava indo. Ambos no mais absoluto silêncio, em choque.
Despedimo-nos pelo olhar, sem trocar mais nenhuma palavra, ainda visivelmente desconcertados.
Não havia nada o que falar.
Nossos olhares se acenaram, confirmando a cumplicidade que havia acabado de nascer.
Nunca mais a vi e nunca soubemos o nome um do outro.
E Nunca entendi o que havia acontecido.